A ex-ministra da Agricultura do Brasil Tereza Cristina.
A ex-ministra da Agricultura do Brasil Tereza Cristina.Foto: Bright Lights / FIBE

“Se a Europa não quer o acordo com o Mercosul, tem quem queira”

A ex-ministra da Agricultura do Brasil Tereza Cristina é uma defensora do tratado comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. No entanto, avalia que está a demorar demais, enquanto outros blocos e países procuram o Brasil para acordos.
Publicado a
Atualizado a

Como vê o lento andamento do acordo comercial da União Europeia com o Mercosul?


Eu estive aqui na Europa no dia em que nós fechámos o acordo no Parlamento Europeu. Estava presente e participei da reunião final em que batemos o martelo. A França nunca aceitou esse acordo de muito bom grado. Os outros países, a gente sabia de algumas resistências, mas Espanha, Portugal, a própria  Alemanha, naquela época, davam apoio. Não achei nenhum problema. Acho que a Bélgica tinha, a Holanda também tinha algum problema, mas a grande maioria dos Parlamentos dos Estados europeus estavam lá. Afinal de contas, se existe um Parlamento Europeu é para que eles tenham poder para decidir. Hoje eu vejo esse acordo mais longe, não o vejo fechado num futuro muito próximo. O presidente Macron esteve no Brasil agora com o presidente Lula e disse que o acordo era horroroso e que precisava ser revisto. Olha, se ele é horroroso e precisa ser revisto, nós vamos levar mais 20 anos, além dos 20 que já levámos. Eu sempre disse, depois que o acordo começou a demorar a sair do forno, que nós temos hoje uma relação com os países asiáticos muito forte, porque o Brasil é um grande produtor de alimentos. Então, quem precisa de segurança alimentar tem de olhar para o Brasil com um olhar diferente, diferenciado. O único país do mundo que pode entregar uma quantidade maior de alimentos, se for demandado, é o Brasil, sem derrubar uma árvore. Então, eu vejo com muito ceticismo hoje esse acordo nas bases, se continuar Macron presidente, enfim, com esses países que têm uma resistência - e a gente até entende. E essa resistência que eles hoje dizem que é ambiental, ela é concorrencial. É o medo da concorrência da agricultura brasileira, que é muito forte. Agora, eles não estão enxergando a floresta, estão enxergando só a árvore. Esse acordo tem coisas muito boas para a Europa. Tem vantagens para os dois lados, por isso é chamado de acordo. Hoje, eu diria que, num primeiro momento, essas vantagens são melhores para o continente europeu do que para a América do Sul. Mas, isso é uma decisão que precisa ser construída de novo. Só acho que se for para recomeçar, ele não sai do papel mais. E aí temos o mercado chinês, o mercado asiático mais amplo. Nós temos Vietname, Indonésia, Malásia, Índia, que começam a procurar mais produtos. Entendeu? Enfim, uma população enorme do lado de lá. Agora, nós estamos lá com a European Free Trade Association (EFTA) querendo que a gente assine um acordo o mais rápido possível. Eu recebi um grupo de parlamentares dos países europeus que não estão no mercado comum europeu, como Liechtenstein, Finlândia, Noruega e Islândia. Esses países nos procuraram querendo que o Parlamento assine rapidamente, faça esse acordo ser assinado pelo Brasil e pelo Mercosul o mais rápido possível, deixando o acordo Mercosul e União Europeia de lado. Temos muitas hipóteses, se a Europa não quer, tem quem queira.

Como avalia o período em que esteve à frente da pasta da Agricultura do Brasil, com o ex-presidente Bolsonaro?

Quando ele me convidou para ser ministra da Agricultura, com apoio da Frente Parlamentar da Agricultura, ele me deu carta branca para poder trabalhar no Ministério da Agricultura. E era um Ministério da Agricultura muito mais robusto do que ele é hoje. Porque hoje o ministério foi dividido em três pelo atual Governo. E eu tive a liberdade para trabalhar como eu bem quis, entregando os resultados que o presidente me pediu.

