Violência na Irlanda do Norte antes de Biden chegar nos 25 anos da paz

Presidente dos EUA estará esta terça-feira em Belfast com Rishi Sunak, para assinalar o aniversário dos Acordos de Sexta-Feira Santa. Quarta-feira segue para sul, para a terra dos seus antepassados.
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É com uma crise política e episódios de violência que a Irlanda do Norte assinala, desde esta segunda-feira, os 25 anos dos Acordos de Sexta-Feira Santa. O presidente norte-americano, Joe Biden, cujo país ajudou a negociar a paz que pôs fim a três décadas de Troubles, é um dos dirigentes que chega esta terça-feira a Belfast para comemorar a data, tal como o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak. Mas o ambiente não é de festa.

Agentes da polícia foram atacados com cocktails molotov em Londonderry, durante uma parada republicana não anunciada (havia quase uma centena programadas) para assinalar a Revolta da Páscoa, de 1916, uma das várias que houve contra a soberania britânica. O nível de alerta terrorista estava no severo, temendo-se precisamente atos de violência em vésperas da visita de Biden.

"Apesar de ser tempo para refletir no progresso sólido que fizemos juntos, temos também que nos comprometer a redobrar os nossos esforços nas promessas feitas em 1998 e nos acordos que se seguiram", disse Sunak em comunicado. "Ao olharmos em frente, celebraremos aqueles que tomaram decisões difíceis, aceitaram compromissos e mostraram liderança."

Os Acordos de Sexta-Feira Santa foram assinados a 10 de abril de 1998 pelos então primeiros-ministros britânico Tony Blair e irlandês Bertie Ahern (entre outros), tendo sido negociados com o apoio do presidente dos EUA da altura, Bill Clinton. Puseram fim aos conflitos sectários entre os unionistas protestantes e os republicanos católicos, que causaram a morte a mais de 3500 pessoas.

"Uma geração depois, a situação na Irlanda do Norte está longe de ser perfeita. Muito pouco progresso foi feito na verdadeira integração entre as duas comunidades. Bairros segregados ainda existem e a desigualdade económica persiste. A incerteza que rodeou o Brexit - contra o qual a Irlanda do Norte votou - levou a uma paralisia política e deixa o país sem governo há mais de um ano. Mas, contra todas as apostas, a paz manteve-se e a democracia não perdeu o controlo", escreveu Clinton no The Washington Post.

No 25.º aniversário dos acordos de paz, os católicos são agora pela primeira vez maioria na Irlanda do Norte. Segundo os dados do censo de 2021, 45,7% da população identifica-se como católica ou foi educada como católica, enquanto 43,5% são protestantes. Há cem anos, quando a ilha da Irlanda foi dividida, eram dois terços de protestantes e um terço de católicos. Os acordos de paz preveem a eventualidade de um referendo para a reunificação da Irlanda.

Mas a religião não significa automaticamente identificação com unionistas (os que defendem a continuação da ligação ao resto do Reino Unido) ou republicanos (que são a favor da reunificação da Irlanda). As últimas eleições, há quase um ano, foram ganhas pela primeira vez pelos republicanos do Sinn Féin, com os unionistas do DUP a ficar em segundo lugar. Mas o partido Aliança, que não se identifica com nenhum dos lados, teve mais 4,5% dos votos do que em 2017 e tornou-se no terceiro mais votado, elegendo 17 representantes na assembleia regional.

Ao abrigo dos Acordos de Sexta-Feira Santa, o poder na região tem que ser partilhado entre unionistas e republicanos. Mas o DUP recusa entrar no executivo por causa do Protocolo para a Irlanda do Norte, criado em consequência do Brexit. O objetivo era evitar o regresso a uma fronteira física entre as duas Irlandas, mas criou barreiras entre a região e o resto do Reino Unido. Apesar de Londres já ter renegociado o protocolo com Bruxelas, criando uma via verde para que alguns produtos evitem os controlos, os unionistas mantêm a sua rejeição. Isso significa que a região está sem governo há mais de um ano.

"Apesar de a partilha de poder às vezes ter gerado frustração e até impasse, deu a cada lado a oportunidade de fazer ouvir as suas preocupações e trabalhar em direção a um consenso. Mesmo agora, com Stormont, a legislatura, sem uso, a questão é "quando", não "se" o governo voltará a funcionar. Mesmo a mais imperfeita democracia é melhor do que o regresso à violência", indicou Clinton no artigo de opinião. O antigo presidente e a mulher, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, (que tem um cargo na Queen"s University em Belfast) participam em vários eventos do aniversário dos acordos.

Biden não chega a Belfast de bolsos vazios, com a porta-voz da Casa Branca a indicar na semana passada que além de "assinalar o progresso tremendo" desde a assinatura dos acordos de paz, o presidente irá "sublinhar a prontidão dos EUA em apoiar o vasto potencial económico da Irlanda do Norte em benefício de todas as comunidades". Apesar de chegar esta terça-feira à noite, Biden participa apenas num evento público, quarta-feira: fará um discurso no campus de Belfast da Universidade de Ulster.

Depois, viaja até aos condados de Louth e Mayo, na República da Irlanda, de onde são os seus antepassados, tendo previsto fazer paragens em Dundalk e Carlingford. Seguirá depois para Dublin, onde está previsto que discurse diante das duas câmaras do Parlamento - será o quarto presidente dos EUA a fazê-lo, depois de John F. Kennedy, Ronald Reagan e Bill Clinton. Estão ainda previstos encontros tanto com o presidente Michael Higgins, como o taoiseach (primeiro-ministro) Leo Varadkar.

Há rumores que, no regresso a Washington, poderá começar a pensar no anúncio oficial de candidatura a um segundo mandato. Biden, de 80 anos, já deixou claro que irá ser candidato em 2024, mas ainda não fez o anúncio oficial.

susana.f.salvador@dn.pt

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