Consequências internas Os europeus foram chamados para eleger 720 deputados em Bruxelas e Estrasburgo, no entanto as leituras domésticas foram inevitáveis. O caso mais gritante foi o de França. Há muito que as sondagens apontavam para a vitória do partido de Marine Le Pen, mas a dimensão da derrota da coligação protagonizada pelo Renascimento, o partido de Emmanuel Macron, e a correlação de forças (em 81 deputados apenas 37 vão sentar-se nos grupos políticos do centro) levou o presidente a dissolver a Assembleia Nacional. “Não há uma onda de extrema-direita na Europa, mas houve um tremor de terra em França”, comentou Didrik de Schaetzen, secretário-geral da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE), que faz parte do grupo político Renew, onde se sentam os eleitos do Renascimento. .Na Alemanha, com os eleitores preocupados sobretudo com a imigração, os partidos da chamada coligação semáforo também foram castigados, com os votos a fugirem sobretudo para a extrema-direita (Alternativa para a Alemanha, AfD), e extrema-esquerda (a Aliança Sahra Wagenknecht, o novo partido da ex-líder do partido A Esquerda). Os Verdes registaram o maior tombo, mas os sociais-democratas do SPD, que já obtiveram um resultado baixo em 2019, conseguiram baixar mais dois pontos percentuais, ficando com 13,9%. Os liberais mantiveram praticamente o mesmo resultado e, contas feitas, os partidos da coligação elegeram 31 em 96 deputados..Markus Söder, o líder do partido democrata-cristão da Baviera, CSU, irmão da CDU, pediu para que se olhasse para o país vizinho. “Este governo está basicamente acabado. Agora tem de ser como em França: houve pedidos de novas eleições, há novas eleições convocadas por Macron”, disse Söder, que é também o chefe do governo da região da Baviera. “O nosso país precisa de um novo começo”, afirmou. A CDU e a CSU obtiveram 30%, sensivelmente o mesmo do que em 2019, e elegeram igual número de representantes, 29. No entanto, o chanceler Olaf Scholz não se mostrou sensível ao apelo dos conservadores. “Os sistemas políticos em França e na Alemanha são muito diferentes. Em nenhum momento surgiu a ideia de que poderiam ser convocadas novas eleições ou algo do género”, disse o porta-voz de Scholz, Steffen Hebestreit, que apontou para o calendário eleitoral, onde o novo escrutínio está marcado para o outono de 2025. “É isso que tencionamos fazer.” .Em Espanha, a eleição que terá acabado de vez com o Ciudadanos (0,69% e a perda dos oito eurodeputados) reforçou o Partido Popular de Alberto Núñez Feijóo com nove representantes e a chegar na frente (como nas legislativas). Com mais quatro pontos percentuais do que o PSOE, o partido conservador pediu a demissão de Pedro Sánchez, lembrando outros tempos. “Quem tem de fazer uma reflexão é o senhor Sánchez. Quando o Partido Socialista, dirigido por Alfredo Pérez Rubalcaba, perdeu por três pontos, o secretário-geral assumiu a responsabilidade, deu um passo adiante e demitiu-se”, afirmou o porta-voz do PP Borja Sémper, em alusão às eleições europeias de 2014..Quem se demitiu da chefia do seu partido foi Yolanda Díaz. A até agora líder do Sumar assumiu os maus resultados do partido que substituiu o Podemos como parceiro de coligação do PSOE. O Sumar perdeu quase dois terços dos votos em relação às legislativas. “É necessário um debate e com esta decisão abro o caminho”, afirmou a ministra do Trabalho, que se mantém no executivo..Na Grécia, o partido de centro-direita Nova Democracia obteve uma “vitória pírrica”, segundo as palavras do porta-voz do governo, Pavlos Marinakis, em função da perda de 13 pontos percentuais em relação às legislativas e cinco pontos sobre as europeias anteriores. O executivo liderado por Kyriakos Mitsotakis deverá ser alvo de uma profunda remodelação. À sua esquerda, no Syriza discute-se publicamente a ideia de formar uma alternativa com os outros partidos de esquerda..Não houve uma onda da extrema-direita.É indiscutível que a próxima legislatura do Parlamento Europeu vai ter uma configuração com mais peso à direita e na extrema-direita. Mas os ganhos não foram tão significativos a ponto de pôr em causa o peso relativo dos principais grupos, em especial o PPE, de centro-direita, que sai reforçado, e os socialistas e sociais-democratas (S&D), que registam uma perda marginal face ao final da atual legislatura. À exceção da França e da Alemanha, os resultados nos outros países foram díspares. Em Itália e nos Países Baixos mantiveram a mesma proporção à custa da transferência de votos entre os partidos de extrema-direita..Noutros países onde se previa que tivessem um bom desempenho, casos da Bélgica, Finlândia, Suécia, República Checa, Hungria e Polónia, acabaram por não ter o apoio popular esperado. Além disso, a extrema-direita, tendo como denominador comum o nacionalismo e a oposição à atual política de imigração, tem demasiados pontos em desacordo para se tornar num só bloco. Ainda que Marine Le Pen e Giorgia Meloni cheguem a acordo e se