Autotanques levam água a cerca de oito mil pessoas de 50 localidades transmontanas
Pelo menos cerca de oito mil pessoas de 50 localidades transmontanas estão a ser abastecidas este verão com a ajuda de autotanques devido à falta de água nos sistemas de abastecimento, foi esta quarta-feira revelado.
A maior parte são aldeias que habitualmente têm falta de água nesta época, um problema que se agravou devido à seca numa das regiões de Portugal que apresenta "maior escassez hídrica", segundo o secretário de Estado da Conservação da Natureza e das Florestas, João Paulo Catarino.
O governante presidiu esta quarta-feira, em Carrazeda de Ansiães, no distrito de Bragança, à assinatura de protocolos que disponibilizam 1,3 milhões de euros a sete municípios de Trás-os-Montes para garantir que a água continua a chegar a casa das populações.
A maior parte da verba, mais de um milhão de euros, destina-se ao transporte de água em autotanques e, de acordo com o secretário de Estado, a ajuda a esta região representa cerca de um quarto dos quatro milhões de euros disponibilizado pelo Fundo Ambiental para mitigar os problemas da seca em todo o país.
Os beneficiados em Trás-os-Montes são os municípios de Carrazeda de Ansiães, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé, Mogadouro e Vimioso, no distrito de Bragança, e Alijó, no distrito de Vila Real.
O governante explicou que a ajuda é para reabilitar sistemas existentes, fazer novas captações, pequenos açudes, aquisição de autotanques ou prestação de serviços para fazer o transporte da água.
O município de Carrazeda de Ansiães, o anfitrião da sessão de assinatura dos protocolos, é o que apresenta maiores dificuldades no abastecimento da população e terá apoio para menos de metade dos 400 mil euros que vai pagar a prestadores de serviços para fazer o transporte da água do rio Tua para a Estação de Tratamento de Água (ETA).
O município tem a decorrer um concurso até 16 de agosto para a contratação do serviço por cerca de 90 dias (três meses) para resolver um problema que afeta praticamente todos os 5.500 habitantes do concelho.
A barragem de Fotelonga é a única reserva para abastecimento deste e de algumas aldeias do concelho vizinho de Vila Flor e encontra-se a menos de 30% da capacidade, com água que daria apenas até outubro, pelo que a solução de emergência é fazer o transporte do rio Tua.
Alijó, Mogadouro e Macedo de Cavaleiros têm ajuda para a aquisição de autotanques para garantir o abastecimento a cerca de oito aldeias, no caso de Macedo de Cavaleiros, a "uma dúzia de aldeias", em Mogadouro, e a cinco em Alijó, que recebe apoio também para fazer a limpeza da barragem de Vila Chã, que tem água até setembro e dá de beber também ao concelho de Sabrosa.
Alfândega da Fé está a ter um ano com problemas "na fonte do concelho", que é a Serra de Bornes, e recebeu apoio para reforçar o abastecimento a três aldeias, enquanto Vimioso tem ajuda para reconstruir e fazer o alteamento de um açude no Rio Angueira.
Bragança vai também reforçar o transporte em autotanques a 25 das 114 aldeias do concelho, onde a maior parte da população está concentrada na cidade abastecida por duas barragens sem sinais de seca.
De acordo com os autarcas, a seca veio agravar um problema estrutural nestas localidades com sistemas deficitários e onde nos meses de verão os consumos duplicam com a chegada dos emigrantes.
O presidente da Câmara de São João da Pesqueira admitiu esta quarta-feira, à agência Lusa, que, se não chover, em meados de setembro não haverá água para consumo humano na Barragem de Ranhados, que abastece mais dois municípios.
"A situação é preocupante porque, mesmo com o esforço todo que estamos a fazer, prevê-se que em setembro, se não chover, não teremos água nas torneiras, portanto é uma situação grave", disse Manuel Cordeiro.
O autarca, eleito pelo movimento "A nossa terra", sublinhou que, "desde o início do ano, tendo em conta que se começou a prever um ano de seca" que o município tem "vindo a adotar medidas, no sentido de reduzir o consumo".
Entre essas medidas, referiu a sensibilização à população, "uma equipa permanente para detetar e reparar fugas e condutas, algumas com mais de 30 anos, e a redução de regas" de vários espaços.
"Deixámos de regar jardins públicos e fomos obrigados, não só por uma questão moral, mas também legal, a cobrar água a todas as associações e IPSS [instituições particulares de solidariedade social], porque tem de ser assim", realçou.
Estas medidas têm "tido alguns resultados" e, comparando o último trimestre com igual período do ano passado, São João da Pesqueira "reduziu 23% o consumo, o que é razoável, tendo em conta o ano que é um ano de seca" em Portugal.
"Vivemos, à semelhança do resto do país, um período de seca muito grande, nós, talvez estejamos numa situação mais agravada", apontou, dizendo que "há cerca de um mês o Governo foi interpelado com esta preocupação", mas ainda não respondeu.
São João da Pesqueira, na área norte do distrito de Viseu, é abastecido pela Barragem de Ranhados, tal como outros dois municípios do distrito da Guarda -- Vila Nova de Foz Coa e Mêda - que "estão exatamente na mesma situação", frisou ainda o autarca, em declarações à agência Lusa.
"Foram os três municípios que há uns 40 anos construíram a Barragem e, nos últimos anos somos abastecidos em alta pelas Águas do Norte --, desde o início do ano, temos vindo a reunir para reparar esta falta de chuva e de água", contou.
Manuel Cordeiro admitiu que "a solução não passa só pelas autarquias, apesar de a Câmara estar a fazer tudo o que pode" e, entre as soluções possíveis admite o "uso das águas residuais para as regas".
"Já temos os filtros e autorização das Águas do Norte e da APA [Agência Portuguesa do Ambiente] e agora vamos passar à execução, ou seja, vamos filtrar as águas das ETAR [estações de tratamento de águas residuais] para regas", adiantou.
O concelho "é muito agrícola e, como tal há muitas regas, nomeadamente com as novas plantações de vinhas que precisam de muita água, ao contrário das velhas e, por isso, há um consumo muito grande" de água.
"Se as pessoas não tiveram água nos poços, que também estão a secar, usam a da rede, claro. Se nós conseguirmos filtrar a das ETAR para uso nas regas estamos a poupar a água da Barragem para o consumo humano", apontou.
Outra das soluções, indicou, será "o uso da água de nascentes e também dos furos que a autarquia está a fazer, mas também para rega, porque a lei não permite o consumo humano da água de furos e nascentes".
"Ouço Lisboa dizer que temos reservas para dois anos, não é o caso aqui. Interpelámos o Governo, porque precisamos de saber o que é que se propõe fazer para resolver esta nossa preocupação", enfatizou.
Isto, porque, continuou, "se estes três concelhos ficarem sem água em meados de setembro, tudo está em cima da mesa e certamente a água das nascentes e furos será levada para reservatórios para ser tratada e consumida".
"Legalmente não é possível, mas é uma hipótese e, por isso, esperamos uma resposta do Governo. Estamos a trabalhar muito a sério nesta matéria, que nos preocupa muito", assegurou o autarca, referindo que a falta de água "não é um problema deste ano, é um problema para o futuro".