Tropas israelitas acusadas de usar escudo humano

Tropas israelitas acusadas de usar escudo humano

Relatora da ONU indignada com o “direito internacional de pernas para o ar” em operação israelita na Cisjordânia. Em Gaza foi atingido mais um edifício das Nações Unidas.
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O estupor causado pela continuidade das tendências da guerra e seus efeitos - mais uma manifestação contra o governo de Netanyahu, mais um ataque em Gaza contra instalações da ONU, mais declarações públicas do chefe do governo israelita a desafiar os EUA - foi sacudido pela admissão de um abuso por parte do exército depois de ter sido publicado um vídeo que mostra um palestiniano a ser transportado amarrado ao capô de um jipe militar na Cisjordânia, e pela viagem do ministro da Defesa israelita a Washington.

Um palestiniano de 24 anos foi amarrado ao para-brisas de um veículo militar israelita durante uma “operação antiterrorista” na cidade de Jenin, na Cisjordânia ocupada. Mais tarde, depois de hospitalizado e submetido a uma cirurgia de emergência, Mujahid Raed Abbadi contou à AFP que estava na casa de amigos em Jabriyat, entre Burin e Jenin, no norte da Cisjordânia, quando foi ferido por tiros. Disse ter ficado mais de duas horas atrás de um veículo militar israelita, sem conseguir movimentar-se. “Quando chegaram, pisaram a minha cabeça, agrediram-me na cara, nas pernas e nas mãos, que estavam feridas”, enquanto riam, queixa-se. Diz que depois, os soldados prenderam-no no capô que estava queimado.

Perante o vídeo rapidamente propagado, o exército israelita admitiu que “o suspeito foi levado pelas forças e amarrado ao veículo em violação às ordens e protocolos operacionais”, um procedimento que diz não “não estar de acordo” com seus valores, pelo que investigará o ocorrido. Para Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinianos ocupados, o que se passou foi um “escudo humano em ação”. Albanese disse no X ser “espantoso como um Estado nascido há 76 anos conseguiu virar o direito internacional literalmente de pernas para o ar”. 

Na Faixa de Gaza, as forças israelitas atacaram mais um edifício da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA): desta vez foi um centro de distribuição alimentar no sudoeste da cidade de Gaza e segundo as fontes locais terá matado cinco pessoas e ferido sete. “Encontrei o meu filho mais velho ferido, o mais novo preso debaixo dos escombros e cadáveres no local”, disse uma mulher entrevistada pela Al Jazeera.“Que mal fizeram aquelas crianças inocentes? Estamos a correr da morte para a morte.” 

Um comunicado das forças armadas israelitas justificou o bombardeamento ao alegar que o edifício foi um “escudo para atividades terroristas” quer do Hamas, quer da Jihad Islâmica. Também disse que foram tomadas medidas para “reduzir o risco de causar danos a civis”. Segundo a diretora de comunicação da UNRWA, Juliette Touma, até ao momento tinham sido atingidos 190 edifícios da agência em Gaza, tendo morrido 193 funcionários de uma organização que Israel diz ser terrorista.

Em Israel, as manifestações de sábado contra Benjamin Netanyahu atingiram um novo máximo de adesão em Telavive, cerca de 150 mil pessoas. O primeiro-ministro manteve a divergência pública com os Estados Unidos sobre o tema das armas que estarão a ser retidas, desta vez no início do conselho de ministros. “Alguns equipamentos foram entrando, mas o grosso do armamento ficou para trás”, afirmou, tendo ainda esclarecido que a situação começou há quatro meses, mas não deu pormenores sobre o material que os EUA teriam deixado de enviar. Ao Times of Israel, um funcionário norte-americano disse que a entrega das armas segue agora a um “ritmo normal” em oposição ao que ocorria há meses, quando vigoravam procedimentos de emergência.

As declarações surgiram no dia em que o ministro da Defesa Yoav Gallant partiu para Washington, onde se encontra hoje com o homólogo Lloyd Austin, com o secretário de Estado Antony Blinken e com o chefe da CIA William Burns. “As reuniões serão cruciais para a guerra”, estimou Gallant.

cesar.avo@dn.pt 

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