Como é a relação com Bolsonaro hoje?

Muito boa. Nós sempre tivemos uma relação respeitosa. Eu agora estive com ele recentemente em Ribeirão Preto [cidade do interior do Estado de São Paulo], numa grande feira agropecuária que teve lá. Conversámos um pouco sobre eleições. A gente tem uma boa relação. De vez em quando conversamos sobre política. Enfim, é uma relação muito respeitosa. Desde o início ela sempre foi. E eu tenho muita gratidão a ele.

O Brasil vai a Eleições Municipais em outubro, sempre vistas como um ensaio para as Presidenciais de 2026. Como avalia o atual cenário?

No meu Estado, o Mato Grosso do Sul, onde eu sou a presidente estadual do meu partido, do PP, estamos fazendo conversas e vamos fazer coligações com vários partidos, com exceção do PT [partido do presidente Lula da Silva], porque o PT também trabalha sozinho, isolado, acho que eles também não querem fazer nenhuma coligação connosco. Eu acho difícil que queiram, porque pensamos muito diferente, daí o eleitor não aceita. Você tem de dialogar, eu não me furto de conversar com meus colegas deputados do meu estado, do PT, mas não dá liga, digamos. O meu eleitor, o eleitor que confia em mim, que me colocou no Senado, com a maior votação do meu Estado de todos os tempos, não entenderia essa coligação, mesmo sendo municipal.

Acredita que o seu partido terá um bom desempenho?

Olha, eu acho que sim. O PP cresceu um pouquinho. Eu estive olhando até, essa é uma matéria, do número de prefeituras que cada partido tem hoje e que pensa em fazer. Eu acho que o PP cresceu. Realmente, é um partido de centro e eu acho que nós vamos crescer. No meu Estado, com certeza, nós crescemos mais de 40% em prefeituras e vice-prefeituras. Enfim, o partido teve um crescimento exponencial.

Para 2026, o seu nome segue à disposição do partido como candidata a presidente?

Olha, no início eu tinha muita restrição a isso. Mas eu acho que, como brasileira, como política, se o meu nome for o nome, eu não vou me furtar à responsabilidade de colocá-lo. Mas eu acho que ainda tem tempo. E continuo a dizer, a direita tem de estar unida. Quem estiver melhor, eu acho que tem de ser o candidato e os outros têm de aceitar. Nós temos vários nomes aí importantes. Nós temos o nome do governador Tarcísio de Freitas [de São Paulo], do governador do Paraná, o Ratinho Jr., do Ronaldo Caiado,[governador do Estado de Goiás], que já se colocou como pré-candidato. Enfim, nós temos muitos outros nomes da direita. Agora, é avaliar, ver o que a população quer. E ninguém é candidato de si mesmo. Isso é importante sempre de lembrar.

Tem sido vista como uma das principais vozes da oposição hoje. Que tema considera precisar de mais atenção do Governo Lula?

Nós temos vários pontos, como algumas pautas de costume, mas principalmente as pautas económicas, que eu acho que nós estamos precisando olhar mais. Hoje o Governo que está lá é um Governo gastador, não se preocupa com a restrição dos gastos, ele só quer aumentar a carga tributária, quer arrecadar mais, mas não fala em reduzir despesas, reduzir custos. Eu acho que essa é uma atenção grande, porque não tem almoço de graça, uma hora essa conta vai chegar para a sociedade brasileira, e quem vai pagar essa conta? Quem trabalha e quem produz. O Governo não tem dinheiro, quem tem dinheiro é quem trabalha, quem produz e paga imposto. Então, nós temos que estar muito antenados nas pautas económicas que hoje estão sendo colocadas, que, para mim, é a minha maior preocupação.

Desde o Governo Bolsonaro há uma tensão com o poder judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Como está esta relação entre os poderes? Fala-se muito em pedir o impeachment do juiz Alexandre de Moraes, por exemplo.

