UE retoma apoio à agência da ONU para os palestinianos no meio de críticas a Israel
A União Europeia (UE) vai retomar o apoio financeiro à agência das Nações Unidas que presta apoio aos palestinianos (UNRWA, na sigla em inglês), com um primeiro pagamento de 50 milhões já na próxima semana. O envio do dinheiro, que a ONU disse chegar num “momento crítico”, estava sob análise depois de Israel denunciar que dezenas dos funcionários da agência tinham estado envolvidos nos ataques terroristas de 7 de outubro do Hamas. O anúncio chega numa altura em que vários líderes europeus expressaram “indignação” com a morte de mais de cem pessoas num incidente com camiões de ajuda humanitária em Gaza, criticaram Israel e exigiram uma investigação independente.
“Profunda indignação com as imagens vindas de Gaza, onde civis foram alvo de soldados israelitas. Expresso a minha mais veemente condenação destes tiroteios e apelo à verdade, à justiça e ao respeito pelo direito internacional”, escreveu o presidente francês, Emmanuel Macron, no X (antigo Twitter). “A situação em Gaza é terrível. Todas as populações civis devem ser protegidas. Um cessar-fogo deve ser implementado imediatamente para permitir a distribuição da ajuda humanitária”, acrescentou.
Também a Alemanha exigiu explicações a Israel: “As pessoas queriam ajuda para si e para as suas famílias e acabaram mortas. As notícias de Gaza chocam-me. O exército israelita deve explicar totalmente como é que o pânico em massa e o tiroteio puderem acontecer”, indicou a chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock. “As pessoas em Gaza estão mais perto de morrer do que viver. Mais ajuda humanitária precisa de entrar. Imediatamente”, acrescentou no X, defendendo um “cessar-fogo humanitário” que permita libertar os reféns israelitas ainda nas mãos do Hamas e a distribuição de ajuda no enclave palestiniano.
As autoridades de Gaza, controladas pelo Hamas, e Israel deram duas versões diferentes do que aconteceu na madrugada de quinta-feira. Segundo os palestinianos, o exército israelita disparou contra os civis que esperavam a distribuição de ajuda humanitária, matando 115 e ferindo mais de 750. De acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), as mortes deveram-se a “empurrões” e “atropelamentos” da multidão, admitindo apenas disparos contra um grupo que se aproximou dos militares de forma ameaçadora.
O porta-voz das IDF, Daniel Hagari, disse na quinta-feira à noite que tanques israelitas estavam a acompanhar os 30 camiões de ajuda humanitária quando houve uma emboscada. Algo que não aconteceu nos quatro dias anteriores, quando operações semelhantes terão também tido lugar. Contudo, na quinta-feira de madrugada, Hagari disse que milhares de pessoas se aproximaram dos camiões, com os militares a disparar para o ar quando começaram os atropelos. Hagari não falou dos disparos alegadamente feitos na direção de grupos que teriam parecido ameaçadores para os militares.
Contudo, Mohammed Salha, diretor interino do hospital de Al-Awda, para onde alguns feridos foram levados, disse à agência norte-americana AP que das 176 pessoas que deram entrada no centro, 142 tinham ferimentos de balas e só 34 tinham feridas que podem ser resultado de uma debandada. Outro médico, Yehia Al Masri, que trabalha no Hospital Al-Shifa e estava próximo do local, disse ao New York Times que viu dezenas de corpos com ferimentos de bala, incluindo na cabeça e pescoço.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse-se “chocado e repugnado” pela “morte de civis inocentes”, enquanto a líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ter ficado “profundamente perturbada”. Ambos pediram uma investigação. Na véspera, o presidente norte-americano, Joe Biden, tinha avisado impacto deste incidente para as negociações de um cessar-fogo, alvo que muitos países esperavam que pudesse acontecer antes do início do mês sagrado muçulmano do Ramadão (a partir de 9 de março).
A Comissão anunciou entretanto que vai avançar com o pagamento previsto para 2024 de 82 milhões de euros para a Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos, com uma primeira tranche de 50 milhões a seguir já para a semana. A UE alega que Israel ainda não forneceu provas de que funcionários da agência estiveram envolvidos nos ataques de 7 de outubro e que avança com os pagamentos após a UNRWA ter tomado medidas no seu processo de recruta e nos mecanismos para avaliação dos 30 mil funcionários. Bruxelas prometeu também mais 68 milhões de euros em apoio de emergência aos palestinianos na região, através da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
susana.f.salvador@dn.pt