Praça de Espanha. "Vamos ter meio quilómetro de parque, dantes nem 50 metros"

Atrasadas pelo inverno e pela covid as obras do Parque Urbano vão prolongar-se até ao final do primeiro semestre. Novo espaço de lazer visa também preparar o centro da cidade para cheias.
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Já se vão vendo os primeiros caminhos, a nova saída do metro já lá está, as escadarias na encosta que sobe para a Avenida José Malhoa também. A terra lamacenta denuncia o caminho do riacho que em tempos passou por ali (e vai voltar, ou mais ou menos, já lá iremos). Mas o que há de ser um parque no coração da cidade ainda é, por estes dias, um revoltear de máquinas e de terras, as fundações ainda visíveis, um estaleiro de obras em plena atividade.

Inicialmente prevista para terminar em 2020, depois adiada para o final do primeiro trimestre de 2021, a empreitada do Parque Urbano - que levará o nome do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, que desenhou os jardins da Gulbenkian, ali ao lado - vai estender-se até final do segundo trimestre. Consequência, dizem os responsáveis, do inverno chuvoso e dos casos de covid que foram atrasando os trabalhos. Orçada em 16 milhões de euros, a requalificação da Praça de Espanha (o parque e a rede viária, já finalizada) é a maior obra que decorre, nesta altura, na cidade. No pico dos trabalhos chegou a juntar 300/350 pessoas por dia. Agora, são 120 a 150, diz Isabel Neto, coordenadora das obras no espaço público da Lisboa Ocidental Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), a empresa municipal responsável pelas obras.

As projeções que antecipam o que será a futura Praça de Espanha referem cinco hectares de parque, há quem fale em seis, Isabel Neto aponta para sete. A diferença explicar-se-á pelos espaços que são contabilizados - entra passeio, sai passeio - mas José Veludo, um dos projetistas do ateliê de arquitetura paisagista NPK, que venceu o concurso internacional para a requalificação da praça, remata a questão sublinhando que não é tanto a área que importa (o projeto teve a "ambição de se expandir até onde podia") mas o "acréscimo qualitativo": "O que tínhamos aqui eram "ilhas" que não comunicavam umas com as outras. Não havia um espaço sustentável. Agora, vamos ter meio quilómetro em espaço de parque em continuidade direta quando antes não existiam nem 50 metros. Mais espaço natural, mais sustentado."

Como se define o espaço de um parque? Como se escolhem as espécies, as árvores e as plantas, que o vão habitar? No caso da Praça da Espanha a primeira decisão foi tentar manter o maior número possível de árvores. Foi por aí que começou a obra, na Primavera de 2019, com o transplante de 102 árvores. Foi a maior operação de transplante que já se fez na cidade, sublinha Helena Bicho, engenheira da SRU. A maior parte foi levada para outros locais na cidade, algumas mudaram de sítio na Praça de Espanha.

A permanência de árvores de grande porte, já com décadas de crescimento, vai dar ao parque "um avanço no tempo", diz José Veludo, sublinhando que estes espaços "nunca estão concluídos quando são inaugurados". O objetivo é que seja a natureza fazer o resto: "É todo um sistema que tem de vir a funcionar com espontaneidade."

"Nós não escolhemos árvores, escolhemos associações de plantas", explica o arquiteto paisagista, apontando ao outro lado da estrada, para os jardins da Gulbenkian, onde ressaltam as flores brancas de um folhado, um arbusto de grande porte, já a dar os primeiros sinais da primavera que se aproxima. Planta comum em Portugal, é abundante no espaço verde da Gulbenkian e "será um dos reis" do futuro Parque. O objetivo é que haja "continuidade": "Queremos fazer um diálogo com aquilo que está ao nosso lado."

Na Praça de Espanha, diz o projetista, "vai aparecer o que apareceria se não estivesse aqui ninguém". Nas encostas argilosas haverá uma presença dominante do zambujeiro, nas zonas mais planas do centro do Parque domina o carvalho português, ao longo da linha de água "as associações são ripícolas, surgindo o choupos, os freixos, os salgueiros e os lódãos". Serão plantadas "mais 580 árvores de 25 espécies diferentes, mais de 50 000 espécies de arbustos, herbáceas e bolbos de 60 espécies diferentes", explica José Veludo, sublinhando que "mais de 90% das espécies são autóctones e potenciais da região de Lisboa". No total, com os exemplares pré-existentes que permaneceram, a Praça de Espanha terá 790 árvores.

