Tarcisismo. O movimento que pode abalar os planos de Lula

Tarcisismo. O movimento que pode abalar os planos de Lula

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e bolsonarista com verniz, tem capacidade para atrair o centro político nas próximas presidenciais para inquietação do atual presidente. Eleição municipal na cidade, em outubro, servirá como primária.
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Com Jair Bolsonaro inelegível e Tarcísio de Freitas na calha para concorrer às próximas presidenciais, o bolsonarismo pode ser um fenómeno político do passado e o tarcisismo a corrente do futuro. Erguida em torno do atual governador do estado de São Paulo - e ex-ministro de Jair Bolsonaro - o tarcisismo vem sendo descrito como um bolsonarismo maquilhado ou um bolsonarismo que sabe comer de garfo e faca e por isso capaz de atrair o decisivo centro político brasileiro - e, dessa forma, colocar em risco a reeleição anunciada de Lula da Silva.     

“Tarcísio seduz o eleitor centrista da cidade de São Paulo, que em certa medida deu a vitória à esquerda, já que Bolsonaro ganhara lá em 2018 e Lula ganhou lá em 2022, talvez não tenha penetração no Nordeste mas na cidade de São Paulo, fiel da balança, tem”, diz ao DN o politólogo Vinícius Vieira, que cunhou o termo “tarcisismo” em artigo no site Jota.

Se Tarcísio, na qualidade de herdeiro de Bolsonaro, já conquista o Brasil dos cinco B, referência a bife (latifundiários e pecuaristas), a bala (militares e polícias), a bíblia (evangélicos e católicos mais fervorosos), a branquitude (o sul descendente de europeus) e a boçalidade (radicais que perpetraram, por exemplo, o 8 de janeiro), “atrai ainda a base do PSDB que sempre resistiu a que o partido de Fernando Henrique Cardoso fosse de esquerda e os órfãos do malufismo”, neologismo em torno de Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo que queria a polícia ostensiva na rua, entre outras medidas. Segundo o professor da Fundação Armando Álvares Penteado, “pode captar, portanto, o eleitorado de Simone Tebet, não ela, que é ministra do Lula, mas os 4% que ela obteve em 2022”.

Lula, entretanto, não acredita que Tarcísio, ainda em primeiro mandato no governo paulista, seja candidato à presidência da República, em 2026, segundo Paulo Capelli, colunista do jornal Metrópoles. “O entorno do presidente avalia que o caminho natural do governador de São Paulo seja tentar a recondução ao cargo, evitando o risco maior que correria numa acirrada disputa ao Planalto sem a máquina federal a seu favor”. Mas, adverte Capelli, Tarcísio pode arriscar “caso o cenário lhe seja favorável”. “E é justamente por causa disso que o governo Lula acendeu o alerta após recentes pesquisas, como DataFolha e Quaest, sobre o cenário político”, completa.

Nessas sondagens, o Datafolha mostrou que a taxa de aprovação do governo Tarcísio vem crescendo na cidade de São Paulo: era de 36% em maio, contra 30% em agosto de 2023. No mesmo período e no mesmo local, a taxa de aprovação do governo Lula recuou de 45% para 35%, segundo o levantamento que ouviu 1092 paulistanos de todas as classes sociais e de todas as regiões da cidade. Para 46% dos entrevistados na pesquisa Genial/Quaest, que entrevistou 2045 brasileiros no início de maio, o voto na eleição de 2026 será em Lula. Mas 40% já dizem escolher Tarcísio, caso ele opte por concorrer.

Nos últimos dias, Lula reagiu: em entrevista à rádio CBN disse que será “candidato em 2026 se for para impedir que os trogloditas que governaram este país voltem”. “Nesse caso, os meus 80 anos de idade transformam-se logo em 40 e avanço”. E ainda se reuniu com Fernando Henrique Cardoso, presidente da República com quem travou - e perdeu - duas eleições presidenciais e a quem sucedeu em 2003. “Lula parece ter compreendido que precisa dos órfãos do PSDB, de centro-esquerda, para combater a direita”, escreveu Merval Pereira, articulista de O Globo.

Lula, presidente da República e líder espiritual do PT, e Tarcísio, governador do estado mais populoso e mais rico pelo Republicanos mas supostamente em trânsito para o PL, de Bolsonaro, vêm mantendo boa relação institucional - fotografia do segundo a rir-se de piadas do primeiro num evento até caíram mal no bolsonarismo profundo. Nos últimos dias, porém, a presença de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, num jantar em sua honra na casa de Tarcísio irritou Lula. “O que é importante é saber a quem esse rapaz [Campos Neto] é submetido, como é que ele vai numa festa em São Paulo quase que assumindo a candidatura a um cargo do governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele?”, questionou Lula, enquanto na imprensa se especulou que Campos Neto seria o ministro da Economia em eventual governo de Tarcísio.

Tarcísio, 49 anos, engenheiro, capitão do exército e funcionário público de carreira, foi diretor-geral do departamento de infraestrutura de transportes durante o governo Dilma Rousseff. Em 2016, passou a secretário do programa de privatizações, concessões e desestatizações, já no governo de Michel Temer. E, em novembro de 2018, foi anunciado como ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. Elogiado pelo então presidente, acabou escolhido como candidato da extrema-direita ao governo de São Paulo contra Fernando Haddad, o protegido de Lula - e ganhou.  

“Mas é a mais perigosa expressão do bolsonarismo”, escreveu Luís Nassif, no site de esquerda Brasil 247, “e, no governo de São Paulo, tem colocado em prática o que aprendeu com o bolsonarismo”. Para Ricardo Noblat, colunista do Metrópoles, Tarcísio “é um bolsonarista, com uma tinturazinha de direita civilizada”. “Com Tarcísio, que deve a sua eleição a Bolsonaro, a quem serviu como ministro, a Polícia Militar de São Paulo passou a matar livremente sem ter que dar satisfação a ninguém. No primeiro trimestre de 2024, o número de mortes por ação policial aumentou de 75 para 179, 180% a mais do que no primeiro trimestre de 2023. O que disse Tarcísio a respeito: ‘o pessoal pode ir queixar-se à ONU, à Liga da Justiça ou ao raio que o parta, que eu não estou nem aí’”.

Segundo Vinícius Vieira, “as eleições municipais em São Paulo, marcadas para outubro, serão uma espécie de primárias”. De um lado está Ricardo Nunes (MDB), o atual prefeito, apoiado pelo governador Tarcísio e pelo ex-presidente Bolsonaro, que indicou como candidato a vice um ex-comandante da polícia, e, do outro, Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal, ex-candidato presidencial, considerado eventual sucessor de Lula como liderança à esquerda, e com uma vice do PT.  

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