Na Rua de São João, a mais recente intervenção da autarquia no sentido da pedonalização de algumas das artérias da cidade, o resultado das obras ainda não é visível, com carros por todo o lado. Mas só porque a rua atualmente não tem saída, devido ao estaleiro das obras do Metro do Porto na Rua Mouzinho da Silveira. Quando estas terminarem, serão colocados bancos e vasos com árvores na Rua de São João, “impedindo a apropriação do espaço público pelo automóvel”. Apenas serão permitidas cargas e descargas nos lugares sinalizados, garante a autarquia. Os moradores e pequeno comércio da zona temem não ter onde estacionar os carros..Há 33 anos na zona, com a padaria Ribermel, António Jorge chega às 3.00 horas da manhã todos os dias para cozer o pão, que ao longo do dia atrai muitos dos moradores vizinhos. E não só. O seu medo é que, quando a rua passar a integrar a Rede 20, com limitações no acesso automóvel, não tenha onde deixar o seu carro. “À hora que venho, não tenho alternativa. E as multas ficam caras”, diz..Andreia Azevedo, da Garrafeira Soares, também se mostra preocupada com as cargas e descargas, já que parte importante dos seus clientes são restaurantes e hotéis que precisam de carregar à porta. Mas também reconhece que uma rua pedonal tem sempre vantagens, na medida em que atrai “maior fluxo de pessoas”..A Rua de São João, que liga a Mouzinho da Silveira à Rua do Infante D. Henrique, é um dos 236 arruamentos, localizados na área central da cidade, e nos quais a velocidade máxima permitida será de 20km/hora, “com prioridade para o peão e modos suaves”, num conceito de “partilha do espaço público”..É a chamada Rede 20. Passeio das Virtudes, São Bento da Vitória e São Miguel é a próxima zona a ser intervencionada (com arranque previsto para janeiro de 2025), seguindo-se , na zona da Batalha, a Rua e Travessa de Cimo de Vila e a Travessa do Cativo (fevereiro de 2025). Para o segundo trimestre do ano estão previstas as obras nas ruas de Cândido dos Reis, Santa Teresa e da Fábrica..Quando concluídos, os 236 arruamentos da Rede 20 terão uma extensão de 30km. A que se juntam mais 15km do programa Rua Direita, que envolve 90 arruamentos, em toda a cidade, que estão a ser alvo de requalificação, num investimento global superior a 35 milhões de euros..É o que Pedro Baganha, vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, designa por “pequenas ruas e travessas de um certo Porto ‘esquecido’”, que estão a ser intervencionadas em termos urbanísticos, mas também de infraestruturas de água, eletricidade e de dados. Também nestas serão promovidos os “modos suaves, e em especial a mobilidade pedonal”, através da criação “de zonas de partilha e de coexistência devidamente identificadas”..Pedro Baganha:“Sem a pedonalização, o centro histórico ficará incomportável”.Vereador do Urbanismo da Câmara do Porto acredita que os investimentos na expansão do Metro têm de servir para ajudar a tirar os carros da baixa da cidade.Os comerciantes nem sempre recebem bem o fecho das ruas aos carros. O que fazer? A primeira reação é essa, porque ninguém gosta de ter obras à porta, mas depois percebem que o comércio floresce. Veja-se o caso da Rua das Flores ou das Carmelitas. A pedonalização dos arruamentos favorece o comércio. Dentro de um carro ninguém compra nada. E com o enorme investimento que estamos a fazer no reforço do transporte coletivo, com a construção de duas novas linhas de metro, há que aproveitar para progressivamente ir humanizando o espaço público, promovendo a mobilidade suave e, em especial, a pedonal..Nem só em ruas de comércio? Não. Estamos a fazê-lo também em arruamentos de proximidade, habitacionais, e a redução da pressão automóvel aumenta a qualidade do espaço público e até a qualidade ambiental desses territórios. Aliás, não estamos a inventar nada, basta ir por essa Europa fora e o fenómeno é esse. A primeira reação é sempre negativa, depois já nem se lembram que a rua tinha trânsito automóvel. Na década de 80, quando se fechou Santa Catarina ao trânsito, toda a gente dizia que o comércio ia morrer. Está à vista que não..E os cidadãos? O portuense gosta de ruas sem carros? Há uma questão que tem de ser sempre salvaguardada, é que os moradores têm direito a chegar a casa. E isso está sempre garantido. Tal como são garantidas as cargas e descargas, que são críticas para o comércio, em horários específicos. Isso faz parte de todos os projetos que fazemos: percebemos que não podemos matar as atividades. Mas é inquestionável que o centro do Porto está debaixo de uma pressão automóvel tal que não há outro caminho que não seja este, o da progressiva redução do trânsito automóvel com o aumento da densidade, fiabilidade e qualidade do transporte coletivo. Não há outra solução, ou o centro histórico acabará por ficar incomportável..E o fecho das ruas ao trânsito automóvel ao domingo, como correu? O programa A Rua é Nossa foi uma experiência no pós-pandemia, mas a única zona onde funcionou de forma brilhante foi na Avenida Rodrigues de Freitas. A pedido dos moradores da zona, que organizam atividades várias na rua aos domingos, como aulas de aeróbica, yoga ou atividades para os miúdos, continuamos a fazer esse programa nos meses a seguir às férias.