Sánchez é o primeiro a testar as águas do plano de paz de Pequim
De visita à China, líder espanhol vai discutir com Xi Jinping o plano deste para o fim da guerra na Ucrânia. A Sánchez seguem-se em Pequim Macron, Ursula von der Leyen e Borrell.
Em novembro de 2018, um Pedro Sánchez sem meia dúzia de meses à frente do governo espanhol recebeu o líder chinês Xi Jinping em visita de Estado por ocasião dos 45 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre Madrid e Pequim. À época, o tema que dominava a agenda eram as relações comerciais. Além dos acordos assinados, a declaração política de ambos advogava por uma economia global "aberta, equilibrada e inclusiva", numa altura em que Donald Trump iniciava a partir da Casa Branca uma guerra comercial tendo como adversário a China.
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Além disso, Xi convidava - sem sucesso - Espanha para fazer parte da nova rota da seda e prometia abrir a economia do seu país a produtos e investimentos estrangeiros. Tendo como pano de fundo o cinquentenário das relações bilaterais, é agora a vez de Sánchez retribuir a visita, no que será seguido nos próximos dias pelo presidente de França e da Comissão Europeia e, mais tarde, do chefe da diplomacia europeia.
Se as trocas comerciais e os investimentos continuam a fazer parte da ementa dos encontros a ter lugar na China - a visita de Sánchez arranca no Forum de Boao, um encontro de empresários e dirigentes asiáticos inspirado no modelo de Davos - a guerra na Ucrânia será central tendo em conta a perspetiva de Pequim se afirmar como possível mediador entre Kiev e Moscovo. Um cenário que há cinco anos ninguém arriscaria, mas que se inscreve no papel mais afirmativo de Xi enquanto líder reforçado por um inédito terceiro mandato e pelo recente sucesso diplomático do país, ao mediar o restabelecimento das relações entre o Irão e a Arábia Saudita.
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Ao comentar a viagem, na semana passada, quando se encontrava em Bruxelas, Sánchez agradeceu o convite de Xi e disse que é "importante conhecer a sua posição sobre a paz na Ucrânia e transmitir-lhe que serão os ucranianos a estabelecer as condições para essa paz". Ao que acrescentou: "O mais importante é alcançar uma paz estável e duradoura, e para isso devemos respeitar a Carta das Nações Unidas, cujo elemento central é o respeito pela integridade territorial que a Rússia está a violar na Ucrânia", disse o dirigente espanhol.
Em contraste com a posição da maioria dos chefes de governo e de Estado dos países que fizeram parte da cortina de ferro ou de vizinhos como a Finlândia, que alegam que a Rússia só entende a linguagem da força e como tal há que primeiro vencer no plano militar, o governo espanhol tem vindo a falar sobre negociações de paz.
"Xi está rodeado de yes men. Ele não ouve essas coisas com frequência", disse um diplomata europeu sobre a importância de ir a Pequim.
No entanto, Sánchez (o terceiro líder ocidental a ser recebido por Xi desde a pandemia, depois do alemão Olaf Scholz e do presidente do Conselho Europeu Charles Michel) tem mostrado sintonia com o presidente Zelensky, ao rejeitar qualquer hipótese de uma paz que não reconheça a integridade territorial da Ucrânia, Crimeia incluída. O socialista visitou por duas vezes Kiev desde o lançamento da invasão russa e o seu país vai enviar os primeiros seis de dez carros de combate Leopard para a Ucrânia depois da Páscoa.
Já Volodymyr Zelensky, em entrevista à Associated Press, disse ter convidado Xi Jinping a visitar a Ucrânia, no seguimento do plano chinês e da visita do seu líder à Rússia. Pouco depois, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês disse não ter qualquer informação sobre o tema
Depois de Xi ter ido a Moscovo estender a mão a Vladimir Putin e este admitir que o plano de Pequim pode servir de base para negociações de paz, Sánchez, cujo governo vai assumir a presidência rotativa do Conselho da UE em junho, poderá ser um "facilitador", comentou à AFP José Ignácio Torreblanca, analista do grupo de reflexão Conselho Europeu de Relações Externas. Ainda que em Bruxelas as expectativas desta visita, bem como das seguintes - Emmanuel Macron e Ursula von der Leyen a partir de 4 de abril e Josep Borrell cerca de dez dias depois - sejam baixas. Mas como conta o South China Morning Post depois de ter ouvido diplomatas europeus, as visitas servirão para avaliar se a China está de facto empenhada nos esforços de paz.
A União Europeia e os Estados Unidos mostraram-se céticos quanto ao plano de 12 pontos de Pequim, até porque o regime comunista não condenou a invasão da Rússia e mantém-se numa neutralidade em que ao mesmo tempo coopera cada vez mais com Moscovo. Aliás, um dos pontos das visitas será insistir junto de Xi Jinping mas também do primeiro-ministro Li Qiang ou do ministro dos Negócios Estrangeiros Qin Gang que a assistência militar a Putin é inadmissível. "Xi está rodeado de yes men. Ele não ouve essas coisas com frequência", disse um diplomata europeu ao jornal de Hong Kong.
A visita do primeiro-ministro espanhol acontece quando outro foco de tensão pode surgir entre a Europa e a China. Segundo o Politico, os serviços secretos belgas (VSSE) têm estado a vigiar as atividades da empresa de tecnologia Huawei, com receio de que as sedes das instituições europeias e da NATO possam estar a ser alvo de espionagem. A empresa, que tem um escritório sito entre o Parlamento e a Comissão e outro perto da embaixada dos EUA, é uma das empresas que mais gastam em lobbying na capital belga, 2,25 milhões de euros por ano.
cesar.avo@dn.pt
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