É das decisões mais simples que eu tomei e que teve mais impacto na comunidade local". Walter Chicharro, presidente da Câmara da Nazaré, vai explicando ao DN o processo de recuperação das velhas embarcações que agora estão em exposição no areal, enquanto nos encaminhamos para onde a magia acontece: José Constantino, o último calafate em atividade, passa os dias de volta da Mimosa, a barca que - se tudo correr bem - estará de volta ao areal este verão. Ao cabo de uma vida no mar, aos 57 anos o carpinteiro naval regressou à função que o faz feliz: dar nova vida às embarcações..Tinha 14 anos quando foi aprender aquela arte de construir e reparar barcos, no final dos anos 70. Nesse tempo, quem dava as cartas naquele ofício era António Luís Júnior, que ensinou vários rapazes da terra. "Depois da tropa fui para o mar. Ganhava-se melhor...mas quando regressava à Nazaré, para gozar férias, acabava sempre por vir trabalhar nos barcos", conta ao DN José Constantino, enquanto afaga a madeira com que há de calafetar a velha Mimosa, uma embarcação com mais de 10 metros de cumprimento. Não sabe ao certo medir ou pesar a quantidade de madeira de pinho que vai utilizar para revistar o barco, mas lembra-se que foram abatidos dez pinheiros, com esse fim..Quando se reformou do mar, Constantino foi desafiado para recuperar as embarcações entretanto adquiridas pela Câmara, ou doadas por famílias nazarenas. E não esconde que é aquele o ofício de que gosta, de que sempre gostou. "Desde garoto que aprendi isto. É uma coisa interessante, porque é preciso puxar um bocadinho pela cabeça. Por isso tenho pena que isto acabe." O desafio maior que o presidente da Câmara lhe lançou anda a matutar-lhe na cabeça: "Era arranjar um puto novo, para aprender este ofício". Porque Walter Chicharro tem em mente dar outro passo, que venha completar este caminho da recuperação do património piscatório: além da exposição, que seja possível apreciar a recuperação e aprender sobre ela.."Muita gente acha que devia pô-los em rotundas. Não. Na praia é que é o lugar deles. Agora estamos a ponderar uma cobertura, que permita a interação. Porque os barcos sofrem com o sol", explica Walter Chicharro..A ideia da recuperação surgiu-lhe em 2015, numa passagem pelos armazéns da Câmara, quando ali viu a barca salva-vidas, tapada, como se fosse um mono. Foi assim que acabou por recuperar as réplicas de sete embarcações, algumas adquiridas pelo município, outras doadas. Walter Chicharro destaca uma que a câmara comprou - "os três irmãos Leais" - o último barco que praticou arte xávega na Nazaré. "O dono (Alexandre Bragaia Mendes) ofereceu-nos as redes, que estão guardadas no armazém Praia do Norte, acondicionadas por ele próprio. Quisemos ficar com as redes porque podíamos eventualmente no futuro tentar replicar a arte xávega". Só que não tem sido fácil. Houve um rancho folclórico que se disponibilizou para o fazer, mas o processo esbarrou na interação com os mestres do barco, que "não era muito fácil"..O presidente fala enquanto Constantino separa tábuas de pinho bravo e manso, que hão de dar nova vida à Mimosa. "Isto é como quem vai ao médico: comecei-lhe a mexer... e só aí percebi o trabalho que iria dar, os estragos provocados pelas infiltrações das águas. Mas queria ver se para o verão já estava pronto para ficar lá em exposição"..A preocupação da autarquia prende-se agora com o tipo de cobertura que há de servir para proteger, ao mesmo tempo que permita a visualização e a interação. "Convinha que não provocasse ruído visual. E é importante que que as pessoas continuem a interagir com os barcos"..Carla Maurício, bióloga, também acompanha o processo de perto. Também ela nascida e criada na Nazaré, sublinha que a arte xávega não se pratica por ali (a sério) há uns 20 anos. Insiste no reconhecimento da importância de todo o património náutico. "O município reconhece essa importância exibindo-o naquilo que era o seu cenário de origem: o areal da praia". E por isso, no futuro a ideia é "torná-lo mais acessível, permitir um melhor estudo, melhor restauro e melhor divulgação deste tipo de património - que está em declínio com todas as políticas que têm vigorado, nomeadamente de abate".."Neste ambiente as embarcações acabam por se degradar com mais celeridade. Porque estão sujeitas ao vento, ao sol. Por isso este projeto é uma aposta de potenciar a identidade nazarena, de forma a torná-lo um destino turístico diferenciado dos demais, permitindo trazer as suas culturas e tradição, e exibir aquilo que fez da Nazaré o que a distingue e a torna tão autêntica", acrescenta Carla Maurício..Entretanto, está na calha um espaço/oficina "que vai promover a arte do saber fazer, o conhecimento sobre esta arte de restauro", adianta a bióloga. E nesse pavilhão será possível fazer todo o restauro, bem como visitas de estudo, "para dar a conhecer a atividade e importância que este património tem ao nível nacional". Só para o restauro das sete embarcações a Câmara destinou cerca de 80 mil euros, mas há todo o resto do projeto, entretanto alvo de uma candidatura no âmbito do programa Galpesca para a região oeste. O orçamento ronda os 275 mil euros, financiados em 85% por fundos comunitários.
