Sturgeon e Salmond: guerra ameaça luta pela independência escocesa
A história envolve denúncias de abusos sexuais, uma investigação rodeada de polémica, uma absolvição em tribunal e acusações de um antigo mentor à sua protegida. Ele é Alex Salmond, ex-líder do Partido Nacionalista Escocês (SNP, na sigla inglesa). Ela é a sua sucessora e atual chefe do governo da Escócia, Nicola Sturgeon. As acusações ameaçam ensombrar as eleições legislativas previstas para 6 de maio, ponto de partida para um novo referendo à independência.
Sturgeon vai ser ouvida nesta quarta-feira numa comissão parlamentar de inquérito que investiga a forma como o governo escocês lidou com as denúncias de abuso sexual contra Salmond. Na passada sexta-feira, nessa mesma comissão, o antigo chefe de governo - que há um ano foi ilibado em tribunal - acusou a sucessora de mentir. Em causa está o momento em que terá sabido das denúncias contra Salmond, sendo os aliados de Sturgeon acusados de conluio para o forçar a deixar a vida pública.
A líder do SNP já negou ter violado o código ministerial e considera uma "conspiração" as denúncias de Salmond, mas as explicações que der esta hoje serão cruciais para conseguir sobreviver à polémica. Os nacionalistas escoceses estão à frente nas sondagens para as eleições de 6 de maio, onde esperam conquistar uma maioria absoluta que lhes permita forçar um novo referendo sobre a independência da Escócia. Um resultado abaixo disso dará argumentos a Londres para reiterar o "não" a nova consulta popular, menos de dez anos depois da anterior. Este caso revela fraturas dentro do SNP que até agora não eram visíveis e podem deixar marcas.
Em agosto de 2018, veio a público que o governo tinha investigado Salmond por duas acusações de má conduta sexual quando era primeiro-ministro da Escócia (entre 2007 e 2014, demitiu-se após a vitória do "não" à independência no referendo de setembro desse ano). A investigação surgiu após a aprovação de uma nova lei, no rescaldo do movimento #Metoo, que tinha carácter retroativo.
Salmond não só negou as acusações como acusou o governo de perseguição e, em janeiro de 2019, o tribunal concluiu que a investigação era ilegal, porque o responsável tinha tido contactos prévios com uma das acusadoras - o Estado teve de pagar mais de 500 mil libras de custas judiciais do processo. Nesse mesmo mês, o antigo líder seria detido e acusado de 14 crimes (um viria a cair), incluindo uma tentativa de violação e 11 agressões sexuais, contra nove mulheres. No julgamento, em março de 2020, em que admitiu ter tido um caso extramatrimonial com uma das acusadas e disse que as acusações eram "exageros", Salmond foi ilibado dos crimes.
Número dois de Salmond desde 2004, Sturgeon sucedeu-lhe na liderança do partido e do governo em novembro de 2014. Ele alega que ela violou o código ministerial em várias ocasiões, desde logo sobre o momento em que soube das acusações contra - aparentemente terá sido numa reunião com o antigo chefe de gabinete de Salmond, Geoff Aberdein, em final de março de 2018, mas a líder do SNP disse no parlamento que tinha sabido apenas quatro dias depois, pelo próprio antecessor. Mais tarde, Sturgeon disse ter-se esquecido daquela primeira reunião.
O código ministerial diz que todas as reuniões da chefe de governo devem ser registadas (esta não foi). Quem violar este código deve, à partida, demitir-se, mas Sturgeon é popular entre o eleitorado. Mas caso haja dúvidas sobre o seu comportamento, isso poderá custar-lhe votos preciosos. Independentemente do que aconteça, este será um argumento que a oposição irá aproveitar para usar durante a campanha eleitoral.
Além disso, Salmond alega que houve um "esforço deliberado, prolongado, malicioso e concertado entre um grupo de indivíduos dentro do governo escocês e do SNP" para destruir a sua "reputação" e até mesmo para o deterem. Entre as pessoas que acusa estará o próprio marido de Sturgeon, Peter Murrell, que é diretor executivo do SNP. É acusado de ter enviado mensagens de telemóvel em que parece querer pressionar a polícia para que atuasse contra Salmond.
Durante a sua intervenção na comissão parlamentar de inquérito, que durou seis horas, o antigo líder alegou que "houve pressão sobre a polícia, pressão sobre as testemunhas" e até "criação de provas e unificação do discurso" contra ele. Contudo, Salmond também admitiu que não tinha provas de que a própria Sturgeon estivesse envolvida nessas manobras.