Moradores da Graça querem uso comunitário de quartel em vez de construção de hotel de cinco estrelas
Moradores do bairro da Graça, em Lisboa, estiveram este sábado reunidos num protesto simbólico junto ao antigo quartel para protestar contra a construção de um hotel por parte do Grupo SANA Hotels no recinto do mesmo.
"Foi um protesto que juntou 30 pessoas junto ao quartel. Foi um protesto performativo, em que fizemos uma paródia de uma inauguração, que seria do centro comunitário da Graça", contou ao DN um dos elementos da Assembleia da Graça “Para o Hotel”, Marco Seabra.
Esta é uma iniciativa constituída maioritariamente por moradores e vizinhos do bairro e também por estudantes e pessoas que ali trabalham.
O objetivo comum destes cidadãos passa por “reivindicar o espaço para uso, gestão e fruição comunitária”.
Segundo um documento a que o DN teve acesso, a Assembleia de moradores pretende “a revogação da concessão do Quartel da Graça, que é legalmente possível”; “a conversão do edifício do Quartel em Bem Comum gerido pela comunidade”; “a distribuição do lucro proveniente da cobrança de taxas turísticas para investimento real e concreto em projetos que realmente sirvam o propósito de revitalizar a cidade e compensem os danos já causados pelo modelo económico baseado exclusivamente no turismo”; “destinar toda a área do quartel a usos mistos, ao serviço das necessidades reais da população do bairro e da cidade (finais habitacionais, educativos, culturais, artísticos, serviços de assistência e infraestruturas ligadas ao bem estar das pessoas e à qualidade de vida urbana)”; “a construção prática de outras formas de participação política na cidade que queremos e podemos ter no futuro”; e “a criação de uma convocatória de ideias para alargar a participação e o debate”.
A Assembleia da Graça "Parar o Hotel" reúne-se pela quinta vez este sábado à tarde no Grupo dos 9, no Beco dos Agulheiros. As duas reuniões anteriores contaram com a presença de 70 pessoas, que aprovaram o manifesto da iniciativa.
Este grupo de cidadãos ainda não contactou qualquer entidade governativa, mas acredita ter "base legal" e quer ter "força popular" para impedir a construção, que ainda não começou.
"A Câmara Municipal de Lisboa só deu licenciamento ao quartel. O Turismo de Portugal fez a concessão ao grupo SANA Hotels. O Turismo de Portugal pode reverter a concessão, até porque as obras teriam de terminar até dezembro de 2023 e ainda não começaram. Não vemos nada a acontecer", explica Marco Seabra.
Segundo Marco Seabra, a Assembleia da Graça pretende que seja construído um "quartel sonhado com várias propostas, que servisse um propósito comunitário e não fosse mais um empreendimento turístico". "Pode ter várias coisas: centro cultural, centro intergeracional, habitação corporativa, ginásio popular... a ideia é que não se torne num hotel de cinco estrelas. Há imenso espaço, pode ser várias coisas ao mesmo tempo", concluiu.
Também o coletivo Stop Despejos está a lutar contra a construção de um hotel de luxo no Quartel da Graça, defendendo que o edifício deve ser destinado à comunidade.
"Um outro quartel é possível!", reivindica o coletivo Stop Despejos, que luta pelo fim dos despejos e pela defesa do direito à habitação e à cidade.
O coletivo já promoveu diversas ações no Largo da Graça contestando a decisão de construção do hotel, defendendo, igualmente, a revogação da concessão atribuída em dezembro de 2019 ao grupo Sana, por considerar que é "um negócio prejudicial" para o bairro da Graça e para a freguesia lisboeta de São Vicente, até por promover a "especulação imobiliária".
Classificado como Monumento Nacional desde 1910, o Quartel da Graça constava da lista de imóveis históricos a reabilitar no âmbito do programa Revive, que foi apresentada em julho de 2019 pelo então Governo do PS.
Três meses depois, em outubro, o executivo anunciou que a concessão do Quartel da Graça seria entregue ao grupo Sana, por um período de 50 anos, para a instalação de um hotel de cinco estrelas, correspondendo a uma renda anual de 1,79 milhões de euros.
O investimento estimado para a instalação do hotel, com 120 quartos, foi de 30 milhões de euros, com a abertura prevista para o final de 2022, prazo que não foi cumprido.
Lançado em 2016, o Revive é um programa conjunto dos Ministérios da Economia, Cultura e Finanças, que visa promover a recuperação e a requalificação de imóveis públicos classificados que estão sem uso, através da concessão a privados para exploração para fins turísticos.