Trump tem a primeira vitória, mas guerra contra os tribunais está só a começar

Donald Trump assinou mais ordens executivas em dez dias, neste regresso à Casa Branca, do que qualquer outro presidente dos EUA nos primeiros 100 dias no cargo. Diante da enxurrada de decisões, algumas contrariando o Congresso ou a própria Constituição, os tribunais surgem como a última barreira contra a revolução que Trump está a querer fazer. A dúvida é saber até quando e se o presidente estará a preparar-se para desafiar o poder judicial, agravando a crise constitucional.Após mais de uma dezena de contratempos nos processos que já foram abertos, o presidente teve a primeira vitória na quarta-feira à noite. Um juiz decidiu levantar a suspensão que tinha decretado em relação ao programa de rescisões no governo federal, uma das medidas-chave para o corte de gastos na Administração. O prazo para aceitar o acordo de saída terminava na última sexta-feira, mas o juiz tinha-o suspendido temporariamente. Assim que a suspensão foi levantada, Trump cantou vitória e o prazo foi dado como terminado. Segundo dados oficiais, mais de 75 mil trabalhadores aceitaram a oferta.Em 25 dias, Trump assinou mais de 63 ordens executivas - o antecessor, Joe Biden, não foi além de 42 nos primeiros 100 dias. Mas os tribunais bloquearam algumas delas, desde a que acabava com o direito à cidadania de todos os nascidos nos EUA (prevista na 14.ª Emenda da Constituição), a que punha um travão ao uso de fundos já aprovados pelo Congresso ou a que abria a porta às informações pessoais dos norte-americanos a Elon Musk, o milionário dono do X e da Tesla que Trump pôs à frente do Departamento da Eficiência Governamental. Outros processos aguardam decisão, nomeadamente sobre a proibição de transgéneros no Exército ou nos desportos femininos.Para alguns juristas, o choque entre Trump e os tribunais é um preâmbulo de uma crise constitucional. Algo que a Casa Branca refuta. “A verdadeira crise constitucional está a acontecer dentro do nosso ramo judicial, onde os juízes dos Tribunais Distritais e dos distritos liberais por todo o país estão a abusar do seu poder para bloquear unilateralmente a autoridade executiva básica do presidente Trump”, disse a porta-voz, Karoline Leavitt, alegando que a Justiça continua a ser usada como uma arma contra o presidente. Um argumento que foi usado nos processos que Trump enfrentou, incluindo no que levou à sua condenação antes das eleições. Mas a crise constitucional não se aplica apenas ao poder judicial, com o presidente a testar com as suas ordens executivas também os limites dos seus poderes em detrimento do poder legislativo do Congresso. Apesar de ter a maioria tanto na Câmara dos Representantes, como no Senado, Trump optou por decidir através de ordens executivas - indo, muitas vezes, contra o que o próprio Congresso decidiu.“Ele parece não estar interessado em trabalhar com o outro ramo - ramo que ele basicamente controla -, mas insiste que tem o poder exclusivo de fazer as coisas”, disse o jornalista especialista em temas de Justiça do jornal The New York Times, Adam Liptak, no podcast Daily. E dá o exemplo do corte de ajuda à USAID - a agência de ajuda ao desenvolvimento internacional. “O Congresso passou leis a instruir o presidente a gastar dinheiro em certas coisas. O presidente Trump considera que, se essas instruções são inconsistentes com a sua agenda política, ele não tem de cumprir”, explicou, lembrando que se ele pedisse aos congressistas para “fechar a USAID” ele provavelmente iria conseguir que o fizessem.Liptak divide as diferentes ordens executivas de Trump em três, consoante as expectativas que existem de elas passarem pelo crivo do poder judiciário. “O Supremo Tribunal tem-se mostrado cada vez mais aberto à ideia de que, pelo menos dentro do poder executivo, o presidente tem muito poder”, indicou, acreditando que enquanto líder do poder executivo, o presidente pode decidir quem trabalha para ele ou não, apesar de existirem alguns travões da parte do Congresso em relação aos despedimentos. O podcast foi gravado antes da decisão do tribunal sobre o programa de rescisões, que foi precisamente neste sentido.Depois há as ordens executivas de Trump que vão contra as instruções específicas do Congresso - como nos gastos federais ou na manutenção de agências, desde a USAID ao Departamento de Educação. Aqui Liptak considera que o presidente terá mais dificuldades em argumentar, com isso a ver-se nas primeiras decisões. Mas a Casa Branca promete recorrer e poderá deparar-se com algum juiz mais favorável - continuando a passar a ideia de que Trump foi eleito para fazer estas mudanças e está legitimado pelos eleitores para as fazer.Finalmente, há os processos que dizem respeito às questões constitucionais. O caso mais gritante é o direito à cidadania para todos os que nascem em território dos EUA (há poucas exceções). Foi uma das primeiras ordens executivas de Trump, apesar de esta mudança só poder ser feita através de uma emenda constitucional. É nesta área que o especialista acredita que será mais fácil o Supremo Tribunal (quando o caso eventualmente lá chegar) tomar uma posição contra o presidente - apesar de uma maioria de seis juízes conservadores (três deles nomeados por Trump) contra três liberais. Depois de o vice-presidente, J.D. Vance ter dito que “os juízes não podem controlar o poder legítimo do executivo” e de Musk sugerir afastar os juízes que desafiam “a vontade do povo”, Trump foi mais conciliador. “Vou sempre respeitar os tribunais. Terei de apelar da decisão”, disse Trump aos jornalistas na Sala Oval, na terça-feira. Mas existe a possibilidade de um dia decidir deixar de obedecer, com os especialistas a lembrarem que, na prática, os tribunais não têm forma de garantir que o poder executivo cumpre as suas decisões - para além de declarar um desacato ao tribunal. Se isso acontecer, Trump acentuará a crise constitucional que parece estar a desenhar-se.Um juiz federal de Rhode Island disse, na última segunda-feira, que Trump estava a recusar cumprir totalmente com a sua ordem de libertar as verbas dos subsídios federais que a Administração tentou congelar. Contudo, isso não será ainda desrespeito, sendo considerado “comum” arrastar a implementação da lei ou tentar que esta se aproxime da direção preferida pelo executivo. Biden, por exemplo, fê-lo em relação aos empréstimos estudantis, redesenhando o plano para os perdoar depois de o Supremo o ter bloqueado.No passado, já houve presidentes que desafiaram ordens dos tribunais. Abraham Lincoln e Andrew Jackson são os exemplos citados pela professora Cristina Rodríguez, da Universidade de Direito de Yale, à revista The New Yorker. A Administração de Lincoln continuou a emitir passaportes para os negros, mesmo depois de o Supremo ter dito que eles não podiam ser cidadãos dos EUA. Já Jackson recusou cumprir uma ordem do tribunal que não era diretamente contra si, mas contra o Estado da Geórgia, que o Supremo considerou estar a violar os direitos dos cherokees ao retirar-lhes as terras. O governo federal acabaria por forçar cerca de 60 mil membros desta e outras tribos a sairem das suas terras ancestrais no sudeste dos EUA e a deslocarem-se para oeste, no chamado Caminho das Lágrimas. .Europeus mostram desacordo com a linha de Trump para a Ucrânia

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