Trump festeja a vitória no Iowa, que lhe abre a porta para a nomeação republicana.
Trump festeja a vitória no Iowa, que lhe abre a porta para a nomeação republicana.EPA/JIM LO SCALZO

Trump arrasa no Iowa, mas o caminho até à Casa Branca não é sem obstáculos

Ex-presidente tem que vencer as primárias republicanas e evitar surpresas já em New Hampshire, garantir que o Supremo Tribunal não o afasta da corrida e que os processos judiciais não fazem mossa e, por último, derrotar o democrata Joe Biden em novembro.
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Donald Trump perdeu as presidenciais de 2020, mas na corrida às eleições de novembro está a comportar-se (nas urnas e fora) como se estivesse na Casa Branca. A vitória alcançada no caucus do Iowa, onde ficou a 30 pontos dos adversários, é um recorde para um republicano que não está no poder. Mas o ex-presidente não pode já começar a preparar as malas para voltar ao número 1600 da Avenida da Pensilvânia, em Washington. Pela frente tem três desafios concretos: vencer as primárias, garantir que o Supremo Tribunal não o afasta da corrida e conseguir o que não conseguiu há quatro anos, derrotar Joe Biden. 

O caucus do Iowa, onde tinha perdido em 2016, acabou quase antes de começar - bastaram 31 minutos para Trump ser declarado vencedor. Há semanas que as sondagens apontavam para a sua vitória por uma margem expressiva. Contados os votos, Trump conseguiu 51%, tendo o governador da Florida, Ron DeSantis, conseguido o segundo lugar, com 21,2%. Uma ligeira surpresa, visto que a ex-governadora da Carolina do Sul e antiga embaixadora nas Nações Unidas, Nikki Haley, tinha vindo a ganhar força. Mas acabou com 19,1%. 

A diferença de votos dos adversários para Trump mostra que as bases do Partido Republicano estão com o ex-presidente, enquanto a proximidade entre DeSantis e Haley revela que, mesmo os que não estão com ele, não têm uma alternativa clara. No Iowa, um estado maioritariamente rural, a questão nunca foi decidir já o vencedor - quem ganha quase nunca é o candidato escolhido - mas reduzir o número de opções dos eleitores. 

Esse cenário voltou a confirmar-se: se Chris Christie, ex-governador de Nova Jérsia, desistiu ainda antes da votação, o empresário Vivek Ramaswamy, foi o primeiro a atirar a toalha ao chão já depois, declarando o seu apoio a Trump. Seguiu-se o antigo governador do Arkansas, Asa Hutchinson, que entrou na corrida a criticar o ex-presidente e nunca chegou a ser uma ameaça para ninguém. A corrida é agora a três, mas as primárias de New Hampshire, já na terça-feira, 23 de janeiro, podem mudar isso.

A ex-embaixadora da ONU tem vindo a ganhar terreno neste estado, tendo 30% das intenções de voto, segundo a média das sondagens do site fivethirtyeight.com. Trump tem atualmente 43%. Haley esperava ficar em segundo lugar no Iowa para catapultar as suas possibilidades no New Hampshire, um estado mais moderado e com um eleitorado mais educado - no Iowa, dois em dez eleitores de Trump eram licenciados, enquanto mais de metade dos que votaram em Haley tinham um curso superior. 

Na próxima semana, os independentes também podem votar e isso pode mudar o cenário. A candidata tem dito que este estado “corrige” o que acontece no Iowa, sendo que já coloca a corrida como sendo apenas a dois - dizendo que só participará em debates com Trump ou com Biden, rejeitando duelos com DeSantis. Uma corrida a dois ajudaria a concentrar os votos contra Trump, podendo eventualmente complicar as contas para o ex-presidente.

Apesar de o segundo lugar no caucus ter mantido a sua candidatura de pé, DeSantis é quem tem mais a perder se não conseguir um bom resultado no New Hampshire. A sua campanha tem enfrentado muitos problemas, nomeadamente financeiros, depois de inicialmente ter surgido como o principal adversário de Trump. O governador da Florida já começou a aumentar o tom das críticas ao ex-presidente e isso deverá acentuar-se até à próxima votação.

Se o resultado ficar aquém das expectativas e se o dinheiro deixar de entrar, isso pode abrir a porta à sua desistência. A corrida seguinte é no Nevada, onde a confusão está instalada com primárias a 6 de fevereiro (nas quais o nome da maioria dos candidatos, incluindo Trump, não está no boletim de voto) e caucus a 8, sendo que só este último conta. Segue-se depois, a 24 de fevereiro, a Carolina do Sul, onde a ex-governadora Haley é, em teoria, a favorita dos dois. Apesar disso, DeSantis viajou do Iowa para fazer campanha nesse estado, em vez de seguir para New Hampshire. 

