Junta de Freguesia de Marrazes e Barosa procura mulheres para dar nome às ruas

Esta iniciativa inédita é inspirada em estudos do ano passado, segundo os quais apenas 4% das ruas do Porto tinham nomes de mulheres, enquanto em Lisboa eram 9%. Este projeto de toponímia de Marrazes e Barosa, no concelho de Leiria, vai estar concluído no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março.

A Junta de Freguesia de Marrazes e Barosa está a recolher sugestões da população para dar nomes de mulheres às suas ruas. Desde 2020 que aquela freguesia do concelho de Leiria tem vindo a trabalhar as áreas da igualdade de género e da violência doméstica através do projeto "54 minutos". Afinal, segundo um estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, será esse o tempo livre que cada mulher tem para si durante um dia. Após várias iniciativas, três anos depois, a autarquia decidiu dar um novo passo que agora ganha forma.

"Esta ideia da toponímia tem a ver com três projetos que foram lançados no ano passado, curiosamente por três homens - Manuel Banza, em Lisboa, João Narciso e Cláudio Lemos, no Porto", conta ao DN Catarina Dias, cuja formação em sociologia tem permitido concretizar no terreno parte do plano de ação do executivo da junta, onde é secretária.

Os números também a deixaram impressionada. "No Porto são 4% e em Lisboa são 9% de ruas com nomes de mulheres", adianta. No que diz respeito ao território daquela União de Freguesias - uma das maiores do concelho de Leiria, envolvendo a cintura urbana -, entre as 669 ruas, apenas 29 têm nomes de mulheres, o que equivale também a cerca de 4%.

Foi assim que a autarquia decidiu lançar o repto à população, para que sugerisse nomes de mulheres para integrar a toponímia de Marrazes e Barosa. O prazo terminava na última semana de fevereiro, mas acabou por estender-se. Por isso, quem tiver sugestões, "tanto a nível local como a nível nacional", pode continuar a fazê-las chegar ao executivo da junta, através do e-mail catarina.dias@ufmb.pt.

Entretanto, Catarina Dias revela que a iniciativa ganha contornos mais abranges. "Também estamos a estudar quem foram estas mulheres que deram o nome a 29 ruas." Para esse trabalho a Junta de Freguesia conta com o apoio da Câmara de Leiria, que se envolveu igualmente no projeto. "Acho que conseguimos provocar o município. A ideia partiu de nós, mas claro que tínhamos que envolver a comissão de toponímia municipal. E se conseguirmos fazer com que este projeto ganhe escala, será ótimo", adianta a secretária da junta, que muito gostaria de ver a ideia replicada noutras freguesias. "A ideia, na verdade, é colocar o dedo na ferida. E obrigar todos e todas, enquanto cidadãos e cidadãs, a refletir sobre estas questões. É nossa intenção dar prioridade às mulheres em nomes de ruas a atribuir futuramente. Mas são assuntos delicados. Além de acreditarmos que pode e deve haver ações de discriminação positiva, também devemos ter algum bom senso nas decisões que se tomam", sublinha.

Até ao final de fevereiro a junta de Marrazes e Barosa recebeu mais de 20 propostas de nomes de mulheres que poderão figurar nas ruas dos diversos lugares da freguesia. O tempo escolhido para lançar este projeto encaixa nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, a 8 de março. Nesse dia, a junta promove uma tertúlia sobre o tema. "Acredito que foi uma porta que se abriu e por onde as pessoas vão continuar a entrar", afirma Catarina Dias, que espera ver o projeto ter continuidade. A tertúlia de dia 8 realiza-se na Escola Monsenhor José Galamba de Oliveira, dedicada a cursos profissionais de formação social, mas que também está envolvida nesta iniciativa.

Catarina Dias acredita que "é um privilégio ocupar uma função destas no executivo", que é liderado por um homem, Paulo Clemente. Porém, esta foi uma das primeiras juntas de freguesia do concelho de Leiria a ser presidida por uma mulher, Isabel Afonso, que viria a renunciar ao mandato antes das últimas eleições.

Uma questão de género

Para Cláudio Lemos e João Bernardo Narciso, criadores do projeto Ruas de Género, esta iniciativa representa parte da recompensa que procuram desde que o lançaram, no final do ano passado: "Era mesmo isto que nós queríamos. Ter um impacto real na sociedade, e não ser apenas um artigo que está online, por mais importante que isso seja", confessa Cláudio Lemos ao DN. Quando Catarina Dias os contactou, foi uma felicidade. "Fiquei mesmo de coração cheio. Porque em dois ou três meses houve resultado do nosso trabalho", acrescentou.

O projeto destes dois engenheiros (de informática e de dados) surgiu, no entanto, há mais tempo. Há dois anos, a peça de teatro "Todos os dias me sujo de coisas eternas", de Sara Barros Leitão, teve o condão de fazer os dois homens lançarem-se neste desafio. "A peça remete-nos também para essa falha nas toponímias do país." Foi assim que Cláudio Lemos e João Bernardo decidiram avançar para um mapeamento das ruas da cidade do Porto, quantificando quais tinham nome de mulheres. O resultado - disponível para consulta em ruasdogenero.pt -, é chocante: apenas 4% das ruas da cidade evocam mulheres. Os autores escolheram as cores verde e roxo para assinalar as que têm nomes de homens e de mulheres, respetivamente. E o roxo é ínfimo...

dnot@dn.pt

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