Esta semana, a Igreja Católica vai escolher o novo papa. Entre os papabili encontra-se o cardeal Luis Antonio Tagle. Acredita que é possível um papa filipino?Já viu o filme Conclave? Muita gente viu o filme quando estreou, mas mais pessoas estão a tentar vê-lo agora, simplesmente por causa do que aconteceu com o papa Francisco. E, quem vir o filme, vai perceber que o Conclave não é verdadeiramente uma campanha eleitoral para escolher quem será o próximo papa. O ideal é que os cardeais rezem. O ideal é que esperem pelo sinal de Deus, sobre quem deve ser o próximo papa. Não importa a cor, não importa a orientação política. Se, nas suas orações, os cardeais sentirem que alguém deve ser o próximo papa, votarão nele. Claro que este é o cenário ideal. Mas os cardeais, como nós, também são humanos, e têm certas perspetivas sobre este cardeal, ou sobre aquele cardeal, por que é que estão a votar nesta pessoa, por que é que estão a votar naquela e não noutra. Tudo isto terá influência no ato de escolha do novo papa, por que não estão a concorrer determinados candidatos. Todos no Conclave podem ser papas, e sim, há uma possibilidade de ser um filipino.O cardeal Tagle representa a nação da Ásia com mais católicos e até um dos países do mundo com mais católicos. Como é que os filipinos olham para este cardeal?Honestamente, os filipinos não podiam estar mais entusiasmados. Tenho a certeza de que todos estão a torcer, nas Filipinas, para que o cardeal Tagle seja eleito o novo papa. Estão entusiasmados com a perspetiva de ver um asiático a liderar a Igreja Católica Romana. A Igreja Católica Romana é uma Igreja de base Ocidental e, esta, poderá será a primeira vez na História que terá alguém do Extremo Oriente à frente dela. Sente-se o imenso orgulho que os filipinos têm em torcer e em rezar para que o cardeal Tagle seja eleito. Qual a importância do catolicismo na identidade nacional das Filipinas, país visitado por Francisco, mas também por João Paulo II e Paulo VI?Grande. Cresci nos anos 70 e 80, uma época em que a Igreja Católica era a maior Igreja. Ainda é a maior Igreja das Filipinas. Nós fomos colonizados pelos espanhóis e depois pelos americanos. E, sob o domínio dos espanhóis, éramos muito católicos, ou seja, o habitual: Jesus Cristo, como Salvador, e a Virgem Maria muito importante. E como pode ver neste quadro [aponta para a parede do escritório], a Virgem Maria desempenha um papel muito importante na vida filipina. Esta é a Senhora da Penha de França. Em todas as cidades, em todos os bairros das Filipinas, temos santos, temos a Santíssima Virgem Maria, temos Jesus Cristo como figura religiosa central. A religião está no centro da vida das pessoas. E foi passado isso até à Geração Alfa. Os católicos ainda são maioritários, mas há novos grupos de cristãos, novas igrejas. Mas todas são muito semelhantes na perspetiva, olhando para Jesus Cristo como o Salvador, que é o coração e a alma da fé cristã. O catolicismo impregna a nossa vida religiosa, a nossa vida familiar, o nosso pensamento, a nossa vida social, as nossas instituições. As Filipinas, por exemplo, são o único país do mundo, para além do Vaticano, sem divórcio. Até agora, a lei não conseguiu ser aprovada no Parlamento por causa da influência do pensamento católico entre o eleitorado filipino.Esse catolicismo é o legado de mais de 300 anos de colonização espanhola. Mas a primeira missa católica foi rezada por um português, Fernão de Magalhães. Como é a relação entre as Filipinas e Portugal? Sei que há muitos filipinos interessados em visitar Fátima.Os filipinos sabem que Magalhães não era espanhol. Empunhava a bandeira espanhola, mas era português. Hoje Portugal é conhecido por causa de Fátima. Mais uma vez, a fé católica é tão importante que, se tiverem de visitar Portugal, Fátima será a razão número um. Depois vem o resto do país, por muito belas e interessantes que sejam as cidades. Quando se fala da Santíssima Virgem Maria, fala-se logo de Fátima. É um dos centros de fé de muitos filipinos.Há uma pequena comunidade filipina em Portugal. Como se integram na sociedade portuguesa?Muitos estão cá há 15, 20 anos. Muitos deles já são cidadãos portugueses. Muitos filipinos são casados com cidadãos portugueses. E há quem fale português. Claro que não são falantes nativos do português, mas conseguem comunicar. E muitos também têm filhos que já são portugueses. E estas são crianças trilingues. Falam português, inglês e tagalog ou filipino. Acredito que muitos estão também a considerar Portugal como um local para investir. Temos muitos filipinos que estão aqui com o estatuto de Visto Gold. Compraram apartamentos há cinco, seis anos e agora estão aqui todos os anos à espera da cidadania. Estão cá porque querem viver a vida em Portugal.E sobre os laços económicos, apesar da grande distância, há algum comércio entre os dois países?Sim, e estou a trabalhar para aumentar esse comércio. Há semanas, lançámos a Câmara de Comércio Filipinas-Portugal, que reúne empresários de Portugal que desejam ver as Filipinas como parceira para o comércio, seja importação ou exportação, ou para qualquer tipo de cooperação. Também contou com o apoio do Consulado Honorário de Portugal em Manila.Não existe atualmente uma Embaixada Portuguesa em Manila?Não. Só existe em Jacarta, na Indonésia. Mas o