Caramulo. Como a antiga vila está a renascer para o turismo depois de anos de abandono
No espaço de um ano inauguraram dois hotéis: o primeiro do país dedicado ao mel e a antiga estalagem de São Jerónimo. Ao Museu do Caramulo (conhecido sobretudo pelo espólio de arte e automóveis) vão juntar-se mais dois: o da estância sanatorial - que tratou a tuberculose em Portugal até à descoberta do fármaco que permitiu a cura - e o museu do brinquedo.
O Caramulo foi uma "mini cidade", projetada e planeada com pés e cabeça. Destacou-se muito no plano científico e de infraestruturas criadas de raiz para a Estância Sanatorial, onde nada foi deixado ao acaso, desde as espécies que foram plantadas, a estação de tratamento de lixos, esgotos, saneamento básico, as brochuras publicitárias, vias de comunicação, produção e independência energética como a barragem, quintas para produção de alimentos".
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João Maria Lacerda traça assim um retrato da vila onde nasceu, cresceu, e ainda vive, numa altura em que está entusiasmado com o novo fôlego que (finalmente) a vila parece ganhar. "Não deixa de ser curioso que hoje é tudo feito precisamente ao contrário, sem planeamento e sustentabilidade económica", desabafa este membro da Fundação Abel e João de Lacerda, sobrinho-neto de ambos (já falecidos), apaixonados por arte e automóveis, e que deixaram ao Caramulo e ao país uma das maiores coleções/exposições permanentes visitáveis. A família instalou-se ali na serra nos anos 1920, através de Jerónimo Lacerda, um jovem médico acabado de regressar da primeira grande guerra. "Tendo passado a sua juventude em Tondela, conhecia bem a serra do Caramulo (...) porque acompanhava algumas vezes o pai nas suas visitas como subdelegado de saúde", escreve no livro Caramulo - ascensão e queda de uma estância de tuberculosos, da autoria do médico António José de Barros Veloso.
Depois do encerramento da estância sanatorial (que incluía um total de 19 sanatórios), nos anos 70, o Caramulo entrou numa fase de declínio e decadência progressiva. Alguns dos edifícios acabaram por ser convertidos em lares de idosos, mas outros mantêm-se ainda ao abandono. É dessa fraqueza que o município de Tondela quer agora fazer força, através da criação do museu da estância sanatorial, já em construção. Entretanto, está em marcha uma candidatura para mais um museu, o do brinquedo, a instalar no antigo sanatório infantil, um edifício da autoria de Pardal Monteiro. "Temos um espólio imenso, que há anos anseia por um espaço", conta ao DN João Lacerda, um dos entusiastas do projeto.
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Contar com a gente da terra
Ricardo Loureiro é presidente da junta de freguesia de Guardão (que integra o Caramulo). Segundo os últimos censos, moravam por ali um total de 2763 pessoas, mas na vila histórica não devem ultrapassar o meio milhar. Ricardo foi eleito há pouco mais de um ano, nas autárquicas de 2021, encabeçando uma candidatura independente, e desde então dedica-se a meio tempo à causa pública. Nascido e criado no Caramulo, acredita que os ventos mudaram, naquela serra. "Há algum tempo atrás, e talvez de forma errada, utilizaram-se algumas estratégias com alguns projetos megalómanos que acabaram por não dar em nada. Se calhar porque eram um pouco desajustados daquilo que era a nossa realidade. E o que temos agora é outra coisa: investimento feito por gente de cá, a condizer com a procura de um tipo de cliente muito assertivo, que quando vem já traz um conhecimento exato daquilo que procura, que é algo muito mais pessoal e de proximidade. E isso vai ao encontro do tipo de investimento que está a ser feito".
Um desses exemplos é o Bee Caramulo, o primeiro hotel em Portugal exclusivamente dedicado ao mel. A família Ferreira já há muitos anos que se dedicava à apicultura, primeiro através de Henrique, o filho mais velho do patriarca José, depois com a ajuda do mais novo, Isidro. Mas foi o regresso à terra de Catarina, a irmã do meio, que despoletou a mudança. Aconteceu depois dos incêndios de 2017, que também deixaram um rasto de destruição por ali. Mas na verdade a história da empresa fora marcada por outro incêndio, o de 2013.
"Poucos meses após a sua constituição, no verão de 2013, ocorreu um dos maiores incêndios de que há memória, e a empresa perdeu boa parte do seu efetivo apícola", conta ao DN Catarina Ferreira, uma engenheira agrícola que trocou as explorações de fruta no oeste pelo apiturismo. Juntou-se à família, recuperou uma velha casa, e criou o primeiro hotel dedicado ao mel em Portugal. "O que aqui fazemos não é apenas vender noites aos turistas. Queremos que tenham uma experiência com a nossa serra, com a nossa terra", sublinha. É por isso que possibilitam uma visita às colmeias, e toda a a experiência na produção de mel.
Será por isso que Ricardo Loureiro considera que "a melhor característica da nossa zona são as próprias pessoas", que o investimento local está a revelar-se tão importante. "Porque se eu tiver um hotel com 100 quartos não é a mesma coisa que se tiver um turismo rural com 12. E neste momento o que está a acontecer no Caramulo é isso: em vez de termos um muito forte temos vários, cada um com as suas potencialidades. Para que se consiga dar esse cunho muito particular", sublinha o presidente da junta, certo de que, ali, o que não faltam são argumentos para chamar turistas. "O Caramulo por si só tem uma história que dava para fazer um filme (literalmente), em termos do que foi a cura da tuberculose, no passado, mas há uma perspetiva em termos de futuro, também, que nos anima".
Além do núcleo museológico em marcha, "que nos vai tornar muito apelativos, temos aldeias com carateristicas muito interessantes, ligadas à rede Aldeias de Portugal", adianta. É o caso de Jueus, a poucos quilómetros do Caramulo, uma aldeia onde restam apenas cerca de 30 habitantes, mas onde "30% são crianças", sublinha Ricardo Loureiro. "Em alguns aspetos parece que está parada no tempo. Trabalha-se da mesma forma como se trabalhava na década de 30 e de 40, e isso não é necessariamente mau. É uma opção de vida daquela gente". Há outro pormenor curioso: ali mora uma das famílias mais empreendedoras do Caramulo. É a família Longra, que no final do verão inaugurou o hotel Inn Caramulo, antiga Estalagem de São Jerónimo.
dnot@dn.pt
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