Agricultores espanhóis bloqueiam a A4 em Toledo. Protesto repetiu-se em dezenas de outras autoestradas.
Agricultores espanhóis bloqueiam a A4 em Toledo. Protesto repetiu-se em dezenas de outras autoestradas.EPA/ISMAEL HERRERO

Von der Leyen cede aos agricultores e retira proposta “polarizadora”

Diretiva previa uma redução de 50% do uso de pesticidas até 2030, mas já tinha sido chumbada no Parlamento Europeu. Apesar disso, os protestos continuam.
Publicado a
Atualizado a

Se há cinco anos eram os jovens e a luta contra as alterações climáticas que enchiam as ruas das cidades europeias, tornando os Verdes no quarto maior partido no Parlamento Europeu, agora são os agricultores que surgem mobilizados contra as políticas ecológicas europeias e a extrema-direita quem está a tentar aproveitar-se desse descontentamento. Um cenário que Bruxelas não pode ignorar. Esta terça-feira, em mais uma cedência aos agricultores, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, rasgou uma das medidas mais polémicas do seu Pacto Ecológico: a diretiva que previa um corte de 50% no uso de pesticidas até 2030.

Von der Leyen lembrou no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a Comissão tinha proposto a diretiva sobre Uso Sustentável de Pesticidas, com o “objetivo digno de reduzir os riscos dos produtos químicos fitofarmacêuticos”. Contudo, “a proposta tornou-se um símbolo de polarização”, defendeu, recordando que foi rejeitada no Parlamento Europeu. 

A diretiva em causa era um dos pontos do chamado Green Deal (o Pacto Ecológico Europeu), uma das apostas de Von der Leyen, e da iniciativa Farm to Fork (literalmente, da Quinta ao Garfo). A diretiva não tinha passado no Parlamento Europeu, em parte, devido ao voto do Partido Popular Europeu, da própria presidente da Comissão, que, a poucos meses das eleições europeias, se está a tentar apresentar como defensor do mundo rural. Este grupo parlamentar, junto com a extrema-direita, foi acusado de diluir de tal maneira o texto inicial, que os Verdes e a esquerda europeia acabaram por votar contra.

Mas os problemas não se limitavam ao Parlamento Europeu. “Também não há progresso no Conselho”, lembrou Von der Leyen, dizendo ser preciso fazer algo. “É por isso que vou propor a retirada desta proposta”, disse, deixando claro que o objetivo continua a ser válido, mas defendendo “mais diálogo e uma abordagem diferente”. Daí ter lançado o Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura na União Europeia, que reúne representantes do setor agrário, mas também toda um panóplia de interesses em torno deste tema. Este diálogo só estará concluído depois do verão, a tempo de uma nova Comissão Europeia e de um Parlamento que as sondagens dizem que será mais à direita.

No mesmo dia em que fez a cedência aos agricultores, a Comissão Europeia anunciou também um objetivo ambicioso para 2040: uma redução de 90% das emissões de gases com efeito de estufa, face aos valores de 1990, visando tornar a União Europeia o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050. Segundo a Reuters, que tinha visto uma versão inicial da proposta, apesar da meta ambiciosa houve uma nova cedência aos agricultores, deixando de fora metas específicas que estes deviam cumprir (precisavam de cortar as reduções de gases, que não o dióxido de carbono, em 30%)

Estas não são as primeiras cedência de Von der Leyen aos agricultores, que têm cortado estradas e levaram o seu protesto ao coração de Bruxelas durante o último Conselho Europeu. Na semana passada, a Comissão já tinha proposto a suspensão parcial da obrigação de pousio, além da limitação às importações ucranianas. Além do mais prometeu “simplificar” a Política Agrícola Comum (PAC) e admitiu não haver condições para assinar o acordo de livre comércio com o Mercosul. Tudo exigências dos agricultores.

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) aplaudiu a retirada da proposta, mas considerou que esta já estava “ferida de morte” após ter chumbado no Parlamento Europeu. Ainda assim ameaçava a viabilidade de muitos produtores, indicaram à Agência Lusa. Já a Confederação Nacional da Agricultura desvalorizou a decisão, explicando que o problema principal não está aqui mas na PAC. “Enquanto não se atacar isso, estas coisas não são mais do que uma tentativa de atirar areia para os olhos de agricultores”, disse Pedro Santos, da direção da Confederação, também à Lusa.

Protestos paralisam Espanha

O anúncio vindo de Bruxelas também não travou os protestos dos agricultores espanhóis, que bloquearam várias estradas por todo o país. Exigem, entre outras coisas, preços mais justos para o que produzem e menos burocracia, considerando que esta está a sufocar o mundo rural. Muitas associações de agricultores tinham marcado um protesto para quinta-feira, mas através de grupos de WhatsApp a mobilização foi antecipada.

Os protestos que começaram em França e na Alemanha há algumas semanas, passando por Bélgica ou Portugal, chegaram assim a Espanha. Pelo menos 14 autoestradas na Catalunha, Andaluzia, Valência, Madrid, Extremadura ou Castela-Mancha estiveram bloqueadas, assim como o acesso a vários centros de distribuição, como o porto de Málaga ou o principal mercado grossista de Valladolid.

O ministro da Agricultura, Pesca e Alimentação, Luis Planas, disse ao longo do dia respeitar “absolutamente” as manifestações dos agricultores, apelando ao “diálogo” e ao “trabalho” em conjunto para encontrar soluções para os graves problemas do setor. Mais cedo, o seu ministério tinha anunciado mais quase 270 milhões de euros de ajuda extraordinária aos agricultores afetados pela situação de seca e para compensar as perdas causadas pela guerra na Ucrânia. No total, o Estado espanhol já dispensou 1400 milhões de euros nestas subvenções diretas extraordinárias.

susana.f.salvador@dn.pt 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt