Manifestação em Nantes contra a Reunião Nacional de Marine Le Pen, vencedora das eleições em França.
Manifestação em Nantes contra a Reunião Nacional de Marine Le Pen, vencedora das eleições em França.SEBASTIEN SALOM-GOMIS / AFP

Terra tremeu em França, Europa realinhou-se à direita, mas o centro resistiu

A decisão de convocar eleições antecipadas por Macron levou a pedidos semelhantes na Alemanha e em Espanha. O crescimento da direita e da extrema-direita é insuficiente para uma revolução no Parlamento Europeu, mas as políticas ambientais podem ficar em xeque.
Publicado a
Atualizado a

Consequências internas 
Os europeus foram chamados para eleger 720 deputados em Bruxelas e Estrasburgo, no entanto as leituras domésticas foram inevitáveis. O caso mais gritante foi o de França. Há muito que as sondagens apontavam para a vitória do partido de Marine Le Pen, mas a dimensão da derrota da coligação protagonizada pelo Renascimento, o partido de Emmanuel Macron, e a correlação de forças (em 81 deputados apenas 37 vão sentar-se nos grupos políticos do centro) levou o presidente a dissolver a Assembleia Nacional. “Não há uma onda de extrema-direita na Europa, mas houve um tremor de terra em França”, comentou Didrik de Schaetzen, secretário-geral da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE), que faz parte do grupo político Renew, onde se sentam os eleitos do Renascimento. 

Na Alemanha, com os eleitores preocupados sobretudo com a imigração, os partidos da chamada coligação semáforo também foram castigados, com os votos a fugirem sobretudo para a extrema-direita (Alternativa para a Alemanha, AfD), e extrema-esquerda (a Aliança Sahra Wagenknecht, o novo partido da ex-líder do partido A Esquerda). Os Verdes registaram o maior tombo, mas os sociais-democratas do SPD, que já obtiveram um resultado baixo em 2019, conseguiram baixar mais dois pontos percentuais, ficando com 13,9%. Os liberais mantiveram praticamente o mesmo resultado e, contas feitas, os partidos da coligação elegeram 31 em 96 deputados.

Markus Söder, o líder do partido democrata-cristão da Baviera, CSU, irmão da CDU, pediu para que se olhasse para o país vizinho. “Este governo está basicamente acabado. Agora tem de ser como em França: houve pedidos de novas eleições, há novas eleições convocadas por Macron”, disse Söder, que é também o chefe do governo da região da Baviera. “O nosso país precisa de um novo começo”, afirmou. A CDU e a CSU obtiveram 30%, sensivelmente o mesmo do que em 2019, e elegeram igual número de representantes, 29. No entanto, o chanceler Olaf Scholz não se mostrou sensível ao apelo dos conservadores. “Os sistemas políticos em França e na Alemanha são muito diferentes. Em nenhum momento surgiu a ideia de que poderiam ser convocadas novas eleições ou algo do género”, disse o porta-voz de Scholz, Steffen Hebestreit, que apontou para o calendário eleitoral, onde o novo escrutínio está marcado para o outono de 2025. “É isso que tencionamos fazer.” 

Em Espanha, a eleição que terá acabado de vez com o Ciudadanos (0,69% e a perda dos oito eurodeputados) reforçou o Partido Popular de Alberto Núñez Feijóo com nove representantes e a chegar na frente (como nas legislativas). Com mais quatro pontos percentuais do que o PSOE, o partido conservador pediu a demissão de Pedro Sánchez, lembrando outros tempos. “Quem tem de fazer uma reflexão é o senhor Sánchez. Quando o Partido Socialista, dirigido por Alfredo Pérez Rubalcaba, perdeu por três pontos, o secretário-geral assumiu a responsabilidade, deu um passo adiante e demitiu-se”, afirmou o porta-voz do PP Borja Sémper, em alusão às eleições europeias de 2014.

Quem se demitiu da chefia do seu partido foi Yolanda Díaz. A até agora líder do Sumar assumiu os maus resultados do partido que substituiu o Podemos como parceiro de coligação do PSOE. O Sumar perdeu quase dois terços dos votos em relação às legislativas. “É necessário um debate e com esta decisão abro o caminho”, afirmou a ministra do Trabalho, que se mantém no executivo.

Na Grécia, o partido de centro-direita Nova Democracia obteve uma “vitória pírrica”, segundo as palavras do porta-voz do governo, Pavlos Marinakis, em função da perda de 13 pontos percentuais em relação às legislativas e cinco pontos sobre as europeias anteriores. O executivo liderado por Kyriakos Mitsotakis deverá ser alvo de uma profunda remodelação. À sua esquerda, no Syriza discute-se publicamente a ideia de formar uma alternativa com os outros partidos de esquerda.

Não houve uma onda da extrema-direita

É indiscutível que a próxima legislatura do Parlamento Europeu vai ter uma configuração com mais peso à direita e na extrema-direita. Mas os ganhos não foram tão significativos a ponto de pôr em causa o peso relativo dos principais grupos, em especial o PPE, de centro-direita, que sai reforçado, e os socialistas e sociais-democratas (S&D), que registam uma perda marginal face ao final da atual legislatura. À exceção da França e da Alemanha, os resultados nos outros países foram díspares. Em Itália e nos Países Baixos mantiveram a mesma proporção à custa da transferência de votos entre os partidos de extrema-direita.