Olha, eu acho que a competência de cada um precisa ficar muito clara: até onde é a competência do judiciário; onde é a nossa competência do Legislativo e do Executivo; e um não faça a invasão do outro. Mas eu não vejo nenhum tipo de conflito, eu acho que a gente tem hoje maturidade, tem coisas que o judiciário faz que o Congresso se sente às vezes um pouco invadido, e isso tem sido conversado, tem tido um diálogo, mas enfim. Agora, existe sim uma perceção hoje, eu não sei se correta ou não, mas da sociedade, que o judiciário vem legislando no lugar do Congresso. Nós temos de ter diálogo franco, aberto, para que cada um trabalhe dentro das suas competências, que já são muito grandes. O Supremo tem aí uma pauta enorme para trabalhar. Agora, nós também temos de ver um aspeto: às vezes pequenos partidos que têm um ou dois deputados ou senadores, entram questionando por que nós votámos [assim]e entram com questionamentos. Aí o Supremo é instado a se pronunciar sobre determinados projetos de lei. Nós precisamos também organizar as coisas para que não aconteça. Um projeto, uma lei votada pela casa de leis, que é o Congresso Nacional, precisa ser respeitada por todos os poderes, inclusive pelos seus pares, por aqueles que perderam, porque é por isso que nós temos votações. Quem ganha é a maioria. Nós temos maioria simples, maioria de quórum qualificado, enfim, então eu acho que nós precisamos também fazer um trabalho interno sobre esse aspeto.

Ainda sobre trabalho interno, está como relatora de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode limitar o número de mandatos no Supremo Tribunal Federal. Como está a expectativa para esse projeto, bastante discutido na sociedade brasileira e na classe política nos últimos anos?

Esse projeto está no Senado já há algum tempo e está sendo colocado de entre muitos outros projetos, muitas outras PEC, nós estamos falando também em refazer uma reforma eleitoral junto com isso. São três ou quatro projetos para também mudar os mandatos, não ter a reeleição nos casos maioritários, como a Presidência. Não é a minha área, eu não sou do judiciário, mas caiu para mim essa missão, então eu estou fazendo isso com muita calma, vou fazer várias sessões especiais de debate com juristas, com ex-ministros [ex-juízes] do Supremo, com ministros [juízes] atuais do Supremo para a gente discutir e fazer uma boa lei. É muito importante que a lei não seja feita para o momento que nós estamos vivendo, nós temos de fazer uma lei que atenda aos anseios e necessidades da sociedade, mas que seja uma lei para o futuro, não porque temos ou não problemas com o judiciário hoje.

Neste fórum sobre transformação digital, FIBE, em Madrid, ao lado de autoridades da área judicial, que lições tirou sobre o debate da regulação dos media digitais?

Primeiro, é que nós não temos clareza do que fazer em termos de regulação de lei das plataformas digitais, porque é um tema sensível e muito abrangente. É muito difícil você fazer uma lei específica que atenda a todos os setores. Houve falas interessantes, falando que talvez a gente tenha de fazer isso de maneira setorial, enfim. Então, para mim, ficou claro que ainda não está maduro o sistema de regulação para Inteligência Artificial e media social.

Foi também uma das poucas vozes a falar com mais firmeza sobre o risco de censura ao existir uma regulamentação. Qual a sua posição sobre este tema, que tem sido bastante controverso e politizado no Brasil, mas também em outros países como os Estados Unidos.


Eu acho que nós temos de ter uma dosimetria para isso, porque a liberdade de expressão está na nossa Constituição, é uma cláusula-pedra. É claro que a gente, na regulação, tem de tomar muito cuidado para se regulamentar de uma maneira que você não crie uma censura. E quem vai fazer essa censura? Esse é o problema: quem é que vai cuidar do que deve ser ou não fiscalizado? A fiscalização é complexa, também, para um tema tão delicado quanto esse.

O DN viajou a Madrid a convite do FIBE

amanda.lima@globalmediagroup.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt