Rutte sobrevive a censura, mas 'teflon' começa a rachar
Um nome num documento das negociações para a formação de governo e um desmentido que acabaria por se revelar falso foram os ingredientes do mais recente escândalo a abalar Mark Rutte. O primeiro-ministro interino neerlandês sobreviveu de madrugada a uma moção de censura no Parlamento, mas desta vez o caso deixou marcas no teflon que o tem protegido de todos os golpes desde que chegou ao poder, em 2010. Estará o quarto mandato em risco?
O escândalo rebentou com uma foto da ministra do Interior interina, Kajsa Ollongren, a deixar o Parlamento à pressa depois de ter testado positivo para a covid-19. O problema eram os documentos que levava nos braços. Nas eleições de 17 de março, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla original), de Rutte, foi o mais votado, mas sem maioria, tendo o Democratas 66 (D66), que fazia parte da coligação anterior, sido segundo. Ollongren, deste último partido, era uma das responsáveis por negociar uma nova coligação (os dois negociadores demitiram-se depois do escândalo).
Nos documentos que levava nos braços lia-se o nome do deputado Pieter Omtzigt, do Apelo Democrata Cristão (CDA, o terceiro partido da coligação), com a indicação "Colocar noutro lado". Omtzigt foi uma das vozes mais críticas em relação a um escândalo referente à exigência de devolução (soube-se depois, sem fundamento) do pagamento de abonos de família, que obrigou Rutte a demitir-se em janeiro, ficando desde então como primeiro-ministro interino.
Rutte disse, contudo, aos jornalistas que o nome de Omtzigt não tinha sido discutido nas negociações, acabando por recuar nessa declaração já esta quinta-feira, quando novos documentos mostraram que se falou na possibilidade de o tornar ministro. No debate da moção de censura, na quinta-feira, o primeiro-ministro disse que não se lembrava dessa parte da reunião, mas que alguém (não disse quem) lhe tinha telefonado nessa manhã a lembrar que tinha sido ele a abordar o caso. Rutte reiterou, no entanto, que não tinha mentido.
"Vou continuar como primeiro-ministro. Vou trabalhar no duro para reconquistar a confiança", disse depois de sobreviver ao voto de censura (teve o apoio dos três partidos da coligação). Mas todos os partidos no Parlamento, exceto o seu, aprovaram outra moção a condenar o seu comportamento. E não é claro se Teflon Rutte, como é conhecido por os escândalos não o atingirem, conseguirá os apoios para um quarto mandato, durante o qual se poderá tornar (se ainda estiver no poder no final de 2022) no primeiro-ministro neerlandês que mais tempo esteve no cargo.
A líder do D66, Sigrid Kaag, que junto com Rutte foi a grande vencedora das eleições, chamou a atenção para o "padrão de esquecimento e amnésia" do chefe do Governo - o primeiro-ministro também usou a desculpa dos lapsos de memória nos escândalos do bombardeamento de civis iraquianos por parte dos militares neerlandeses e durante uma disputa sobre dividendos fiscais para empresas. "Como é que você pode, na maior crise que enfrentamos nos Países Baixos, restaurar a confiança que foi novamente prejudicada?", questionou Kaag. Também o CDA deverá agora questionar o seu apoio a um novo governo com Rutte.
As negociações para a formação de uma nova coligação já estavam demoradas, porque o acordo envolve mais do que um partido e houve uma mudança no balanço de poder entre as diferentes formações. As previsões eram de que só houvesse um novo Executivo no verão. Agora, este escândalo poderá atrasar ainda mais a negociação.
susana.f.salvador@dn.pt