Problemas com a justiça

Trump enfrenta mais de 90 acusações em quatro processos diferentes, tendo ontem voltado ao tribunal em Nova Iorque para o julgamento que vai decidir quanto terá que pagar à jornalista E. Jean Carroll por difamação. Ela pede dez milhões de dólares e já ganhou outro processo, tendo ficado provado que foi assediada sexualmente por ele nos anos 1990 e depois difamada, quando ele negou a situação. 

Mas para os eleitores do Iowa, os problemas judiciais não são problemas - cerca de dois terços dos eleitores disseram que, mesmo se Trump for condenado por um crime, ele terá capacidade para ser presidente. A base republicana de apoio ao ex-presidente é sólida, sendo que a maior parte dos eleitores tinha decidido há mais de um mês em quem ia votar - e 66% sabiam que votariam em Trump. 

Mas o ex-presidente enfrenta um problema maior do que o início de um dos seus julgamentos na Super Terça-feira (5 de março), quando mais de uma dezena de estados for a votos. O Supremo Tribunal dos EUA vai analisar, a 8 de fevereiro, os argumentos a favor e contra a possibilidade de Trump poder nem sequer estar no boletim de voto. Em causa está a Secção 3 da 14.ª emenda da Constituição dos EUA, que proíbe de concorrer a cargos públicos quem tenha estado envolvido em “insurreição e rebelião”. O Supremo do Colorado decidiu que ele não podia estar no boletim de voto das primárias por causa do seu papel no ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, tendo Trump recorrido, alegando que a emenda não se aplica ao presidente.

Seis dos nove juízes do Supremo são conservadores, tendo três deles sido nomeados pelo próprio Trump quando esteve na Casa Branca. Apesar de isso não garantir à partida que vão votar com o ex-presidente - dois deles já decidiram contra ele na questão de ter que revelar os registos financeiros - será uma surpresa se o fizerem. E lançará o caos nas eleições: se Trump perdeu em 2020 e ainda diz que foi roubado (66% dos eleitores do Iowa acreditam que Biden não ganhou legitimamente as presidenciais), o que faria se fosse afastado pela justiça? 

Trump vs. Biden

“Parece que Donald Trump acabou de vencer no Iowa. Ele é o claro favorito do outro lado agora. Mas o problema é o seguinte: esta eleição sempre foi sobre tu [dirigindo-se aos eleitores] e eu contra os republicanos extremistas (...). Foi verdade ontem e será verdade amanhã”, disse Biden. Uma sondagem YouGov para a CBS revelou, na semana passada, que qualquer um dos três candidatos republicanos derrotaria o atual presidente, de 81 anos. Haley mais facilmente (53% vs. 45%) do que Trump (50% vs. 48%).

Na sondagem AP-NORC Center de agosto, 53% dos inquiridos disseram que “definitivamente não” apoiariam a candidatura de Trump, com outros 11% a dizer que “provavelmente não” a apoiariam. Mas as sondagens podem estar erradas. As eleições de 2020 acabaram por ser mais renhidas do que se pensava, ainda não sendo certo porque tantas pesquisas falharam - foram apontadas hipóteses, desde a entrada de novos eleitores até ao facto de os que votam Trump desconfiarem (como o próprio) das sondagens e por isso negarem participar. 

Apesar do que dizem os eleitores no Iowa, poderá também haver muitos republicanos que, caso Trump for condenado nalgum dos processos que enfrenta, optam por não votar nele - escolhendo a única alternativa ou abstendo-se. Ou os que, diante da ameaça à democracia, optem mesmo por voltar a escolher Biden, apesar de todas as críticas contra as suas políticas.

É preciso contudo ter em conta que nem sempre o vencedor do voto popular se torna presidente. Os eleitores nos EUA escolhem, em cada estado, os chamados grandes eleitores do colégio eleitoral - há 538 no total, sendo que o vencedor precisa de 270. E na grande maioria dos estados, quem ganha (e pode ser só por um voto), conquista todos os grandes eleitores em jogo. Quando foi eleito em 2016, Trump não ganhou o voto popular - teve menos 2,8 milhões de votos do que a democrata Hillary Clinton. Ainda assim, tinha 304 grandes eleitores e entrou na Casa Branca. O próprio George W. Bush, em 2000, perdeu o voto popular para Al Gore, ganhando quatro anos depois graças ao apoio que conquistou com a resposta aos atentados do 11 de Setembro de 2001.

susana.f.salvador@dn.pt

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