Quase um ano depois de ser eleito primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer sobreviveu (não sem mazelas) a uma rebelião de dezenas de deputados trabalhistas. A proposta de reforma da Segurança Social passou uma votação no Parlamento, mas só depois de terem sido completamente suavizados os cortes que estavam previstos, após mais de 120 deputados (quase um terço da bancada do Labour) terem ameaçado travar o projeto. A oposição conservadora falou numa “capitulação”.Starmer defendeu que as reformas agora aprovadas estão “desenhadas para ajudar aqueles que podem trabalhar a voltar ao trabalho e garantir dignidade e segurança aos que não podem trabalhar”. Mas os “rebeldes” no Parlamento consideram que a proposta foi apressada, tendo tentado obrigar o Governo a retirar o projeto de lei. Mas a emenda nesse sentido foi chumbada por 328 votos contra 149 (incluindo 42 trabalhistas) e depois a proposta foi aprovada com o votos a favor de 335 e os contra de 260 (entre eles 49 trabalhistas). O problema é que esta não é a primeira vez que recua numa política – já o fez também no corte dos apoios energéticos para os reformados – e isso deixa-o fragilizado, apesar da enorme maioria que tem no Parlamento (403 dos 650 deputados).Além disso, as mudanças saiem caras: antes das cedeências de última hora, já se previa que pudesse custar três mil milhões dos cinco mil milhões de libras que Starmer previa poupar até 2030. Depois das últimas cedências, a poupança pode ser quase nula. Eisso vai obrigar a ministra das Finanças a arranjar o dinheiro noutro lugar.A líder dos conservadores, Kemi Badenoch, lamentou que o Governo tenha perdido a oportunidade de fazer uma reforma séria. “O que já foi uma rede de segurança, tornou-se numa armadilha. Um sistema desenhado para proteger os mais vulneráveis encoraja agora a dependência e está a arrastar o país para mais dívida”, disse.Uma sondagem YouGov indica que, quase um ano após as eleições de 4 de julho, 61% dos britânicos desaprovam o trabalho do Governo. Se as eleições fossem hoje, 26% dos inquiridos votariam no Reform UK de Nigel Farage e o Labour não iria além dos 24%. Os conservadores teriam 17%, apenas um ponto à frente dos liberais-democratas (16%). Mudanças no projetoMas afinal o que dizia o projeto original e o que diz agora? Em causa está o chamado Pagamento de Independência Pessoal (PIP), pago a 3,7 milhões de pessoas com problemas de saúde física ou mental de longa duração (tem vários componentes que podem ser somados e variam entre 29,20 e 110,40 libras por semana – de cerca de 34 a 129 euros). O Governo quer apertar as regras para o pagamento mas, numa das concessões, decidiu que estas só se aplicam aos novos casos – não aos já existentes. E só depois de uma revisão do processo e não já a partir do próximo ano. Há ainda o Crédito Universal, um pagamento para ajudar com os custos de vida de quem tem baixos rendimentos, está desempregado ou não pode trabalhar. O nível básico é de 400,14 libras por mês (466 euros). Mas, em caso de incapacidade, o valor mais do que duplica. A proposta passa por cortar nestes apoios, especialmente no caso de novos pedidos, com os críticos a falar em discriminação. Mesmo com as alterações, as contas do Governo sugerem que, até 2030, a reforma poderá empurrar 150 mil pessoas para situação de pobreza relativa (antes das mudanças, o número era de 250 mil pessoas).O projeto inclui também financiamento para tentar levar as pessoas de volta ao mercado de trabalho, abrindo a porta ao “direito a tentar”, segundo o qual não haverá uma penalização financeira para aqueles que aceitam um emprego que acaba por não resultar. O primeiro-ministro britânico considera a reforma da Segurança Social um “imperativo moral”, diante dos custos crescentes – a previsão é que chegue a 72,3 mil milhões de libras (84 mil milhões de euros) em 2029-2030. Em 2019, quase três milhões de pessoas com idades entre os 16 e os 64 anos recebiam benefícios (1 em 13). Em março, esse número já chegava perto dos quatro milhões (1 em 10), com um aumento significativo das pessoas que alegavam problemas mentais. Uma sondagem YouGov indica que os britânicos são contra os cortes nos benefícios (40%-26%), mas estão divididos sobre se questões mentais devem ou não ser tidas em conta. 44% dos inquiridos acham que não devem nunca ou só em raras exceções, com 49% a ser a favor de as incluir sempre ou quase sempre, exceto em alguns casos.