Noutros países onde se previa que tivessem um bom desempenho, casos da Bélgica, Finlândia, Suécia, República Checa, Hungria e Polónia, acabaram por não ter o apoio popular esperado. Além disso, a extrema-direita, tendo como denominador comum o nacionalismo e a oposição à atual política de imigração, tem demasiados pontos em desacordo para se tornar num só bloco. Ainda que Marine Le Pen e Giorgia Meloni cheguem a acordo e se unam num grupo político, há partidos cujas posições extremistas não são compatíveis. Seja como for, o flirt de Ursula von der Leyen com Meloni terá acabado na noite das eleições quando a presidente da Comissão disse que iria ser um bastião contra a extrema-esquerda e a extrema-direita. 

Ambiente pouco verde

Dirigentes dos Verdes alemães em conferência de imprensa um dia depois do tombo eleitoral. RALF HIRSCHBERGER / AFP

Os grandes derrotados das eleições foram os Verdes e os liberais. Mas se dos últimos já se sabe que deverão manter-se na coligação informal com os conservadores e sociais-democratas, sobre os Verdes paira uma incógnita. É verdade que nos Países Baixos uma coligação com os Verdes venceu as eleições e que noutros países do norte mantiveram ou ganharam peso, mas perderam cerca de 20 mandatos, ficando com 53.

O copresidente do grupo político, Philippe Lamberts, alerta para os tempos difíceis que se avizinham na UE no que respeita às políticas de combate às alterações climáticas. Tal como endureceram a política europeia de migração, diz, as forças nacionalistas vão tentar derrubar a meta da neutralidade carbónica para 2050. “O próximo horizonte, a próxima batalha, é, de facto, matar estas políticas verdes”, disse ao Daily Telegraph. Daí a importância de os Verdes se juntarem à coligação PPE-S&D-Renew, como defendeu o comissário do Ambiente, o lituano Virginijus Sinkevicius. 

Guerra no Parlamento

A Reunião Nacional de Marine Le Pen e a AfD, dois dos partidos que mais contribuíram para a ascensão da extrema-direita têm ligações à Rússia de Vladimir Putin - ou estão sob suspeita de tal. O partido francês recebeu milhões de euros em “empréstimos” de entidades bancárias russas (entretanto devolvidos) e é crítico do apoio de França à Ucrânia. A AfD, que está a ser investigada por suspeitas de financiamento russo, também mantém uma posição pró-russa. O porta-voz do Kremlin saudou a “dinâmica dos partidos de direita que ganham popularidade”, embora Dmitri Peskov reconheça uma maioria no Parlamento Europeu “pró-Europa e pró-Ucrânia”.

Por sua vez, o ex-presidente Dmitri Medvedev estima que as derrotas eleitorais de Macron e de Scholz são uma consequência de “políticas ineptas de apoio às autoridades banderitas [de Bandera, ultranacionalista ucraniano] da Ucrânia à custa dos seus cidadãos”.

Tiro de partida para as negociações

É na primeira sessão plenária do Parlamento, entre os dias 16 e 19 de julho, que os eurodeputados começam por eleger alguns dos lugares de topo das instituições. Não há tempo a perder: os resultados e as declarações dos dirigentes apontam para a continuidade de uma coligação entre as maiores forças políticas, mas encontrar os nomes para os cargos envolve uma delicada renda tendo em conta pelo menos os fatores geográficos, políticos e de género. 

Segundo o Politico, a primeira reunião de debate da estratégia do maior grupo político, o Partido Popular Europeu (PPE), para a sua candidata, Ursula von der Leyen, ser reeleita presidente da Comissão decorreu na segunda-feira. Além da própria, envolveu o presidente do grupo, Manfred Weber, e os chefes de Estado e de Governo do PPE. Na reunião, que se realizou por videoconferência, foi atribuído ao polaco Donald Tusk e ao grego Kyriakos Mitsotakis a tarefa de negociadores políticos, segundo a mesma fonte.

Do lado dos socialistas e sociais-democratas (S&D), os negociadores serão o espanhol Pedro Sánchez e o alemão Olaf Scholz, segundo a Lusa. 

A cimeira do G7, a decorrer entre quinta-feira e sábado numa estância de luxo, na província de Brindisi, sul de Itália, vai ser uma oportunidade para os líderes de três dos maiores países da UE começarem a apresentar as suas ideias sobre o assunto. Há relatos de que Emmanuel Macron preferia o ex-governador do BCE e ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi no lugar de von der Leyen, mas o seu poder foi diminuído nas urnas, tal como o de Olaf Scholz - pelo contrário, a anfitriã Giorgia Meloni tentará valer-se do seu novo peso, apesar de o seu partido não fazer parte de nenhum grupo político dominante.

Depois desta primeira abordagem a três, os líderes dos 27 vão reunir-se no dia 17 em Bruxelas para discussões e, por fim, realizar uma cimeira nos dias 27 e 28 com o objetivo de chegar a acordo. 

Além do principal cargo executivo, o quebra-cabeças envolve a sua nova equipa, os comissários - onde pontificará o responsável pela nova pasta da Defesa - e o chefe da diplomacia; o presidente do Conselho; e antes de mais, a presidência e vice-presidências do Parlamento. Reforçada nas urnas por um resultado histórico, a conservadora Roberta Metsola termina o seu mandato de dois anos e meio. Se o acordo entre PPE e S&D se mantiver, a maltesa dará lugar a um candidato do outro campo e esta poderá fazer parte da equipa de von der Leyen. Mas nas negociações pós-eleitorais pode dar-se o caso de Metsola se recandidatar. O precedente foi aberto com o social-democrata Martin Schulz (2012-2017).

cesar.avo@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt