O restaurante de Telheiras sem café nem caixote do lixo

O restaurante Kitchen Dates, em Telheiras, continua a apostar na sustentabilidade e na economia circular. Por isso não tem caixote de lixo nem serve café. Por enquanto, <em>take away</em> e entregas ao domicílio passou a ser o novo normal em plena pandemia da covid-19.
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Tal como muitos outros em Lisboa o restaurante Kitchen Dates fechou portas devido à pandemia da covid-19. Maria Antunes e Rui Catalão, os proprietários, não tiveram outra solução assim que foi decretado o estado de emergência. Depois de duas semanas a repensar qual a estratégia a seguir, decidiram criar vouchers para serem utilizados quando o restaurante reabrir. Mas não foi o suficiente. Por isso, começaram a fazer entregas ao domicílio e passaram a servir em take away. Rui a distribuir as refeições pela cidade e Maria ficou no restaurante.

O restaurante tem uma filosofia própria, onde se destaca o fato de não usar caixote de lixo. Segundo o casal, tudo o que entre no Kitchen Dates "ou é consumido, reaproveitado ou transformado". Para tal um compostor elétrico é "peça fundamental": transforma a matéria orgânica que sobra do restaurante e transforma-a num composto que é entregue a produtores, numa lógica de economia circular. Também não há embalagens descartáveis, nem produtos de origem animal, os ingredientes são locais e biológicos e as ementas são sazonais.

Nenhum teve formação profissional em cozinha. Maria trabalhava numa companhia aérea e Rui numa agência de gestão de desportistas, nos Países Baixos, onde emigraram entre 2013 e 2014. Foram à procura de uma melhor qualidade de vida, dizem.

A história do restaurante começa lá. E com pão. No dia em que perceberam que o pão tinha sempre mais de 10 ingredientes, entre eles o açúcar, começaram a questionar-se sobre toda a indústria alimentar. Quanto mais informação indagavam, mais vontade tinham de parar de comer a maioria dos processados à venda nos supermercados. A sua alimentação mudou e a curiosidade dos amigos cresceu, e daí nasceram os Kitchen Dates, uma página na rede social Instagram se podia acompanhar as suas novas aventuras culinárias do casal.

A partir das redes sociais os Kitchen Dates ganharam vida e saltaram para a mesa da sua própria sala, ainda em Amesterdão, onde começaram a preparar refeições ligeiras para amigos. Em 2017 regressam a Portugal, com vontade de encontrar mais sol e uma economia recuperada e trouxeram a ideia. "Tínhamos de trazer a experiência Kitchen Dates connosco. Fizemos o primeiro brunch para 10 pessoas em nossa casa, em Campo de Ourique. Correu tão bem que quando anunciámos a data para o segundo brunch esgotou em minutos. Foi sempre assim. Cada evento esgotava em dois, três minutos", explicam.

Semi-curado de amêndoa, tiramisu de alfarroba, tarte de batata doce roxa, são alguns dos pratos que se tornaram imagens de marca. A casa de Campo de Ourique fez-se pequena demais para todos os que queriam experimentar os brunches Kitchen Dates, e daí até ao espaço em Telheiras foi pouco tempo. Após alguns meses de trabalho e remodelação, abriram-no em outubro de 2019, com todos os detalhes pensados, dizem. "Desde a mesa feita com retalhos de desperdício de mesas de outros restaurantes de Lisboa, às cadeiras compradas em segunda mão." O cabo das facas é feito com madeira de oliveira que um cozinheiro do Porto encontrou à beira da estrada, até a casa de banho tem uma peça que aproveita a água de lavagem das mãos para a descarga do autoclismo.

Restaurante sem café

"O que mais nos caracteriza é usarmos exclusivamente ingredientes locais, e de produtores conscientes. Andámos meses por Portugal inteiro à procura dos melhores ingredientes", conta Maria. Todos os produtos frescos vêm de um raio de 50 quilómetros do restaurante. Com exceção da amêndoa que vem de Vila Nova de Foz Côa.

"E não temos café. O que gera alguma estranheza. Aos almoços ou lanches, as pessoas percebem que não podem beber café no nosso restaurante. Simplesmente não vendemos porque não existe café produzido em Portugal." E não é só o café: o caju, o coco, o cacau, algumas especiarias, nenhum destes alimentos entra no Kitchen Dates. "O objetivo é diminuir a própria pegada de carbono, ou seja, a emissão de gases poluentes para a atmosfera por que é responsável cada um de nós, pela forma como nos deslocamos ou pelos alimentos que compramos", explicam.

Já a pensar no futuro, estão a iniciar um projeto com a Junta de Freguesia de Carnide. A ideia é que o composto produzido no restaurante seja utilizado nas escolas da área de forma a sensibilizar os alunos para o quão rico é o composto produzido de forma elétrica. Nos planos está ainda a criação de uma horta comunitária, em parceria com a CML, para produzir parte dos alimentos que servem, "esse seria o maior projeto do ano".

Quanto ao futuro, as previsões do casal é que o restaurante só retome a abertura "normal" em Setembro, "se tudo correr bem". Até lá tencionam continuar as entregas por Lisboa, e dedicar todos os seus dias à cozinha.

Nas palavras de Maria, só lhes sobra tempo para dormir, mas não perdem a sua maior motivação: inspirar e incentivar as pessoas que os seguem. É um regresso lento à normalidade, difícil, mas não impossível.

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