Rússia atrás de novas Crimeias com "referendos" na Ucrânia ocupada

Em 2014, os russos também fizeram uma consulta não reconhecida pela comunidade internacional para justificar a anexação da península ucraniana.
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Sete meses depois da invasão da Ucrânia, a Rússia prepara-se para uma nova escalada do conflito com a quase certa anexação das duas autoproclamadas repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk e das regiões ocupadas (não a 100%) de Zaporíjia e Kherson. Alegados "referendos" sobre a adesão destes territórios à Federação Russa, à semelhança do que ocorreu em 2014 com a Crimeia, começaram esta sexta-feira e vão decorrer até terça-feira, com os votos a serem recolhidos porta-a-porta. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e os aliados ocidentais consideram que as consultas são mais uma "farsa", numa altura em que começa a mobilização dos reservistas decretada pelo presidente russo, Vladimir Putin.

A tática do referendo já foi usada na Crimeia, em 2014. Em plena revolução na Ucrânia para derrubar o governo pró-russo de Viktor Yanukovich, gerou-se naquela província de maioria russa um movimento contra as novas autoridades em Kiev. No final de fevereiro, seguindo as ordens de Putin, as tropas russas assumiram o controlo de locais-chave dentro da Crimeia, instalando um governo pró-russo que declarou a independência e realizou depois um referendo sobre o estatuto da região a 16 de março. Mais de 96% dos que participaram (terão sido 83% dos eleitores) votaram a favor de fazer parte da Federação Russa num referendo que não foi reconhecido pela Ucrânia ou pela comunidade internacional. Mas isso não impediu a anexação a 18 de março.

Na região do Donbass, os separatistas apoiados por Moscovo que controlavam parte do território de Lugansk e Donetsk também realizaram referendos a 11 de maio de 2014 - a pergunta era, na prática, se apoiavam as declarações de independência. Putin tinha pedido inicialmente que estas consultas fossem adiadas para criar condições de diálogo entre as autoridades locais e as de Kiev, acabando por nunca reconhecer os resultados - em Donetsk mais de 89% votaram a favor, sendo que as autoridades locais falaram numa participação de 74% e as de Kiev de 32%; já em Lugansk, foram 96% de votos a favor, com uma participação de 75% (24% nas contas dos ucranianos).

Tal como no referendo da Crimeia há oito anos, a Rússia coloca-se nos bastidores de todo o processo de consultas nas regiões separatistas de Lugansk e Donetsk e dos territórios ocupados de Zaporíjia e Kherson (que a Rússia não controla na totalidade). Foram os responsáveis locais pró-russos, que contam com o apoio das forças de Moscovo, que convocaram os referendos, que não são iguais entre si.

No caso de Lugansk e Donetsk, ambas as regiões têm estado parcialmente sob controlo dos separatistas pró-russos desde 2014, tendo a sua independência sido reconhecida por Putin na véspera da invasão da Ucrânia. Desde 24 de fevereiro, que Lugansk já caiu totalmente nas mãos dos separatistas (no início de julho), estimando-se que no caso de Donetsk o controlo seja de 60% do território - ainda esta sexta-feira, Kiev disse ter recapturado uma das localidades.

Nestas regiões, a pergunta repete a ideia da Crimeia, em 2014, com os cidadãos a terem que responder "sim" ou "não" a se querem fazer parte da Federação Russa. A votação decorre "porta-a-porta" durante quatro dias, com as mesas de voto a abrir apenas na próxima terça-feira para a votação final. As pessoas que, por causa da guerra, acabaram por fugir para a Rússia também têm direito a votar.

Mas nas regiões ocupadas após a invasão, onde está em curso a contraofensiva ucraniana e o sentimento antirrusso é maior, a situação é ainda mais volátil, havendo ainda combates diários. Em Zaporíjia e Kherson, os eleitores são chamados a responder "sim" ou "não" no referendo, mas a pergunta é mais complexa: "É a favor da secessão da Ucrânia, estabelecendo um país independente e juntando-se à Federação Russa?"

"Não podemos, não vamos, permitir que Putin escape desta", disse o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, na quinta-feira, apelidando os referendos de "farsas". A mesma palavra usada por Zelensky e por vários dos seus aliados Ocidentais.

A NATO descreveu os referendos como "tentativas flagrantes de conquista territorial" da parte da Rússia, deixando claro que não têm legitimidade. Putin garantiu que a Rússia tem previsto reclamar o território após estes referendos, tendo dito na quarta-feira que Moscovo está preparado para defender as suas conquistas com todos os meios disponíveis, incluindo armas nucleares.

As críticas não vêm contudo apenas do Ocidente. Numa reunião à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, disse ao homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, que "a soberania e integridade territorial de todos os países tem que ser respeitada".

susana.f.salvador@dn.pt

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