Lula da Silva, presidente do Brasil.
Lula da Silva, presidente do Brasil.

Sangue e chá. Como a relação entre Lula e Maduro derreteu

Presidente do Brasil assustou-se com ameaça de “banho de sangue” do homólogo venezuelano em caso de derrota. E este aconselhou-o a “tomar chá de camomila”. “Caracas cada vez mais isolada”, resume especialista
Publicado a
Atualizado a

A relação entre Lula da Silva e Nicolás Maduro, que parecia sólida, derreteu-se na última semana. Em causa, duas frases do presidente da Venezuela, a primeira a prever “um banho de sangue”, caso a vitória da oposição nas eleições de domingo, 28, se concretize, e, depois, a aconselhar “um chá de camomila” ao homólogo brasileiro por este se confessado “assustado” com aquela expressão.

Na quinta-feira, dia 18, Maduro afirmou que “o destino da Venezuela no século 21” depende da sua vitória eleitoral, “se não querem que a Venezuela caia num banho de sangue, numa guerra civil fratricida, produto dos fascistas”. Dias antes, a justiça venezuelana prendera um assessor de Maria Corina Machado, principal opositora do governo de Maduro, o 71º opositor ou assessor de opositor preso no período eleitoral, de acordo com relatório divulgado pela ONG Laboratório de Paz.

No Brasil, Lula confessou-se assustado com a expressão “banho de sangue”. “Eu fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que se ele perder as eleições vai ter um banho de sangue. Quem perde as eleições toma um banho de voto. O Maduro tem que aprender, quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora”, afirmou, terça-feira, 23. “Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance de a Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral respeitado por todo o mundo, se o Maduro quiser contribuir para resolver o regresso do crescimento na Venezuela, a regresso das pessoas que saíram da Venezuela, tem que respeitar o processo democrático”.

No mesmo dia, Maduro aconselhou chá a Lula. “Eu não disse mentiras, só fiz uma reflexão. Quem se assustou, que tome uma camomila, porque o povo da Venezuela já passou por muita coisa e sabe o que eu estou dizendo. E na Venezuela, vai triunfar a paz”. No discurso, exaltou ainda o sistema eleitoral local – e atacou outros, incluindo o do Brasil. “Temos 16 auditorias. em que outra parte do mundo fazem isso? Nos EUA, o sistema eleitoral é inauditável, no Brasil e na Colômbia não auditam um registo”.

O Planalto, sede do governo, e o Itamaraty, sede da diplomacia brasileira, optaram por não responder mas, segundo Valdo Cruz, colunista do portal G1, nos bastidores a reação foi vista como “provocação desrespeitosa” a um aliado. Quem respondeu foi a presidente do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro (TSE) – “as urnas e as eleições brasileiras são auditadas, desde o início do processo até ao final e nunca foram comprovados quaisquer tipos de fraudes e erros, a Justiça Eleitoral brasileira é confiável e pode contar com a confiança da população”, disse a juíza Carmen Lúcia. Horas depois, o TSE anunciou que tinha desistido de enviar observadores a Caracas.

O duelo entre Maduro e Lula foi comentado pelas oposições a ambos. Na Venezuela, o candidato Edmundo González Urrutia agradeceu as palavras do presidente do Brasil no “apoio a um processo eleitoral pacífico e amplamente respeitado”. No Brasil, o vice-presidente de Jair Bolsonaro disse que Lula apoia qualquer ditadura no mundo. “Com certeza irá aplaudir o banho de sangue prometido pelo tirano Maduro”, disse Hamilton Mourão.

Ouvido pelo DN, Roberto Georg Uebel, professor de Relações Internacionais e economista da Escola Superior de Propaganda e Marketing, considerou que o episódio reforça a ideia de que “Maduro está a isolar-se cada vez mais”. “A declaração do chá de camomila e das suspeitas sobre o sistema eleitoral brasileiro e colombiano provam-no, Maduro demonstra estar cada vez mais distante do alinhamento ideológico que teve com Lula e com Gustavo Petro, presidente da Colômbia, e demonstra estar sob nervosismo por saber que pode ser derrotado e, dessa forma, perder a capacidade de liderança e de mobilização das massas”.

“A Venezuela tornou-se um elefante na sala para o Brasil porque prejudica a aproximação com países europeus e com os EUA e traz à região atores que tradicionalmente nunca estiveram envolvidos com a geopolítica sul-americana, como China, Rússia, Irão, Turquia, além de ser um entrave para o Mercosul, bloco de que foi suspensa em 2017 por rompimento da ordem democrática”, diz Uebel. “Por isso, acredito que seja do interesse das autoridades brasileiras, mas também argentinas, paraguaias e uruguaias, que a Venezuela encontre os rumos da democracia, seja via reeleição legítima de Maduro ou seja via a própria oposição, desde que não faça depois também uma caça às bruxas ao aparato governamental”. 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt