"A Comenda é do povo!", gritaram quando câmara retirou cerca do parque das merendas
Seven Proprieties comprou a Herdade da Comenda, na Serra da Arrábida, em 2019 e em 2021 vedou o espaço, interditando-o à população. Área de piquenique tinha sido renovada pela câmara de Setúbal, que considerou a cerca ilegal. O processo culminou na sua remoção.
A vedação do Parque das Merendas da Comenda, no Parque Natural da Arrábida, é tema de conversa da população de Setúbal há um ano e quatro meses. Desde que os atuais donos, a Seven Proprieties, o fecharam ao público, o que a autarquia considera "ilegal". A autarquia avisou que retiraria as estacas e arames e, ontem, muitas pessoas já lá estavam quando a GNR chegou para garantir a segurança dos trabalhos. Eram 8.30. Bateram palmas e gritaram: "A Comenda é do povo!".
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Joaquim Coelho, 63 anos, mora no bairro do Viso, à saída da cidade de Setúbal e mesmo ao lado da Herdade da Comenda, comprada por 16 milhões de euros em dezembro de 2019. Em setembro de 2021, os donos cercaram tudo à volta, incluindo o acesso às praias e o uso do Parque das Merendas, onde a Câmara Municipal de Setúbal (CMS) gastou 130 mil euros em obras e equipamento: mesas e assadores.

© Paulo Spranger/Global Imagens
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"Criei dois filhos a passear ao fim de semana na Serra da Arrábida e, agora, os caminhos estão fechados. As pessoas do Viso iam por terra para a praia de Albarquel, cerca de 1 km. Parecia uma excursão, todos com o seu farnel, era uma alegria", recorda Joaquim à conversa com Francisco Chaveiro, 79 anos. "Trabalhei quase 50 anos nos transportes em Setúbal, conheço bem esta região, também vinha com a família. Fez-se justiça, mas isto só o início do processo", diz.

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Os dois homens fizeram questão de ver os pins a serem cortados, os barrotes retirados, o portão principal aberto e as escavadoras a entrar no terreno, 600 hectares no total, banhados pelo rio Sado, e afluentes, e pelo Atlântico. Quem passava, parou para festejar, como João Bragança, 54 anos, emigrante nos EUA entre os 11 e 46 anos de idade. Sempre fez BTT na Serra da Arrábida, nos últimos tempos mais limitado. "Corri, andei de bicicleta pela serra, de dia e de noite. Fazíamos provas, agora estamos impedidos de andar nos trilhos. Estou muito feliz com o que estou a ver, espero que também retirem as vedações que estão na parte de cima", defende.

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Essas vedações estão na mira da autarquia, algumas das quais vedam etapas dos Caminhos de Santiago. Ontem, tratou-se de cumprir uma promessa do presidente, André Martins, candidato da CDU. Cumpriu-se um ano e quatro meses após ser proibida a entrada no Parque das Merendas da Comenda.
"A CMS cumpre as leis do município. Levantamos os autos, fizemos todos os processos a que a lei obriga. Passado o tempo necessário, notificamos as pessoas para tirarem a vedação. Não o fizeram e a câmara está a remover as vedações que são ilegais. Não queremos que a ilegalidade se mantenha e, por outro lado, impedem a população de usufruir de um espaço considerado público. A partir de hoje, podem usufruir do espaço", justificou.

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Durante a manhã, Gonçalo d"Avila e Castro, um dos advogados que representa a Seven Proprieties, um fundo imobiliário, acompanhou os trabalhos com outros dois elementos. Não se quiseram identificar, remeteram esclarecimentos para a sede da empresa, em Lisboa. O DN assim fez, mas não obteve resposta. A empresa é presidida por Fernando Neves Gomes, advogado de Paulo Mirpuri, presidente da Mirpuri Foundation.

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Carlos Rabaçal, vereador com o pelouro das obras, acompanhou os 60 funcionários destacados para a remoção das vedações e isolamento das áreas com interesse arqueológico. Além de uma arquiteta da autarquia e outra da parte do proprietário. Este justificou a interdição do parque com a prospeção arqueológica dos terrenos, autorizada pela Direção-Geral do património, para ali criarem o Arqueosítio da Comenda, centro interpretativo.

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Fizeram escavações e, do lado direito da ribeira da Comenda, de costas para a serra, há sete sítios onde encontraram material de interesse e os mesmos serão isolados. "Precisamos de confirmar o valor dos achados, ainda não entregaram o relatório. Mas é evidente que tudo o que aparecer no nosso território de valor cultural é algo que nos alegra e será protegido. O que aqui assistimos foi à prepotência de alguém que impediu os setubalenses de acederem ao parque que utilizavam desde os tempos de D. Maria I", refere o vereador.

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Os trabalhos de remoção continuam esta terça-feira, desta vez, acompanhados pela Polícia Marítima, além da GNR. Segue-se a recolocação do equipamento urbano retirado. O material recolhido na remoção ficará num armazém durante 90 dias úteis.
Fernanda Rodrigues, presidente da Associação dos Cidadãos pela Arrábida e Estuário do Sado, circulou feliz pela zona com uma bandeira de Portugal. Foram um dos organizadores de uma manifestação de protesto em outubro de 2021 "Era uma ocupação ilegítima de um espaço que pertencia à população, que o utilizou desde sempre. É um espaço centenário. Não tinham autorização da autarquia", explica. Fizeram queixas que se encontram no Supremo Tribunal de Justiça.
ceuneves@dn.pt