Setúbal do futuro eternamente no papel
Com projetos milionários, Mata Cáceres, Dores Meira, David Chow e Sam Pitroda já fizeram correr tinta por dezenas de relatórios e milhões euros pelo imaginário dos setubalenses. Só para construir uma marina de luxo prometeram-se 250 milhões de euros, os primeiros que Macau Legend investiria na Europa.
Da marina de Chow à cidade futurista de Pitroda, Setúbal vê fantásticos projetos perderem-se no tempo, até desaparecerem da memória pública. Se um dia saírem do papel, representam um investimento privado de cerca de mil milhões de euros. Por agora estão envoltos no silêncio do presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (CDU), e dos investidores. E, nem Maria das Dores Meira (CDU), que acenou a todos estes sonhos quando estava à frente da autarquia, está disposta a quebrar o pacto.
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Na bancada oposta, os socialistas acusam a CDU de apoiar "projetos sem estratégia", mantendo a cidade "de costas voltas para o rio". De uma extensa lista recordam "o centro interpretativo do mar e a megabiblioteca municipal prometidos em 2013, a marina de 2016 e, no ano seguinte, a garantia de construção de hotéis de cinco estrelas". Maquetas que "faziam sonhar qualquer um". No entanto, também as promessas governamentais de António Costa, entrançadas na estratégia do PS Setúbal, mantêm-se por concretizar. Da requalificação do antigo liceu, à ampliação do Hospital de São Bernardo, tudo tem sido espera.
Frente ao Sado, a Doca dos Pescadores também é lugar de silêncio, mas, ao contrário da Câmara de Setúbal, por esquecimento. A faina perdeu o frenesim. Os pescadores que restam não se recordam da marina de luxo que ia arrasar com o seu canto, com a chancela da Macau Legend e a confirmação de Maria das Dores Meira.
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A marina apresentada pela Macau Legend, em 2016, incluía dois hotéis e habitação.
© DR
A preparar o "Roaz do Sado" para mais um passeio, Jorge e Ana Sena comentam que "quem pesca e quem agora dedica os dias à marítimo-turística, não perde tempo a guardar memórias sobre os planos da frente ribeirinha". "Vem um visitar Setúbal promete, vem outro promete e os responsáveis por defender os interesses da cidade iludem-se com as promessas que envolvem o turismo, esquecem o que falta aos pescadores, aos pequenos empresários da náutica de recreio", lamenta Ana Sena.
Naquele que seria o primeiro investimento da Macau Legend na Europa, David Chow prometia 250 milhões de euros para construir uma marina de luxo, dois hotéis de quatro e cinco estrelas, espaços dedicados à cultura e prática desportiva, habitação e um terminal de ferries e táxis marítimos, para ligar o novo resort de Setúbal ao resort de Tróia, onde esperava conseguir uma participação no casino.
O acordo entre a Macau Legend e a Câmara de Setúbal chegou a ser assinado a 7 de julho de 2016 e o início das obras garantido para 2017, mas, até hoje, nem um tijolo foi assente.
Em novembro de 2022, a construção de uma nova marina voltou à ordem do dia em Setúbal. O plano é menos opulente, mas é mais extenso.
A nova marina com lugar para 600 barcos e super iates vai estender-se entre o edifício do Mercado de Segunda Venda, junto à Doca dos Pescadores, até ao Cais 3, junto à Doca das Fontainhas, abrangendo mais de metade da frente ribeirinha. Fica prevista a possibilidade da nova marina receber navios de cruzeiro de pequena dimensão, sendo o Mercado de Segunda Venda transformado numa gare de passageiros.
A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra já têm o "Estudo Prévio para a Futura Marina de Setúbal" concluído, feito pelo grupo de trabalho formado desde 2014 com a câmara municipal, muito antes de David Chow passar pela cidade com o seu plano de luxo.
Quanto a prazos, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra estima que o concurso internacional para a construção da nova marina seja lançado até ao final de 2023.
