Michael Waltz e Pete Hegseth estão debaixo de fogo pela fuga de informação.
Michael Waltz e Pete Hegseth estão debaixo de fogo pela fuga de informação.EPA/Ludovic Marin/Pool

Trump desvaloriza fuga de informação na qual Europa surge como “patética”

Conselheiro de Segurança Nacional incluiu um jornalista numa conversa de grupo entre altos funcionários, na aplicação Signal, onde foram discutidos os ataques aos rebeldes Houthis, no Iémen.
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O presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu esta terça-feira o seu conselheiro de Segurança Nacional, Michael Waltz, depois de vir a público que este adicionou inadvertidamente um jornalista a uma conversa onde altos responsáveis norte-americanos discutiam os planos para atacar os rebeldes Houthis, no Iémen. E apelidavam a Europa de “patética”. “Michael Waltz aprendeu uma lição e é um homem bom”, disse Trump à NBC. Mas afinal o que é que aconteceu?

“A Administração Trump enviou-me acidentalmente uma mensagem de texto com os seus planos de guerra.” Esse é o título do artigo assinado por Jeffrey Goldberg, diretor da revista The Atlantic, que foi publicado na segunda-feira. Ao longo de mais de 20 mil carateres, o jornalista conta depois como recebeu um pedido de conexão de Waltz na aplicação Signal, uma espécie de WhatsApp com maior proteção de privacidade e de segurança (no passado apoiada pelo milionário dono do X e conselheiro de Trump, Elon Musk).

Dois dias depois desse primeiro pedido, o jornalista - que no Signal aparece apenas com as iniciais “JG” - foi adicionado pelo mesmo Waltz ao grupo “Houthi PC small group”. O conselheiro de Segurança Nacional indicou depois que o objetivo deste “pequeno grupo” era coordenar a resposta aos rebeldes iemenitas, após uma reunião mais cedo na sala de crise da Casa Branca. Trump queria enviar uma mensagem e reabrir uma das mais importantes vias marítimas do mundo, que inclui o Mar Vermelho e o Canal do Suez, ameaçada pelos ataques dos rebeldes aos navios comerciais.

O grupo no Signal incluía o vice-presidente dos EUA, JD Vance, o secretário de Estado, Marco Rubio, o titular da Defesa, Pete Hegseth, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, a diretora de Segurança Nacional, Tulsi Gabbard, o diretor da CIA, John Ratcliffe, e a chefe de gabinete de Trump, Susie Wiles, além de uma série de membros das respetivas equipas. Ao todo eram 18 pessoas. Alguns surgiam com o nome completo, outros com iniciais.

Mas ninguém perguntou quem era o “JG”, que acreditava que podia estar a ser enganado e a ser alvo de uma campanha de desinformação. Até que as bombas norte-americanas começaram a cair no Iémen a 15 de março, atingindo os alvos Houthis, tal como tinha sido revelado duas horas antes por Hegseth no grupo. E começarem a surgir os “parabéns” aos vários envolvidos, acompanhados em alguns casos com emojis - Waltz, por exemplo, usou o punho, junto à bandeira americana e ao fogo, depois de uma mensagem em que dizia apenas “amazing job” (trabalho incrível). Quando se apercebeu que o grupo era verdadeiro, Goldberg optou por sair.

Escândalo e demissões?

A publicação do artigo fez soar os alarmes em Washington, gerando muitas perguntas. Como é que foi possível adicionar um jornalista ao grupo sem que alguém percebesse? Porque é que os responsáveis estavam a usar o Signal, uma aplicação comercial, para discutir planos secretos? Isso costuma acontecer muitas vezes? Quem mantém os registos, sabendo-se que as mensagens sobre atos oficiais devem ser preservadas e que algumas das mensagens estavam programadas para serem apagadas no espaço de uma semana?

O próprio Goldberg lembrou, por exemplo, como Trump exigiu que Hillary Clinton fosse detida por ter usado um email privado para trabalho oficial quando era secretária de Estado de Barack Obama. “Devem estar a gozar comigo”, escreveu ontem Clinton no X, partilhando o artigo.

Sobre a inclusão do jornalista no grupo, Trump apontou o dedo a um membro da equipa de Waltz, não ao próprio conselheiro de Segurança Nacional. À NBC disse ainda que esta foi “a única falha em dois meses [Trump tomou posse a 20 de janeiro], e não foi nada de grave”. Na sua Truth Social, já tinha partilhado uma mensagem de Musk a dizer que “o melhor lugar para esconder um corpo era na página 2 da revista The Atlantic, porque nunca ninguém vai lá”.

Em relação à informação revelada no grupo, tanto Ratcliffe como Gabbard disseram esta terça-feira na Comissão de Inteligência no Senado que nada do que foi revelado era secreto. Algo que os democratas da comissão duvidaram, dizendo que se fosse assim, então podiam divulgar toda a conversa - o jornalista não o fez. Os democratas exigem a demissão tanto de Waltz (que estará a ser criticado também dentro dos círculos republicanos) como de Hegseth.

Tanto o diretor da CIA como a responsável pela Inteligência Nacional alegaram ainda que o uso do Signal tinha sido autorizado para este tipo de discussão. Além disso, a própria Casa Branca, repetindo o que Hegseth já tinha dito na segunda-feira à noite, alegou que não foram divulgados “planos de guerra”, apelidando o jornalista de “sensacionalista”. O secretário da Defesa chegou a alegar que tudo era uma “farsa”.

As críticas não são só dos democratas. “Garanto com 99,99% de confiança, a Rússia e a China estão a monitorizar estes telemóveis”, disse o congressista republicano Don Bacon, do Nebrasca, à CNN. “Penso que é uma violação de segurança e não há dúvida de que a Rússia e a China viram estas coisas poucas horas antes dos ataques reais ao Iémen ou aos Houthis”, acrescentou, defendendo que o secretário de Defesa tem que responder por ter posto “informações confidenciais num sistema não confidencial”.

Europa alvo de críticas

O grupo pode ter sido criado para planear e manter informados os vários responsáveis sobre o que ia acontecer no Iémen, mas na troca de mensagens divulgada por Goldberg (que não revelou nenhum dos planos concretos do ataque) surgem também críticas à Europa.

JD Vance perguntava se não estavam a cometer um erro ao ir atrás dos Houthis. Em resposta à guerra na Faixa de Gaza e em alegado apoio aos palestinianos, após o ataque do Hamas a Israel, os rebeldes iemenitas têm atacado os navios no Mar Vermelho, pondo em risco uma das mais importantes rotas comerciais do mundo. O vice-presidente lembrava contudo que só “3% do comércio dos EUA passa pelo Suez” enquanto “40% do comércio europeu” passa pelo canal, podendo isso ser “inconsistente” com a “mensagem” que querem passar aos europeus e incompreensível para os americanos.

Depois de alguma discussão, na qual Hegseth lembra que a mensagem para o público norte-americano é que o ex-presidente Joe Biden “falhou” a lidar com o problema e que os Houthis são financiados pelo “Irão”, JD Vance acabou por dizer que se todos estão de acordo então que se deve avançar. Mas deixa o desabafo: “Odeio simplesmente voltar a resgatar a Europa.” Hegseth responde-lhe: “Partilho plenamente a tua aversão ao parasitismo europeu. É PATÉTICO.” No grupo defende-se que os europeus precisam de recompensar monetariamente os norte-americanos.

A conversa revela algum desacordo no grupo, mas a equipa de Vance negou qualquer problema. “A primeira prioridade do vice-presidente é sempre garantir que os conselheiros do presidente o informam adequadamente sobre a substância das suas deliberações internas”, disse o porta-voz, William Martin, em comunicado. “O vice-presidente Vance apoia inequivocamente a política externa desta administração. O presidente e o vice-presidente tiveram conversas subsequentes sobre este assunto e estão totalmente de acordo.”

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