Trump, os EUA e o TPI sob sanções em seis respostas
Como é que as sanções anunciadas pela Casa Branca afetam o Tribunal Penal Internacional (TPI)?
Numa ordem executiva assinada na quinta-feira, Donald Trump visou o tribunal com sede em Haia ao proibir a entrada nos Estados Unidos de funcionários, empregados e seu agentes, bem como dos seus familiares mais próximos e de qualquer pessoa que se considere ter ajudado o trabalho de investigação do TPI. O decreto prevê ainda o bloqueio de todos os ativos detidos nos Estados Unidos dos visados. Os nomes das pessoas em causa não foram tornados públicos. Na equipa do procurador do TPI, Karim Khan, há cidadãos norte-americanos, os quais serão os mais diretamente afetados. Uma das pessoas mais conhecidas que trabalha para o TPI é a advogada defensora dos direitos humanos Amal Clooney.
Mas as consequências são muito mais amplas. A presidente do tribunal, a juíza Tomoko Akane, avisou em dezembro que as ameaças e sanções iriam “rapidamente prejudicar as operações do tribunal em todas as situações e casos e pôr em risco a sua própria existência”. Respondia às declarações ameaçadoras do senador republicano Lindsey Graham: "A qualquer aliado, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, França, se tentarem ajudar o TPI, vamos sancioná-los."
À Associated Press, Janina Dill, especialista em segurança global, diz que pode estar em causa o trabalho da justiça global. “Tem de facto o potencial de prejudicar não só o tribunal, mas também o direito internacional.”
Com receio de virem a sofrer consequências, instituições financeiras e empresas de tecnologia podem ser tentadas a deixar de ter relações com o TPI. “As empresas e as organizações podem deixar de manter relações comerciais com o TPI porque o risco é demasiado grande”, afirmou James Patrick Sexton, investigador do TMC Asser Instituut e da Universidade de Amesterdão à AFP.
De que se queixa Trump?
Segundo o texto divulgado pela Casa Branca, o TPI tem “empreendido ações ilegais e sem fundamento contra os Estados Unidos" e o "aliado próximo Israel”, referindo-se às investigações sobre alegados crimes de guerra cometidos por soldados norte-americanos no Afeganistão e por soldados israelitas na Faixa de Gaza, bem como por ter "abusado ainda mais do seu poder ao emitir mandados de captura sem fundamento" contra o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e o antigo ministro da Defesa Yoav Gallant. O TPI também emitiu um mandado de captura contra o líder russo Vladimir Putin por crimes de guerra na Ucrânia. Para a administração Trump, é inaceitável que o TPI aja perante países que não fazem parte do tribunal, como é o caso dos EUA e de Israel.
Por que é que os EUA não são um estado-membro do TPI?
De uma forma simples e direta, porque não querem que os seus militares e líderes tenham de responder em Haia, tendo em conta as intervenções fora do seu território. "Continua a existir o receio de ser efetivamente investigado pelo tribunal pela prática de crimes de atrocidade, dada a projeção militar de ambos os países a nível regional ou global, e o receio de ser processado por razões políticas e não por razões baseadas em provas", disse ao New York Times David Scheffer, antigo embaixador dos EUA e negociador do estatuto de Roma que criou o tribunal, sobre uma possível ação sobre os EUA e Israel.
A relação de Washington com o TPI foi sempre complicada?
Não. Nas Nações Unidas, os Estados Unidos fizeram parte das negociações para a criação do TPI, em meados dos anos 1990. Mas discordaram logo no início com o estatuto de Roma, o tratado internacional que estabelece o tribunal. Ainda assim, o presidente Bill Clinton assinou o documento, em 2000, mas este não foi ratificado pelo Senado. Com George W. Bush na presidência e sua "guerra ao terror", os EUA retiraram-se do estatuto e tentaram fazer acordos bilaterais com alguns países para garantir que cidadãos seus não fossem entregues ao TPI.