unam num grupo político, há partidos cujas posições extremistas não são compatíveis. Seja como for, o flirt de Ursula von der Leyen com Meloni terá acabado na noite das eleições quando a presidente da Comissão disse que iria ser um bastião contra a extrema-esquerda e a extrema-direita. .Ambiente pouco verde.Dirigentes dos Verdes alemães em conferência de imprensa um dia depois do tombo eleitoral. RALF HIRSCHBERGER / AFP.Os grandes derrotados das eleições foram os Verdes e os liberais. Mas se dos últimos já se sabe que deverão manter-se na coligação informal com os conservadores e sociais-democratas, sobre os Verdes paira uma incógnita. É verdade que nos Países Baixos uma coligação com os Verdes venceu as eleições e que noutros países do norte mantiveram ou ganharam peso, mas perderam cerca de 20 mandatos, ficando com 53..O copresidente do grupo político, Philippe Lamberts, alerta para os tempos difíceis que se avizinham na UE no que respeita às políticas de combate às alterações climáticas. Tal como endureceram a política europeia de migração, diz, as forças nacionalistas vão tentar derrubar a meta da neutralidade carbónica para 2050. “O próximo horizonte, a próxima batalha, é, de facto, matar estas políticas verdes”, disse ao Daily Telegraph. Daí a importância de os Verdes se juntarem à coligação PPE-S&D-Renew, como defendeu o comissário do Ambiente, o lituano Virginijus Sinkevicius. .Guerra no Parlamento.A Reunião Nacional de Marine Le Pen e a AfD, dois dos partidos que mais contribuíram para a ascensão da extrema-direita têm ligações à Rússia de Vladimir Putin - ou estão sob suspeita de tal. O partido francês recebeu milhões de euros em “empréstimos” de entidades bancárias russas (entretanto devolvidos) e é crítico do apoio de França à Ucrânia. A AfD, que está a ser investigada por suspeitas de financiamento russo, também mantém uma posição pró-russa. O porta-voz do Kremlin saudou a “dinâmica dos partidos de direita que ganham popularidade”, embora Dmitri Peskov reconheça uma maioria no Parlamento Europeu “pró-Europa e pró-Ucrânia”..Por sua vez, o ex-presidente Dmitri Medvedev estima que as derrotas eleitorais de Macron e de Scholz são uma consequência de “políticas ineptas de apoio às autoridades banderitas [de Bandera, ultranacionalista ucraniano] da Ucrânia à custa dos seus cidadãos”..Tiro de partida para as negociações.É na primeira sessão plenária do Parlamento, entre os dias 16 e 19 de julho, que os eurodeputados começam por eleger alguns dos lugares de topo das instituições. Não há tempo a perder: os resultados e as declarações dos dirigentes apontam para a continuidade de uma coligação entre as maiores forças políticas, mas encontrar os nomes para os cargos envolve uma delicada renda tendo em conta pelo menos os fatores geográficos, políticos e de género. Segundo o Politico, a primeira reunião de debate da estratégia do maior grupo político, o Partido Popular Europeu (PPE), para a sua candidata, Ursula von der Leyen, ser reeleita presidente da Comissão decorreu na segunda-feira. Além da própria, envolveu o presidente do grupo, Manfred Weber, e os chefes de Estado e de Governo do PPE. Na reunião, que se realizou por videoconferência, foi atribuído ao polaco Donald Tusk e ao grego Kyriakos Mitsotakis a tarefa de negociadores políticos, segundo a mesma fonte..Do lado dos socialistas e sociais-democratas (S&D), os negociadores serão o espanhol Pedro Sánchez e o alemão Olaf Scholz, segundo a Lusa. A cimeira do G7, a decorrer entre quinta-feira e sábado numa estância de luxo, na província de Brindisi, sul de Itália, vai ser uma oportunidade para os líderes de três dos maiores países da UE começarem a apresentar as suas ideias sobre o assunto. Há relatos de que Emmanuel Macron preferia o ex-governador do BCE e ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi no lugar de von der Leyen, mas o seu poder foi diminuído nas urnas, tal como o de Olaf Scholz - pelo contrário, a anfitriã Giorgia Meloni tentará valer-se do seu novo peso, apesar de o seu partido não fazer parte de nenhum grupo político dominante..Depois desta primeira abordagem a três, os líderes dos 27 vão reunir-se no dia 17 em Bruxelas para discussões e, por fim, realizar uma cimeira nos dias 27 e 28 com o objetivo de chegar a acordo. .Além do principal cargo executivo, o quebra-cabeças envolve a sua nova equipa, os comissários - onde pontificará o responsável pela nova pasta da Defesa - e o chefe da diplomacia; o presidente do Conselho; e antes de mais, a presidência e vice-presidências do Parlamento. Reforçada nas urnas por um resultado histórico, a conservadora Roberta Metsola termina o seu mandato de dois anos e meio. Se o acordo entre PPE e S&D se mantiver, a maltesa dará lugar a um candidato do outro campo e esta poderá fazer parte da equipa de von der Leyen. Mas nas negociações pós-eleitorais pode dar-se o caso de Metsola se recandidatar. O precedente foi aberto com o social-democrata Martin Schulz (2012-2017)..cesar.avo@dn.pt