Um ano depois, Joe Biden ainda não é o presidente de muitos californianos
Na véspera da decisão eleitoral sobre a revogação do mandato do governador da Califórnia, Gavin Newsom, o presidente Joe Biden apareceu ao seu lado para pedir aos californianos que rejeitassem a tentativa. A ida às urnas aconteceu a 14 de setembro e custou perto de 300 milhões de dólares. Falhou rotundamente, com 61,9% dos eleitores a rejeitarem a revogação do mandato. Mas o descontentamento de muitos californianos com Newsom, principalmente com a rigidez das medidas anti-covid, ficou patente na campanha. E a proximidade de Biden com o governador democrata reforçou a antipatia dos que não votaram nele e que, um ano depois, não consideram que os representa.
"Ele é o presidente dos EUA, não é o meu presidente", disse ao DN Samone Keo, fundadora do The Delightful Cafe em Long Beach, condado de Los Angeles. "Não tenho orgulho de ele ser presidente." Keo, que se caracteriza como conservadora e religiosa, votou em Donald Trump e ficou desapontada com o resultado das eleições de 3 de novembro de 2020, faz hoje precisamente um ano. Entre os fatores que mencionou para a sua rejeição de Joe Biden estão a posição pró-escolha do presidente e do Partido Democrata, que defendem o acesso ao aborto, a inflação elevada e o pendor liberal do ensino escolar na Califórnia.
"A coisa mais importante é que acredito na liberdade", afirmou. "Não votei em Biden nem voto nos democratas por causa do controlo do governo", continuou, exemplificando com o mandado de vacinação contra a covid-19 imposto pela Casa Branca. O mandado obriga a que todas as empresas com mais de 100 empregados requeiram a sua vacinação ou testes negativos à covid-19 todas as semanas. A medida tem impacto em 80 milhões de trabalhadores do sector privado.
"Não quero que me forcem a fazer isto, ainda não fizeram pesquisas suficientes", reclamou Samone Keo, que chegou a recusar-se a encerrar o seu restaurante durante o confinamento e preferiu enfrentar as multas. "Acredito no capitalismo e no mercado livre, não acho que devamos depender do sistema ou do governo", frisou a empresária.
Este posicionamento é ecoado pelo ator e compositor luso-americano Tyler Bowe, que vive em Beverly Hills e não aceita a imposição das vacinas. "Não concordo que me digam o que pôr no meu corpo", disse ao DN. "Uso máscara e viseira, não penso que a covid é uma brincadeira, mas sou um indivíduo com autonomia sobre o meu corpo."
Bowe, que votou duas vezes em Donald Trump, apresentou várias queixas em relação à eleição de Joe Biden e ao seu primeiro ano na Casa Branca. "Acredito que a eleição foi manipulada", estabeleceu, considerando que houve um encobrimento por parte dos democratas. "Para mim, ele não está apto para ser líder. Um líder tem que ter muitas qualidades, tem de ser inteligente e lógico", opinou. "Ele não consegue acabar duas frases. É demasiado velho."
No que toca a medidas, Tyler Bowe criticou as políticas de emigração de Biden, reprovando o facto de a construção do muro com o México ter sido cancelada e de o número de pessoas a tentar atravessar a fronteira ilegalmente ter disparado. "Este é um país de emigrantes, sem dúvida, mas façam-no legalmente", indicou Bowe.
O ator também atribui ao presidente a escalada nos preços dos combustíveis e alimentos, com a inflação a subir, e criticou os subsídios extraordinários dados por causa da covid-19 e que, na sua visão, causaram problemas no mercado laboral. "Ninguém quer voltar ao trabalho. Os democratas alimentam as pessoas para poderem controlá-las e fazerem o que quiserem", disse.
Dizendo-se menos otimista quanto ao futuro do que estava antes, Bowe considerou que Biden foi eleito "porque muitas pessoas não gostavam do Trump", e não porque estavam especialmente entusiasmadas com ele. Ainda assim, reconheceu o atual estado de coisas. "Ele é o meu presidente. Não tenho orgulho nele, não concordo com ele, não acho que ele seja capaz de liderar o melhor país do mundo, mas infelizmente ele é o meu presidente."