Com a rede viária mais chegada para o lado da Avenida de Berna, o que antes era o centro da rotunda "colou-se" ao terreno que durante décadas esteve ocupado por um terminal rodoviário, transferido para Sete Rios. É neste espaço que surgirá a clareira central do parque, com uma cafetaria, a nova entrada do metro e um parque infantil, junto à Columbano Bordalo Pinheiro. Nas margens do futuro jardim, junto à estrada, já se levantam as elevações de terreno que ficarão cobertas por vegetação mais densa, para "tapar o ruído" do trânsito. Mas é no subsolo que se têm concentrado as obras nos últimos meses - esgotos, eletricidade, redes de rega e uma rede de água reciclada.

Já longe da vista de quem passa na Praça de Espanha a obra estende-se muitos metros adiante, escondida pela fileira de prédios da Columbano que começa no Hotel Açores. Nas traseiras desses edifícios, o parque vai estender-se pelo que antes era um descampado e um parque de estacionamento "informal", abarcando o espaço até à parte de cima da encosta onde está a companhia de teatro A Comuna. Mais à frente, na mesma encosta, as obras apanham as traseiras da Avenida José Malhoa, onde já estão finalizadas as paredes em socalco e as escadarias que vão dar acesso ao parque. Serão terrenos sobretudo de passagem, a terminar numa grande clareira, rebaixada, um espaço capaz de concentrar águas numa situação de cheia - é uma solução estudada "para cem anos", diz José Veludo. É ali que está (e ficará, remodelado) um dos grandes sumidouros de Lisboa, uma estrutura gradeada com uma porta de ferro por detrás, e canos com quase dois metros de largura e outro tanto de altura, destinada a escoar grandes quantidades de água, com destino na ETAR de Alcântara.

Uma das projeções que mais vezes tem ilustrado o que será o futuro parque mostra a clareira central atravessada por um riacho - o riacho do Rego - resgatado para a superfície. Na realidade não será bem assim: os riachos não ressurgem do nada, numa cidade que anda "há cem anos a entubar os seus rios", diz José Veludo.

"Houve um tempo em que a ambição era esconder a água", corrobora Helena Bicho. Agora é mostrá-la, mas isso não significa, necessariamente, que haja água para mostrar. "Esta imagem é uma hipérbole, é o que devia ser a ambição da cidade. O que se está a fazer aqui é um início, um espaço apto para receber a água", acrescenta José Veludo. Segundo o projetista, foi libertado das tubagens um troço de cerca de meio quilómetro da linha de água do Rego, mas para que venha a correr um riacho no Parque "é preciso todo um trabalho a montante", na drenagem de águas do planalto interior da cidade, nas avenidas novas - "Quando for possível separar o saneamento em águas limpas e sujas, a água das chuvas poderá de novo correr livremente à superfície". Até lá aquele riacho será "sazonal", como são as ribeiras portuguesas - o que não promete muita água, pelo menos no verão. José Veludo admite que chegou a ser ponderada uma solução artificial, mas esta hipótese foi recusada "por contrariar os princípios de sustentabilidade em que a criação do parque assenta".

Se o parque só estará terminado lá para finais de junho, as obras na rede viária, com dois cruzamentos a substituir a antiga rotunda, já estão terminadas. Com ganhos para o trânsito, garante Isabel Neto: "A reorganização do trânsito já se nota. Não há tanto tempo de espera, só isso faz uma enorme diferença na fluidez." Se os tempos que correm não são exemplificativos, dada a redução do tráfego provocada pelo confinamento, Isabel Neto sublinha que nos meses anteriores, com o trânsito próximo do normal, o novo sistema viário mostrou capacidade de escoamento do tráfego.

Terminada a obra do parque, a que sucederá ainda a construção da ponte pedonal com a Gulbenkian (atualmente em fase de concurso), a nova Praça de Espanha não terá ainda o seu perfil definitivo - faltam os edifícios, alguns de grande envergadura, que vão ser construídos em redor. No espaço onde esteve instalado o mercado azul será construída uma nova unidade do Instituto Português de Oncologia e a nova sede do grupo Jerónimo Martins. Do outro lado, no final da Avenida de Berna, onde estava a moradia do restaurante A Gôndola, entretanto demolida, surgirá outra grande construção, a sede do Montepio.

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