Vale da Rosa também é o futuro de Setúbal
Na zona norte de Setúbal não se dividem lugares para lançar âncoras de iates e cruzeiros, dividem-se lotes para a "Cidade do Conhecimento". "Empresas e polos de universidades nacionais e estrangeiras, serão bem recebidos no projeto, assim como a habitação e o lazer. Tudo adaptado à cidade e à região", garante o empreendedor indiano Sam Pitroda, desde que apresentou a "Cidade do Conhecimento" em Setúbal.
Passaram mais de dois anos desde que a Câmara de Setúbal assinou, pela mão de Maria das Dores Meira, um protocolo com a empresa The Pitroda Group, para a construção da "Cidade do Conhecimento" em 180 hectares do Vale da Rosa.

No Vale da Rosa, a "Cidade do Conhecimento" ocupará 180 hectares que pertenceram ao BPN.
© DR
Os lotes são os mesmos onde, no início dos anos 2000, o empresário Emídio Catum e o autarca Mata Cáceres (PS) planearam a "Nova Setúbal". O empreendimento incluía habitação, um centro comercial e um novo estádio para o Vitória. Tudo para construir em área de montado e viabilizado pelos então ministros do Ambiente e da Agricultura, José Sócrates e Capoulas Santos. A falência do Banco Português de Negócios levou atrás a imobiliária Pluripar SGPS, proprietária dos lotes, gerida por Emídio Catum.
Vinte anos depois, o montado está nas mãos de um fundo imobiliário do Millenium BCP e, com menos sobreiros, é apresentado aos investidores da "Cidade do Conhecimento".
Sam Pitroda e Gustavo Miedzir, presidente do Pitroda Group em Portugal, fazem a ponte entre autarquia, banco e investidores. O Pitroda Group aposta "apenas" o conceito da "Cidade do Conhecimento".
Setúbal ainda estará a jogo. Em declarações ao Diário de Notícias, Gustavo Miedzir garante: "A Cidade do Conhecimento continua em desenvolvimento conforme previsto". Isto, apesar da Câmara de Setúbal nada mais divulgar, desde que aprovou o plano estratégico do projeto, em março de 2021.
Contrapondo a confiança da CDU, o PS Setúbal descreve a "Cidade do Conhecimento como um projeto "megalómano e fantasioso, vendido e assinado com protocolos para implementação em vários municípios da Europa, mas, em nenhum deles avançou". Sem informação sobre o estado do projeto, os socialistas receiam que Setúbal seja "mais um desses casos". E acusam a CDU de "não fazer o trabalho de casa", caso contrário, "teria percebido que é venda da banha da cobra".
Promessas repetidas na Saúde
Ao patamar de credível e concretizável subiu a ampliação do Hospital de São Bernardo, depois de reprometida pelo Governo e administração hospitalar durante mais de dez anos.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, assegura que as obras de ampliação do Hospital de São Bernardo avançam durante o primeiro trimestre de 2023. O feito dever-se-á às possibilidades levantadas pelas centenas de milhões de euros que Portugal está a receber da Europa, para colocar em prática o Plano de Recuperação e Resiliência, onde a Saúde é área prioritária. Dinheiro que António Costa apresenta como "uma enorme oportunidade" para "fazer o que ainda não foi feito".

Novo edifício do Hospital de São Bernardo integrará urgência geral, pediátrica, obstétrica e bloco de partos.
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É o momento de concretizar o que estava travado, só que ao dobro do preço. Em 2019, quando o Centro Hospitalar de Setúbal assinalou 60 anos, foi anunciada a construção de um novo edifício no Hospital de São Bernardo, no valor de 17 milhões de euros. O concurso público internacional apresentado em 2021 tinha o valor de 13,5 milhões de euros. Em 2023, a empreitada custará ao Estado 27,5 milhões de euros, a diferença é que, finalmente, está adjudicada.
A concretizar-se, a ampliação do hospital contemplará um novo edifício, com área bruta de construção de 13 350 metros, para receber a urgência geral, pediátrica, obstétrica e bloco de partos. Serviços que têm sucessivos encerramentos, devido aos recursos muito limitados.
dnot@dn.pt