Na Califórnia, o estado mais populoso da nação, Biden ganhou com 63,5% dos votos (11,1 milhões), contra 34,3% de Trump (6 milhões). Mas estes resultados não contam a história toda, deixando de fora os eleitores que não se reveem em nenhum dos dois partidos do poder.
É o caso de Angela McArdle, chair do Partido Libertário do Condado de Los Angeles (LPLAC, na sigla inglesa). "A temperatura não baixou. Há muita gente nos EUA que não se sente representada por Biden, mas também não se sentia representada pelas administrações republicanas do passado", disse ao DN. "Muita gente sente-se politicamente sem teto e as nossas vozes são afogadas nas narrativas dos meios de comunicação. Há muita diversidade política e pensamento independente no país, só não se ouve falar disso."
McArdle, que desaprova o aumento da dívida, a regulação climática agressiva e o decreto de Biden que força o porto de LA a funcionar 24/7, disse que o mandado nacional de vacinação é o aspeto mais perturbador do primeiro ano do presidente. "Vai pôr muita gente no desemprego. O governo federal não tem que mandar o que as pessoas põem nos seus corpos, nem mandar o que as empresas forçam os empregados a fazer", considerou. "Acredito que cria um sistema de castas médicas, em que algumas pessoas são cidadãos de segunda classe se não estiverem vacinadas. Está a levar-nos em direção à segregação médica."
A chair também considerou que este mandado difere de outros, por exemplo, o que obriga as crianças nas escolas públicas a cumprirem um plano de vacinação. "Esta vacina foi apressada, muita gente reportou efeitos secundários, muita gente está nervosa e quer esperar para ver", disse Angela McArdle. "Penso que devem poder esperar. Muita gente está cética em relação às vacinas porque não parecem estar a parar a disseminação do coronavírus."
Com 52,76% da população vacinada contra a covid-19, os Estados Unidos estão na 52.ª posição mundial em termos de taxa de vacinação e quase no fundo da tabela dos G7, apenas à frente do Japão. O país é o mais afetado do mundo pela doença, de acordo com a universidade de medicina Johns Hopkins, com um total de 46 milhões de infeções e 747 mil mortos.
Esse é um dos grandes motivos pelos quais há frustração entre os eleitores, disse ao DN o cientista político Thomas Holyoke, professor na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno.
"Uma conquista parcialmente atribuível a Biden é que mais de metade dos americanos estão vacinados, mas em termos de ultrapassar a covid não estamos onde devíamos estar", afirmou. "Há frustração e fadiga no eleitorado em relação à covid", disse, salientando que a doença "ainda está a ditar as nossas vidas" e que muitos eleitores estão zangados com os mandados de máscaras e vacinas.
No entanto, o analista político considerou que Biden tomou a decisão certa, apesar da repercussão. "Por mais problemas que o mandado tenha causado, as consequências, tanto médica como politicamente, teriam sido piores", disse. "Não conseguiríamos qualquer tipo de controlo sobre a covid e haveria muito mais possibilidades de o vírus desenvolver outras mutações. Os efeitos económicos negativos seriam muito mais pronunciados e a pandemia duraria muito mais."
Holyoke salientou, no entanto, que o presidente "não teve qualquer realização de bandeira" e isso está a penalizar a sua popularidade. "Se não puderem mostrar que conseguem fazer alguma coisa em termos de legislação e governação, vão ser trucidados nas eleições [intercalares] do próximo ano", antecipou.
Acresce que o ex-presidente Donald Trump continua a ser popular entre os apoiantes, que não acreditam na legitimidade da eleição. "Para uma maioria dos republicanos, Joe Biden não é o seu presidente", afirmou.
No caso da libertária Angela McArdle, a questão ganha outra forma. "Não nego a realidade de que ele é o nosso presidente eleito. Mas ele não me representa pessoalmente a mim nem aos meus valores", disse. A chair deixou, todavia, uma nota de otimismo: "Embora nos sintamos esmagados sob o peso de um governo controlador, há muita gente que acordou para os perigos do alcance excessivo do governo federal e dos governadores tirânicos que são eleitos democraticamente", considerou. "Estão a escapar e a fazer mudanças reais."
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