Mas mais tarde também reconheceram o seu trabalho: não vetaram um pedido do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao procurador do TPI para investigar crimes em Darfur, no Sudão, em 2005. Em 2011, no mesmo órgão, votaram a favor do encaminhamento da situação na Líbia para o tribunal. Nos anos seguintes apoiaram a transferência para o tribunal de líderes responsáveis por crimes de guerra do Congo e do Uganda. Simbolicamente, alargaram o seu programa de recompensas por procurados de crimes de guerra a indivíduos estrangeiros procurados por qualquer tribunal internacional, incluindo o TPI.
As relações voltaram a azedar com a chegada de Trump ao poder, em 2017. Impôs sanções contra a procuradora Fatou Bensouda e um dos seus principais assessores, devido a uma investigação do TPI sobre alegados crimes de guerra cometidos por tropas norte-americanas no Afeganistão. A medida foi revertida por Joe Biden em abril de 2021. O anterior presidente elogiou o mandado de captura de Putin, mas criticou o de Netanyahu.
Que reações provocou a imposição de sanções por parte dos EUA?
Muitas, e quase todas condenatórias. As exceções foram Israel e a Hungria. “O TPI está a perseguir agressivamente os líderes eleitos de Israel, a única democracia do Médio Oriente”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Gideon Saar, ao felicitar Trump. Argumentou que o tribunal não tem legitimidade porque “Israel e os Estados Unidos não são partes do estatuto de Roma e não são membros do TPI”.
Já o primeiro-ministro Viktor Orbán deixou no ar a saída do seu país do tratado. "É tempo de a Hungria rever o que está a fazer numa organização internacional que está sob sanções dos EUA! Estão a soprar novos ventos na política internacional. Chamamos-lhe o Trump-tornado."
A resposta mais firme foi assinada por 79 países. “Reafirmamos o nosso apoio contínuo e inabalável à independência, imparcialidade e integridade do TPI”, afirmou o grupo numa declaração conjunta, e que inclui o Reino Unido, a França ou a Alemanha. "O tribunal serve como um pilar vital do sistema de justiça internacional, garantindo a responsabilização pelos crimes internacionais mais graves e a justiça para as vítimas." Além disso, o texto de apoio ao TPI alerta para o facto de as sanções poderem “ameaçar a confidencialidade de informações sensíveis e a segurança das pessoas em causa, incluindo vítimas, testemunhas e funcionários do tribunal", muitos dos quais cidadãos dos países signatários.
Num comunicado, o TPI condenou as sanções dos EUA, declarou apoio ao seu pessoal e disse estar "empenhado em continuar a fazer justiça e a dar esperança a milhões de vítimas inocentes de atrocidades em todo o mundo, em todas as situações que lhe são apresentadas". Continuou: “Apelamos aos nossos 125 estados-membros, à sociedade civil e a todas as nações do mundo para que se unam em prol da justiça e dos direitos humanos fundamentais.”
E a União Europeia, até agora muito prudente em relação ao "tornado-Trump", não se calou. “Sancionar o TPI ameaça a independência do tribunal e mina todo o sistema de justiça internacional”, advertiu António Costa, presidente do Conselho Europeu. “O TPI garante a responsabilização por crimes internacionais e dá voz às vítimas em todo o mundo”, escreveu a presidente da Comissão. “Deve ser capaz de prosseguir livremente a luta contra a impunidade global. A Europa defenderá sempre a justiça e o respeito pelo direito internacional”, concluiu Ursula von der Leyen.
Qual é o historial do TPI?
Com 125 estados-membros, está a funcionar desde 2003 para investigar e julgar crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio quando os Estados-membros não estão dispostos ou não o podem fazer por si próprios. Pode investigar crimes cometidos por cidadãos de estados-membros ou no território de estados-membros por outros intervenientes.
Os juízes do TPI emitiram 11 condenações e quatro absolvições. Todos os condenados eram líderes de grupos armados da República Democrática do Congo, do Mali e do Uganda.
Em 32 casos apresentados em Haia -- não confundir com o Tribunal Internacional de Justiça --, está a levar a cabo investigações relacionadas com as guerras na Palestina, na Ucrânia e RD Congo, mas também na Venezuela ou Filipinas.