O primeiro-ministro britânico que teve o mandato mais curto da História foi George Canning, que morreu 119 dias após tomar posse, em 1827. Liz Truss entra hoje no seu 43.º dia no cargo e o cenário não é positivo para a chefe do governo que arrisca bater esse recorde, havendo quem diga que já não tem poder após ter sido obrigada a recuar no polémico mini-orçamento. Esse recuo, assim como um pedido de desculpas público, pode tê-la feito ganhar tempo até 31 de outubro, quando o Executivo apresenta o plano fiscal a médio prazo. Mas os 12 dias até ao Halloween prometem ser de verdadeiro terror.."Eu quero aceitar as responsabilidades e pedir desculpa pelos erros que foram feitos", disse Truss na segunda-feira à noite à BBC, admitindo que o seu governo "foi demasiado longe e demasiado depressa". A primeira-ministra disse que continua comprometida com uma política económica de "impostos baixos e crescimento elevado", mas reconheceu que a "prioridade" é preservar a estabilidade económica. E explicou que teria sido "totalmente irresponsável" não agir no "interesse nacional" e recuar nas medidas. Apesar de tudo, Truss continua convencida de que será ela a disputar as próximas eleições gerais, que têm de se realizar o mais tardar em janeiro de 2025..O problema é que a decisão não depende da primeira-ministra. Um primeiro teste de fogo será já esta quarta-feira, quando Truss - cujo poder de retórica não é o melhor - enfrentar o líder da oposição, Keir Starmer, e os restantes deputados, durante a sessão semanal de perguntas e respostas no Parlamento. A chefe do governo poderá arranjar eventualmente uma desculpa para não estar presente, e deixar a tarefa a algum dos seus ministros, mas não pode escapar para sempre. Além disso, a sua ausência irá dar mais armas à oposição - que exige eleições antecipadas..Mas a primeira-ministra tem também que enfrentar "fogo amigo", com a revolta entre os conservadores a aumentar. Só cerca de meia dúzia de deputados do seu partido já vieram a público pedir a sua saída, mas estima-se que muitos mais já tenham enviado as cartas a retirar-lhe a confiança para Graham Brady, o líder do Comité 1922. São precisas 54 para desencadear uma moção de censura, que Truss perde se não conseguir a maioria dos votos dos 356 deputados conservadores. Mesmo se vencer, pode ficar ainda mais fragilizada - foi o que aconteceu com Theresa May e Boris Johnson, que acabaram por se demitir..As regras do Comité 1922 dizem que não pode haver um voto de não-confiança durante o primeiro ano do mandato do primeiro-ministro, mas se houver pressão nesse sentido, as regras podem ser mudadas. Uma sondagem YouGov revelou ontem que 55% dos eleitores conservadores consideram que Truss se devia demitir, contra 38% que dizem que deve continuar. No final, 60% não desejam uma nova corrida à liderança, como a que ocorreu este verão, preferindo que os deputados apoiem um só candidato - evitando assim a necessidade de consultar os militantes..O anúncio do novo ministro das Finanças, Jeremy Hunt, de recuar na maioria dos cortes fiscais previstos no mini-orçamento - assim como nas ajudas para pagar as contas de energia das famílias e empresas -, acalmou os mercados. A libra subiu face ao dólar e os juros da dívida pública a 30 anos caíram..Os recuos, assim como o pedido de desculpas, podem ter feito a primeira-ministra ganhar tempo, pelo menos até ao Halloween. No dia 31 de outubro, Hunt deverá revelar o Plano Fiscal do governo a médio prazo, tendo avisado que haverá "mais decisões difíceis" a tomar. "Quero ser totalmente franco em relação à magnitude do desafio económico que enfrentamos", disse no Parlamento, fazendo temer um aumento de impostos ou novas medidas de austeridade..A resposta dos mercados, dos conservadores e da sociedade - 77% dos britânicos desaprovam atualmente o governo - a esse anúncio poderá ditar o fim de Truss, sendo que alguns acreditam que não chegará ao Natal no número 10 de Downing Street. Hunt, que nos cartoons políticos já surge como o marionetista que segura as cordas de Truss, disse numa entrevista acreditar que ela continuará no poder nessa altura, pedindo aos deputados conservadores que lhe deem uma oportunidade..A primeira-ministra precisa de conseguir sobreviver até ao Novo Ano para evitar bater o recorde de George Canning, sendo que ficará para sempre como a chefe de governo que "matou" a rainha. A tomada de posse de Truss, a 15.ª chefe do governo durante o reinado de Isabel II, foi o último evento público da monarca, que morreu dois dias depois. Os dias de luto e o funeral da rainha foram praticamente os únicos momentos de calma para Truss, que desde 23 de setembro tem dado o dito por não dito na tentativa de continuar no poder..susana.f.salvador@dn.pt