cônsul honorário em Manila chama-se Ramon Garcia, é um grande amigo, veio cá e falou com alguns empresários daqui. E, de repente, conseguiram formar um pequeno grupo para começar, sob a égide da Câmara de Comércio Portuguesa. E espero que se desenvolva mais partilha de interesses entre as Filipinas e Portugal. Uma das coisas que eu acho que tem muito potencial para Portugal vender nas Filipinas é o vinho. Somos um país de maioria católica, somos os únicos na região que bebem muito vinho. Mas a maioria dos vinhos à venda nas Filipinas são australianos, americanos, chilenos, franceses, italianos e espanhóis. Quando aqui cheguei não sabia que Portugal tinha bons vinhos de mesa. Na verdade, em Manila, quando se fala de Portugal, fala-se de Vinho do Porto, sabe? Mas é um vinho doce. Não sabia que vocês tinham vinho de mesa tão bom. E falei disso. Um empresário filipino começou a importar alguns vinhos portugueses, de Setúbal.As Filipinas são um país grande, com mais de 100 milhões de pessoas. Mas estão numa região muito complicada, onde há um choque crescente de interesses entre os Estados Unidos, aliado tradicional, e a China, a grande potência asiática. Como é que as Filipinas lidam com americanos e chineses?Bem, tem muito a ver com diplomacia, obviamente. Com saber usá-la. E digo obviamente porque comparando com os Estados Unidos e a China, as Filipinas são um país pequeno. Temos menos de um décimo da população da China. A China tem quase 1,5 mil milhões. Somos 120. Os Estados Unidos têm mais de 300 milhões de habitantes num país enorme. E somos pequenos em área. E a nossa economia é pequena perante as dos Estados Unidos e da China. E temos também ao lado um irmão muito grande, a Indonésia. Duas vezes mais populosa do que as Filipinas. A área também é enorme. Portanto, há equilíbrios a manter. Mas, no final de tudo, espera-se que, ao equilibrar tudo, tudo também corra bem para o povo filipino. Tudo tem de funcionar de forma a sustentar a identidade filipina, a mentalidade filipina, as tradições e o legado filipino. E isso é algo que é preciso ter a certeza de que vai durar. Se daqui a 100 ou 200 anos as tradições e a cultura filipinas ainda lá estiverem, então significa que tivemos sucesso.Mas é possível dizer que, quando o filipino olha para um país como referência, um país para emigrar, serão os Estados Unidos? Para os filipinos ainda existe o sonho americano?Muitos filipinos ainda olham para os Estados Unidos. Simplesmente, porque a cultura filipina, depois da Guerra Hispano-Americana de final do século XIX, passou de uma mentalidade muito hispânica para uma muito americana. Portanto, é a língua, os filmes, a cultura. E o sonho de muitos filipinos de ir trabalhar para os Estados Unidos ainda está lá. Claro, agora é mais global. Agora há mais filipinos à procura de outros países. Mas, mais do que qualquer outra coisa, ainda são os Estados Unidos. Na verdade, a maior comunidade filipina ainda se encontra nos Estados Unidos e no Canadá, na América do Norte. Portanto, quase temos a mesma cultura, a mesma mentalidade, o mesmo tipo de tradições, mas com um toque asiático e hispânico. Assim são as Filipinas.Têm uma tradição de política dinástica, que não é incomum na Ásia, basta olhamos para o Paquistão, para a Índia, para o Bangladesh, para a própria Indonésia. Mas a democracia funciona e elegeram o presidente Ferdinand Marcos Jr. O que distingue as Filipinas de hoje das dos anos 80, a era do primeiro Ferdinand Marcos?Nos anos 80, estava tudo menos globalizado e politicamente o mundo estava divididos em dois blocos. Era a Guerra Fria. Portanto, ou se estava com os Estados Unidos ou se estava com a União Soviética. E as Filipinas estavam do lado americano. Esta era a realidade. Agora os Estados Unidos ainda são uma superpotência. A Rússia não é como a União Soviética. E temos a China, muito poderosa. Os desafios eram diferentes nos anos 60, 70 e 80. Totalmente diferentes de agora. Mas uma coisa é clara: os governos, seja em que época for, têm de trabalhar para os filipinos. A população não chegava aos 50 milhões em 1980. Agora é duas vezes mais, mais do que isso até, 120 milhões, e este número continua a crescer. O desafio de produzir para as pessoas é maior hoje em dia do que era.E a sociedade filipina é mais fiscalizadora do poder?Sim. A sociedade filipina está mais interventiva do que nunca. Principalmente agora, que temos as redes sociais. Existe a possibilidade, para as pessoas, de participarem em conversas online e tudo o mais, expressando a sua opinião, expressando o que acham que deve acontecer. Assim, temos mais pessoas a participarem no debate sobre governação, o que deve ser feito na economia, na defesa ou na política externa. Portanto, temos mais pessoas a pensarem e a esperar que o que dizem possa levar a uma discussão nacional sobre os acontecimentos. E, obviamente, isto significa que os filipinos de hoje são mais livres, mais ativos e desempenham um papel maior na democracia do que no passado.Como embaixador, que comentário pode fazer à entrega pelas autoridades filipinas do ex-presidente Rodrigo Duterte ao Tribunal Internacional de Haia?Com todo o respeito, trata-se de uma decisão soberana das autoridades filipinas em Manila. .Ex-líder filipino Rodrigo Duterte detido por ordem do Tribunal Penal Internacional