Internacional
02 abril 2022 às 22h59

Será Mariupol um campo de concentração?

Deportações e violações são relatadas. Não há comida, gás, eletricidade ou internet desde de 6 de março.

André Luís Alves, enviado especial à Ucrânia

Quem chega de Mariupol respira de alívio, alguns sorriem, como é caso da família de Alexander e Victoria, com os quatro filhos. Outros estão demasiado cansados para qualquer expressão, mas só um lugar de paz nos permite estarmos cansados. Em guerra, o stress não o permite, pois o que interessa é sobreviver. Ninguém se quer lembrar do inferno que viveu em Mariupol até conseguir escapar.

Os depoimentos parecem descrever um campo de concentração, onde não há comida, nem eletricidade, nem internet, nem gás, desde de 6 de Março, e onde a morte respeita a indizível regra da aleatoriedade. Quem vem de Mariupol fala de deportações de homens para Donetsk para serem obrigados a trabalhos forçados, primeiro para Taganrog e Rostov-on-Don, e depois para territórios da Sibéria na Rússia. Dizem haver violações. Quem está tomar conta dos checkpoints russos são os separatistas de Donetsk e Lugansk. Quem vive ainda nesta na cidade tenta sobreviver, sobretudo em caves, e só vem ao exterior para cozinhar com lenha na rua, mas de repente cozinhar é algo arriscado.

Mariupol está cercada pelo exército russo há semanas e a única resistência ucraniana a manter a defesa, e a evitar a total ocupação russa, é o batalhão de Azov. Um grupo controverso que muitos denominam de nazi, mas do percebi com quem falei preferem dizer que são como os templários, cavaleiros que fizeram escola em Portugal e que se destacaram nas cruzadas. Dizem que não são nazis, mais sim de extrema-direita, e que têm judeus também a combater e a ajudar na retaguarda como voluntários. Este grupo foi fundado em 2014, após a invasão da Ucrânia oriental pela federação russa, o que com o tempo deu origem às repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, e uma guerra adormecida pelos acordos de Minsk. Rótulos à parte ninguém questiona bravura do batalhão de Azov.

"Se deixámos cair Mariupol, Zaporizhzhia vem a seguir", quem o afirma é o comando do grupo Azov nesta cidade, Mykhailo Pirog de 55 anos. Ora Zaporizhzhia é a cidade mais próxima não ocupada com hospitais com um bloco operatório capaz de receber feridos de guerra, e o porto de abrigo para quem chega do sul e do leste. Este foi o caso de 3414 pessoas que foram evacuadas em 42 autocarros. Partiram de Berdyansk e depois seguiram para Melitopol onde encheram mais cinco autocarros numa caravana que levava também dois camiões com medicamentos e mantimentos. A grande parte destas pessoas vem de Mariupol. Estavam há dias ou semanas já em Berdyansk fruto duma fuga frustrada ou incompleta. Para sair de Mariupol é preciso arriscar a vida, "os militares russos disparam sobre nós" é que ouvimos de todos os ucranianos que saíram da cidade, inclusive as crianças. Os carros têm marcas de balas. Em Mariupol o corredor humanitário nunca funcionou e esta evacuação de 1 de Abril foi uma tentativa da Cruz Vermelha internacional em coordenação com a Cruz Vermelha Ucraniana de o fazer e não conseguiram. A caravana partiu de Berdyansk porque em Mariupol não há condições de segurança para o fazer. Mesmo assim demorou mais de 12 horas para fazer 200km. Há um canal no Telegram que se chama "Mariupol Agora", em russo, e ai veem-se quarteirões arrasados e corpos pelo chão. Mariupol é uma cidade cercada que parece destinada ao extermino e é neste sentido que faz lembrar um campo de concertação. Quem são afinal os nazis hoje?

dnot@dn.pt