Situação "calma" após tentativa de golpe em São Tomé e Príncipe

Um dos alegados mandantes do ataque foi morto quando supostamente tentava fugir. Mas advogado de outro detido, o ex-líder da Assembleia, alega que foi "torturado até à morte".

Quatro homens atacaram esta sexta-feira de madrugada um quartel do Exército em São Tomé e Príncipe, no que o primeiro-ministro Patrice Trovoada (que voltou pela quarta vez ao poder há duas semanas), disse ter sido "uma tentativa de golpe" de Estado. Os quatro atacantes morreram, assim como um dos alegados mandantes da ação que tinha sido detido, Arlécio Costa, antigo oficial do extinto "Batalhão Búfalo" - já condenado em 2009 por outra tentativa de golpe há quase 20 anos. Outro dos supostos responsáveis, o ex-presidente da Assembleia Nacional e atual deputado do movimento Basta, Delfim Neves, também foi preso.

O ataque ocorreu pelas 00.40 locais (a mesma hora em Lisboa), tendo a situação ficado resolvida já pelas 06.00, após a intervenção dos fuzileiros, indicaram fontes à agência Lusa. Os assaltantes, que alegadamente procuravam mais armas, terão atuado com a cumplicidade de militares no interior do quartel, tendo pelo menos três cabos sido detidos, segundo a mesma fonte. No exterior, cerca de 12 homens aguardavam, em carrinhas, tendo alguns fugido durante o tiroteio.

Os quatro homens que atacaram o quartel fizeram o oficial de dia refém, tendo este ficado ferido com gravidade devido a agressões. Os quatro ficaram alegadamente feridos quando os fuzileiros fizeram explodir a porta da sala onde estava, acabando mais tarde por morrer. Antes, terão denunciado os mandantes da operação, que foram detidos ao início da manhã. Arlécio Costa, que já tinha estado também por detrás da tentativa de golpe de 2003, terá sido abatido quando tentava fugir do quartel onde estava preso, segundo a rádio Voz da América.

Na sua primeira intervenção aos jornalistas, Trovoada disse que o ataque tinha sido perpetrado por "um grupo de quatro elementos ligados ao famoso e triste grupo dos Búfalos", quando outros esperavam no exterior por mais armas. O Batalhão Búfalo foi um batalhão de infantaria do exército sul-africano, formado em 1975 e desmantelado em 1993. Contava entre os seus elementos com angolanos ligados à Frente Nacional de Libertação de Angola e outros estrangeiros, tendo atuado na guerra civil angolana e na luta armada contra regimes marxistas a mando do governo do apartheid. Em São Tomé e Príncipe, terão lutado contra o regime de partido único que resultou da independência, em 1975.

Além de Arlécio Costa, foi detido o ex-líder da Assembleia Nacional, Delfim Neves, apontado como outro dos alegados mandantes. O seu advogado, Hamilton Vaz, exigiu a sua libertação, lembrando que ele é deputado e goza de imunidade parlamentar. "Há um Ministério Público para investigar num Estado de Direito democrático. Há tribunais para investigar, ou então rasguemos a Constituição e falemos à comunidade internacional que não existe Constituição na República Democrática de São Tomé e Príncipe", afirmou, citado pelo portal de notícias Téla Nón.

À Lusa, o advogado disse temer pela vida do cliente, ao qual não tinha tido ainda acesso. "Delfim Neves está detido no quartel, sob uma coação psicológica terrível. Não conseguimos aferir se está sob coação física, se está a ser torturado...", afirmou. Sobre a morte de Arlécio Costa, disse ter visto "imagens horrorosas", que têm circulado nas redes sociais, afirmando que este foi "torturado até à morte".

Condenação

"Quero dizer aos são-tomenses, os que residem no país, e à comunidade estrangeira, que a situação está controlada, está calma", afirmou Trovoada, quando ainda não tinham surgido notícias de mortes. O líder da Ação Democrática Independente (ADI) assumiu há duas semanas o cargo de primeiro-ministro após ter conquistado a maioria absoluta nas legislativas de 25 de setembro - já tinha estado no poder em 2008, entre 2010 e 2012 e de 2014 a 2018.

O Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata, do ex-primeiro-ministro Jorge Bom Jesus, condenou "veementemente" e demarcou-se da "ação covarde de alteração da ordem constitucional". O maior partido da oposição pediu ainda, em comunicado a que a Lusa teve acesso, que se "abram de imediato investigações rigorosas, transparentes e imparciais, sem aproveitamento político", para identificar "os autores morais e materiais".

O chefe da diplomacia portuguesa, João Gomes Cravinho, condenou a "perturbadora" tentativa de golpe, apelando ao respeito da ordem constitucional. O representante especial da ONU para a África Central, o nigeriano Abdou Abarry, e o presidente da organização regional da Comunidade Económica dos Estados da África Central, o angolano Gilberto Veríssimo, viajam este sábado até São Tomé e Príncipe para avaliar a situação num país que costuma ser elogiado pela sua democracia parlamentar e estabilidade política.

susana.f.salvador@dn.pt

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