Avelino Rego: da engenharia informática à vaca maronesa

Num país em que 41% da população se fixa em Lisboa e Porto, fomos atrás de 30 pessoas que deixaram<br/> a cidade para trás. Na primeira pessoa, contam experiências, sonhos, ambições - mas também as dificuldades que encontraram neste rumo. São histórias de gente, do território, da coesão e da desertificação. Como a que levou Avelino Rego a Lamas.
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O caminho faz-se pela estrada que serpenteia nos campos de cultivo. E apesar do calor percebe-se que à medida que subimos à aldeia de Lamas a temperatura vai caindo. A paisagem do Parque Natural da Serra do Alvão vai sendo pontuada por vacas que vagueiam com a calma própria dos grandes animais em liberdade. O encontro faz-se na aldeia, 950 metros acima do nível do mar, no local a que os animais irão regressar sozinhos ao fim do dia.

Sem estrada que mereça esse nome, daqui em diante o percurso faz-se num velho Corsa transformado em jipe que desbrava caminhos próprios para gado, que galga obstáculos com facilidade espantosa e nos ajuda a chegar perto das vacas que pastam - e de Avelino Rego, que mal abre o portão tosco de troncos retorcidos reforçado por pedras vê os animais inverter a marcha na sua direção.

Filho da terra, é criador de vaca maronesa e vai dando a atenção pedida aos animais, que vão sossegando ao som da sua voz serena e gestos tranquilos. Sentamo-nos à conversa. Não é difícil perceber que é jovem, especialmente quando comparado com os colegas de profissão com quem nos fomos cruzando até chegar a Avelino.

"Os meus pais sempre me educaram para sair daqui, nunca tinha ponderado esta opção." É engenheiro informático e até era bem-sucedido no trabalho e na vida que levava no Porto, onde estudou e depois começou o percurso profissional. Mas em 2011 decidiu não engordar as estatísticas que davam conta de um aumento dramático na emigração - o Instituto Nacional de Estatística anunciava uma subida de 85% nas saídas no ano anterior, com especial incidência na faixa etária dos 25 aos 29 anos, a de Avelino. Se tivesse saído, o seu percurso seria em tudo similar ao de muitos outros, educados para fugir ao mundo rural. Uma conversa com um tio, emigrante, em vésperas de assumir o compromisso lá fora, mudou tudo.

O tio trabalhava há muito longe da terra onde nascera e falou-lhe da dureza da vida de emigrante, levando Avelino a refletir sobre o seu futuro, a partir dos desabafos e queixumes que ouvia. "Nem sonhava ele quanto eu estava a absorver... Percebi que tinha de deixar de reclamar e fazer alguma coisa." Decidiu voltar à aldeia dos pais e atirar-se à terra, para incredulidade da comunidade que o tinha visto nascer, estudar e partir para a grande cidade.

O seu trabalho com a maronesa, a tradicional raça de gado da região, dá-lhe hoje uma visão mais abrangente do que a de uma fonte de rendimento da carne de excelência ou do tradicional trabalho de tração destes animais. A palavra "plenitude" vem-lhe à cabeça quando começa a discorrer sobre um ecossistema que depende dos animais não só como fonte de rendimento mas também no papel que desempenham no controlo do material combustível. Com ajuda das vacas, a região mantém-se a salvo de fogos.

Quanto ao engenheiro informático, está grato por pertencer a "uma comunidade que se preocupa" e especialmente ao sentimento de harmonia entre homens, animais e ambiente. "Este é o projeto de uma vida e não sei se uma vida é suficiente." Talvez por isso, vai em breve criar uma nova vida na aldeia de Lamas.

Lamas

Aldeia no concelho de Ribeira de Pena, freguesia de Alvadia, aqui predomina a população idosa, que se dedica à agricultura e à criação de gado. Sem crianças, não há escolas em toda a freguesia, onde moram pouco mais de cem pessoas.

reinaldo.t.rodrigues@globalimagens.pt

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