Antigo Convento das Mónicas, na Graça, vai ser transformado em hotel
O antigo Convento das Mónicas, no bairro da Graça, que durante décadas foi uma prisão feminina, vai ser transformado num hotel de cinco estrelas. As obras no edifício, que foram viabilizadas em 2013 pelo então vereador do urbanismo, Manuel Salgado, e depois objeto de uma proposta de alteração que mudou o uso habitacional para hoteleiro, já se iniciaram. Mas não sem contestação: o movimento Cidadania LX apresentou uma queixa ao Ministério Público, alegando a violação do Plano Diretor Municipal (PDM) da cidade.
O projeto para o antigo convento, da autoria do arquiteto Samuel Torres de Carvalho, prevê a transformação do edifício num hotel de cinco estrelas, com 128 quartos, com capacidade para receber 256 pessoas. A obra implica a recuperação e remodelação do corpo do antigo convento, claustros e igreja, e a construção de um edifício novo, de traça contemporânea, que terá dez pisos - cinco acima do solo, dois "semienterrados" face ao declive do terreno e três subterrâneos, destinados a estacionamento (no total terá 123 lugares de estacionamento, 97 públicos). O topo do edifício, que será construído na área de logradouro do antigo convento, terá um terraço com "vista de 360 graus" sobre a cidade, segundo se lê no projeto, a que o DN teve acesso. De acordo com o documento o acesso principal ao hotel será feito através do que é atualmente o corpo da igreja (que está desativada), onde ficará localizada a receção da unidade hoteleira.
O convento fica situado na Travessa das Mónicas, no mesmo quarteirão onde se inserem dois outros edifícios emblemáticos do bairro da Graça, na freguesia lisboeta de São Vicente - a Vila Sousa e a sede da Voz do Operário. E esta é uma das questões levantadas pelo movimento Cidadania LX, dado que o edifício que agora vai ser convertido em unidade hoteleira se situa na zona especial de proteção da Voz do Operário, edifício de interesse municipal.
O movimento avançou com uma queixa junto do Ministério Público alegando que a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) "não se pronunciou sobre o impacto que a nova construção" terá sobre aquele edifício. E a mesma queixa é feita quanto ao "óbvio impacte visual que esse novo corpo terá nas vistas desde o Mosteiro de São Vicente de Fora", monumento nacional que fica próximo ao antigo Convento das Mónicas. O movimento sustenta ainda que o pedido de informação prévia aprovado em 2013 - que propunha a recuperação do convento para uso habitacional e serviços - caducou entretanto, e não poderia ter dado lugar ao licenciamento de 2018 e ao "projeto de alterações durante a obra" que pediu a conversão do projeto para unidade hoteleira.
Ao DN, Paulo Ferrero, membro do Cidadania LX, argumenta também que o projeto viola o PDM ao prever a construção de um novo edifício no lugar de anexos ilegais que foram sendo construídos no logradouro, e que deveriam ser retirados e não servir de pretexto para novas construções. Outra crítica prende-se com o facto de este processo não ter sido submetido a aprovação do executivo municipal nem sujeito a discussão pública.
Este não é o único hotel previsto para aquele local. A poucos metros do Convento das Mónicas situa-se o antigo Quartel da Graça, para onde está projetado outra unidade hoteleira de cinco estrelas com 120 quartos. O imóvel, este classificado como monumento nacional (pertencia ao Convento da Graça até ser ocupado pelo exército após a extinção das ordens religiosas) foi concessionado pelo Estado, por um período de 50 anos, ao grupo Sana. Dois hotéis que surgem numa área que está qualificada como zona de contenção relativa de alojamento local - ou seja, sujeita a limitações quanto ao licenciamento de novas unidades de alojamento de curta duração, dada a pressão turística na zona.
O DN tentou obter esclarecimentos junto da Câmara de Lisboa, sem sucesso.
A primeira pedra do Convento de Santa Mónica foi colocada em 1586, sendo o edifício destinado às religiosas eremitas descalças de Santo Agostinho. Terá sofrido graves danos no terramoto de 1755, mas foi reconstruído. Apesar da extinção das ordens religiosas em 1834, manteve a sua função conventual até à morte da última religiosa, em 1870, passando então para o domínio do Estado. Um ano depois foi instalada naquele espaço a Casa de Correção dos Rapazes (para reclusos menores) que, 30 anos depois, deu lugar a uma casa de correção para raparigas. Em 1917 o convento passou a ser uma cadeia para mulheres e assim se manteve durante muitas décadas. A prisão foi totalmente desativada em 1989. Entre 2006 e 2008 o antigo Convento das Mónicas serviu de palco aos Artistas Unidos.