Sete anos depois de fugir, Puigdemont regressa à Catalunha sob ameaça de prisão
Com um mandado de detenção ativo por alegado peculato, o ex-líder da Generalitat Carles Puigdemont sabia que seria preso no regresso à Catalunha. Sete anos depois de ter fugido escondido na mala de um carro para a Bélgica, após o referendo e a declaração de independência de 2017, o ex-líder do governo catalão anunciou esta quarta-feira que voltava a casa para o debate de investidura do socialista Salvador Illa. A polícia tinha ordens para o deter à primeira vista, fosse na fronteira entre França e Espanha, no evento convocado pelos apoiantes junto ao Parlamento ou quando tentasse entrar no edifício.
“Em condições de normalidade democrática, um deputado como eu anunciar a sua intenção de assistir a esta sessão seria desnecessário, seria irrelevante. Mas as nossas não são condições de normalidade democrática”, disse Puigdemont num vídeo partilhado nas redes sociais, lembrando que o deputado Lluis Puig, ex-membro do governo regional, também não pode “assistir livremente” ao debate de investidura.
O ex-presidente da Generalitat queixa-se da “longa perseguição” de que é alvo por ter permitido que os catalães votassem no referendo - considerado ilegal pelo governo espanhol. E critica o Supremo Tribunal por “se negar a obedecer à lei da amnistia que foi aprovada e está em vigor”. O Junts per Catalunya negociou essa lei em troca do apoio a um novo mandato do primeiro-ministro Pedro Sánchez. A lei foi aprovada, mas o juiz Pablo Llarena, do Supremo, alega que não se aplica ao crime de peculato - apenas ao de desobediência. E manteve o mandado de detenção.
Puigdemont anunciou o seu regresso diante do risco de uma detenção “arbitrária e ilegal”, considerando que esta é a prova de uma “anomalia democrática” que tem o “dever de denunciar e combater”. Não por ser “independentista”, mas “democrata”.
O anúncio do ex-presidente da Generalitat, onde diz que já iniciou “a viagem de regresso do exílio” e não é claro onde está, surgiu depois de o Parlamento confirmar o debate de investidura de Illa para hoje. Mas o regresso de Puigdemont pode alterar o plano. O Junts, que preside ao parlamento com Josep Rull, avisou que pedirá a suspensão da sessão se o seu líder for preso.
Caso ele consiga entrar no Parlamento sem ser detido, Rull pode travar a entrada da polícia no edifício, permitindo que o debate avance e a intervenção do ex-líder. Illa tem garantida a investidura, depois de ter chegado a acordo com a Esquerda Republicana da Catalunha. Um acordo que dividiu ainda mais os independentistas, com Puigdemont a acusar o partido do líder catalão, Père Aragones, de viabilizar um governo “espanholista”.
Para tentar “blindar” a entrada de Puigdemont, foram convocados os seus apoiantes e membros da sociedade civil independentista. O ponto de encontro é às 9.00 (8.00 em Lisboa) - uma hora antes do debate de investidura - no Passeig Lluís Companys (rua batizada em nome do presidente da Generalitat durante a Guerra Civil, que viveu no exílio e acabou fuzilado). Os Mossos d’Esquadra, a polícia catalã, reforçaram a segurança em torno do edifício do Parlamento, bloqueando todas as entradas exceto uma.
Se Puigdemont for preso, como é esperado, será presente a um juiz, que comunicará com o Supremo a detenção. Caberá a este tribunal decidir a situação do detido, seja a transferência para ser ouvido em Madrid (apesar de o juiz Llarena ter sido visto na Catalunha), libertá-lo e convocar para que seja presente ao Supremo numa data posterior ou decidir a sua prisão preventiva, alegando, nomeadamente, risco de fuga.
Puigdemont contestará tudo isso, devendo o seu caso acabar no Tribunal Constitucional - onde já era suposto ir, uma vez que o ex-presidente da Generalitat contesta o facto de o juiz Llarena recusar aplicar a amnistia. Por estar detido, o caso poderá contudo ser decidido mais rapidamente, já que terá prioridade.
susana.f.salvador@dn.pt