É das decisões mais simples que eu tomei e que teve mais impacto na comunidade local". Walter Chicharro, presidente da Câmara da Nazaré, vai explicando ao DN o processo de recuperação das velhas embarcações que agora estão em exposição no areal, enquanto nos encaminhamos para onde a magia acontece: José Constantino, o último calafate em atividade, passa os dias de volta da Mimosa, a barca que - se tudo correr bem - estará de volta ao areal este verão. Ao cabo de uma vida no mar, aos 57 anos o carpinteiro naval regressou à função que o faz feliz: dar nova vida às embarcações..Tinha 14 anos quando foi aprender aquela arte de construir e reparar barcos, no final dos anos 70. Nesse tempo, quem dava as cartas naquele ofício era António Luís Júnior, que ensinou vários rapazes da terra. "Depois da tropa fui para o mar. Ganhava-se melhor...mas quando regressava à Nazaré, para gozar férias, acabava sempre por vir trabalhar nos barcos", conta ao DN José Constantino, enquanto afaga a madeira com que há de calafetar a velha Mimosa, uma embarcação com mais de 10 metros de cumprimento. Não sabe ao certo medir ou pesar a quantidade de madeira de pinho que vai utilizar para revistar o barco, mas lembra-se que foram abatidos dez pinheiros, com esse fim..Quando se reformou do mar, Constantino foi desafiado para recuperar as embarcações entretanto adquiridas pela Câmara, ou doadas por famílias nazarenas. E não esconde que é aquele o ofício de que gosta, de que sempre gostou. "Desde garoto que aprendi isto. É uma coisa interessante, porque é preciso puxar um bocadinho pela cabeça. Por isso tenho pena que isto acabe." O desafio maior que o presidente da Câmara lhe lançou anda a matutar-lhe na cabeça: "Era arranjar um puto novo, para aprender este ofício". Porque Walter Chicharro tem em mente dar outro passo, que venha completar este caminho da recuperação do património piscatório: além da exposição, que seja possível apreciar a recuperação e aprender sobre ela.."Muita gente acha que devia pô-los em rotundas. Não. Na praia é que é o lugar deles. Agora estamos a ponderar uma cobertura, que permita a interação. Porque os barcos sofrem com o sol", explica Walter Chicharro..A ideia da recuperação surgiu-lhe em 2015, numa passagem pelos armazéns da Câmara, quando ali viu a barca salva-vidas, tapada, como se fosse um mono. Foi assim que acabou por recuperar as réplicas de sete embarcações, algumas adquiridas pelo município, outras doadas. Walter Chicharro destaca uma que a câmara comprou - "os três irmãos Leais" - o último barco que praticou arte xávega na Nazaré. "O dono (Alexandre Bragaia Mendes) ofereceu-nos as redes, que estão guardadas no armazém Praia do Norte, acondicionadas por ele próprio. Quisemos ficar com as redes porque podíamos eventualmente no futuro tentar replicar a arte xávega". Só que não tem sido fácil. Houve um rancho folclórico que se disponibilizou para o fazer, mas o processo esbarrou na interação com os mestres do barco, que "não era muito fácil"..O presidente fala enquanto Constantino separa tábuas de pinho bravo e manso, que hão de dar nova vida à Mimosa. "Isto é como quem vai ao médico: comecei-lhe a mexer... e só aí percebi o trabalho que iria dar, os estragos provocados pelas infiltrações das águas. Mas queria ver se para o verão já estava pronto para ficar lá em exposição"..A preocupação da autarquia prende-se agora com o tipo de cobertura que há de servir para proteger, ao mesmo tempo que permita a visualização e a interação. "Convinha que não provocasse ruído visual. E é importante que que as pessoas continuem a interagir com os barcos"..Carla Maurício, bióloga, também acompanha o processo de perto. Também ela nascida e criada na Nazaré, sublinha que a arte xávega não se pratica por ali (a sério) há uns 20 anos. Insiste no reconhecimento da importância de todo o património náutico. "O município reconhece essa importância exibindo-o naquilo que era o seu cenário de origem: o areal da praia". E por isso, no futuro a ideia é "torná-lo mais acessível, permitir um melhor estudo, melhor restauro e melhor divulgação deste tipo de património - que está em declínio com todas as políticas que têm vigorado, nomeadamente de abate".."Neste ambiente as embarcações acabam por se degradar com mais celeridade. Porque estão sujeitas ao vento, ao sol. Por isso este projeto é uma aposta de potenciar a identidade nazarena, de forma a torná-lo um destino turístico diferenciado dos demais, permitindo trazer as suas culturas e tradição, e exibir aquilo que fez da Nazaré o que a distingue e a torna tão autêntica", acrescenta Carla Maurício..Entretanto, está na calha um espaço/oficina "que vai promover a arte do saber fazer, o conhecimento sobre esta arte de restauro", adianta a bióloga. E nesse pavilhão será possível fazer todo o restauro, bem como visitas de estudo, "para dar a conhecer a atividade e importância que este património tem ao nível nacional". Só para o restauro das sete embarcações a Câmara destinou cerca de 80 mil euros, mas há todo o resto do projeto, entretanto alvo de uma candidatura no âmbito do programa Galpesca para a região oeste. O orçamento ronda os 275 mil euros, financiados em 85% por fundos comunitários.