Novo turismo de luxo entre Troia e Melides. E até Clooney está a investir

Investidores americanos apostam na construção de resort próximo da Praia da Aberta. Os lotes das 360 vilas exclusivas já estão a ser vendidos e custam cerca de 10 milhões de euros.
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E se num passeio pela península de Troia tomasse um café ao lado de George Clooney? No último verão foi noticiado o interesse do ator americano num terreno em Melides, mas foi desmentido. Agora, a Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo (ARPTA) garante que "George Clooney é um dos acionistas do fundo imobiliário Discovery Land Company (DLC), que adquiriu a Herdade Costa Terra em 2019 e recentemente o Parque de Campismo da Galé". Próximo a Melides, com o apoio da estrela de Hollywood, vai ser erguido um resort com 360 vilas sob o lema "o novo luxo do turismo é a exclusividade".

O valor médio de cada lote rondará os 10 milhões de euros, mas a isso há que acrescentar os custos do projeto e da construção. De acordo com António Lacerda, diretor executivo da ARPTA, os imóveis "poderão ser utilizados para uso direto ou para exploração", daí que ainda "não há a certeza que George Clooney pretenda ficar uma das vilas". Mas "é inegável" que é acionista, sendo "provável que o vejamos algumas vezes entre Troia, Comporta e Melides".

Este será um empreendimento com a marca de Mike Feldman, mundialmente reconhecido como guru dos resorts. Lugares onde os famosos têm refúgios de luxo e onde se isolaram nos primeiros tempos de pandemia.

Se em 2019 o mega empreendimento para a Área de Desenvolvimento Turístico, onde está incluída a Herdade Costa Terra, levantou dúvidas "devido à elevada pressão que uma unidade com 7500 dormidas colocaria sobre os recursos naturais, nomeadamente sobre o consumo de água", a verdade é que a DLC "apresentou uma proposta ambientalmente mais sustentável do que a da família Queiroz Pereira, proprietária dos terrenos até 2019".

António Lacerda descreve um conceito de resort que "dá uma nova tendência ao turismo nos 47 quilómetros de costa entre Troia e Melides, com a construção de espaços onde a exclusividade é o objetivo principal, harmonizada com os recursos naturais".

Uma zona que, em tempos, foi um destino questionável, transformar-se-á numa espécie de Hamptons - área de vilas de luxo da costa do estado de Nova Iorque, nos EUA, onde a alta sociedade americana passa o verão. "Claro que em Portugal terá o benefício do clima ameno e muitos dias de sol", diz António Lacerda, lembrando que esse foi o plano apresentado pela DLC.

Os prazos para concretização do projeto ainda não estão estipulados, "a impressão transmitida pelo promotor é que, devido à conjuntura económica provocada pela pandemia, o resort crescerá sem pressa, à medida que o mercado imobiliário e o turismo recuperarem".

No último verão a zona da Comporta, Melides, Alcácer do Sal e até Odeceixe recuperou 80% da sua afluência turística. "Um bom indicador de que a covid-19 manteve muitas pessoas a fazer turismo dentro de portas e trouxe também pessoas de fora de Portugal, que aqui se sentiram seguras, mas ainda falta recuperar 20%", alerta António Lacerda com a esperança de ver esse objetivo alcançado em 2022, desejando que essa também seja uma meta de Mike Feldman.

Sobre o temor das populações de um dia não terem praias livres, Lacerda recorda que, "segundo a lei não podem existir praias particulares em Portugal". O representante do turismo alentejano lembra o caso conhecido como Praia da Amália, na Herdade do Amarelo, em Odemira, que a fadista quis tornar exclusiva, mas nunca foi permitido.

"O que existe ao longo da Costa Vicentina e na costa de Troia são concessionários que exploram os apoios de praia", explica Lacerda recordando que "muitas vezes é graças a essa exploração de bares ou restaurantes de praia que se criam acessos, saneamento e instalações sanitárias". De outra forma estes equipamentos dificilmente seriam garantidos aos banhistas.

Com a DLC não será diferente porque "tem de ser garantido o acesso à praia", embora possa haver condições para garantir a privacidade dos proprietários.

A DLC, na qual Clooney se movimenta, aposta num conceito turístico voltado para a sustentabilidade. "Embora as populações possam dizer que estão a ser criadas zonas de excelência, onde quem tem poder económico ergue muros e os que menos têm ficam do lado de fora", António Lacerda fala num "salto de consciência" que acompanha o novo Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT), previsto para uma área de 47 quilómetros.

É algo muito diferente do plano anterior, que permitiu a construção de muitos edifícios em dois quilómetros desde a ponta norte da península de Troia, de frente para Setúbal, e colocou em risco o ambiente e as pessoas. O novo turismo procura a expansão por uma área alargada, com outra consciência.

De 2016 a 2021, só entre a Comporta e Odeceixe foram licenciados 57 projetos de pequenas e médias empresas de turismo, todos de investidores nacionais, mas autorizados a construir na faixa interior. António Lacerda recorda que esta é uma das imposições do PROT, "para garantir que a lei de acesso livre às praias é garantida e para respeitar o risco de subida do nível da água".

Península de Troia adentro, os novos empreendimentos e a chegada de personalidades como o estilista Christian Louboutin, ou o ator George Clooney, deixam distantes as memórias do setubalense Augusto Parreira.

Na década de 1960 conheceu "terrenos selvagens onde ninguém entrava" e hoje são lugar de eleição para casas de luxo. "A partir da zona da Comporta, o pinhal era território onde se acoitavam os presos evadidos da cadeia de Pinheiro da Cruz", recorda. "Um dia, não muito longe, caiu um avião de carga que transportava largos milhares de contos e diz-se que o dinheiro perdido entre os destroços ajudou a erguer muitas fortunas em Setúbal".

Entre histórias de exploração de madeira, agricultura, caça e pesca, indústria e contrabando começou a nascer Troia e o desenho do que seria o futuro do território desde a ponta norte ao Litoral Alentejano.

Na década de 1920 a Herdade de Troia foi comprada por Joaquim Sottomayor, industrial da Figueira da Foz, que manteve a exploração agrícola e a aposta nos banhos, tudo a título particular.

Em 1948, a propriedade passou para a Sociedade Agrícola de Troia, até chegar a Sociedade Soltróia em 1962. Adquiriu os terrenos por dois milhões de contos e deu o arranque para a exploração turística num fundo imobiliário luso-brasileiro do qual faria parte Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil de 1956 a 1961.

Logo após a revolução do 25 de Abril, ainda em 1974, depois das provas dadas no desenvolvimento turístico na região do Algarve, a Torralta uniu-se à Sociedade Soltróia. O grande objetivo era levantar um empreendimento na Ponta do Adoxe, onde atualmente se encontra o cais dos catamarãs, a marina e o casino.

Entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000 chegaram os investimentos SONAE e Pestana e o desenho do turismo em altura alterou-se, para uma arquitetura adaptada à paisagem e preservação ambiental.

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