Reino Unido vai enviar migrantes e requerentes de asilo para o Ruanda
O Reino Unido vai enviar os migrantes e requerentes de asilo que cruzam ilegalmente o Canal da Mancha para o Ruanda, a milhares de quilómetros de distância, ao abrigo de um acordo controverso anunciado ontem. O governo britânico está a tentar travar o número daqueles que fazem a perigosa viagem, com as autoridades a temer a chegada de mais de 60 mil pessoas este ano - mais do dobro dos 28 526 que entraram no ano passado. Cerca de 90% deles eram homens e 75% eram homens com idades entre os 18 e os 39 anos.
"A partir de hoje, qualquer pessoa que entre ilegalmente no Reino Unido e os que chegaram ilegalmente desde 1 de janeiro podem ser transferidos para o Ruanda", disse o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, num discurso perto de Dover. "O Ruanda terá a capacidade de reinstalar dezenas de milhares de pessoas nos próximos anos", acrescentou, alegando que este país africano com um complicado historial em matéria de direitos humanos é "um dos países mais seguros do mundo, reconhecido globalmente pelo histórico de acolhimento e integração de migrantes".
Johnson foi eleito em parte devido à promessa de travar a imigração ilegal, mas em vez disso tem visto um número recorde de migrantes a atravessar o Canal. O primeiro-ministro anunciou também que a agência de fronteiras britânica irá entregar a responsabilidade de patrulha dos barcos com migrantes à Marinha.
O plano foi rapidamente criticado pela oposição, que acusa Johnson de tentar distrair as atenções do público depois de ter sido multado por violar as regras do confinamento durante a pandemia. Além disso, grupos de defesa dos direitos humanos apelidaram o projeto de "desumano".
O Gana e o Ruanda tinham anteriormente sido mencionados como possíveis locais para a abertura de centros de processamento para os migrantes que tentam entrar no Reino Unido, mas o Gana negou qualquer envolvimento no projeto em janeiro.
Por seu lado, Kigali anunciou ontem, durante uma visita da ministra do Interior britânica, Priti Patel, que tinha assinado um acordo milionário para assumir o encargo. "O Ruanda congratula-se com esta parceria com o Reino Unido para acolher requerentes de asilo e migrantes e oferece-lhes um caminho legal para a residência", indicou o chefe da diplomacia, Vincent Biruta, num comunicado.
O país receberá até 120 milhões de libras (cerca de 144 milhões de euros) ao abrigo do acordo, que prevê que os migrantes sejam "integrados em comunidades em todo o país", acrescentou.
Em Dover, onde muitos migrantes chegam depois de atravessar o Canal, alguns moradores congratularam-se com o anúncio. "Eles devem ser enviados de volta, porque não são nossa responsabilidade", disse Andy, um reformado de 68 anos. "A nossa responsabilidade é olhar pelos nossos, o que não estamos a fazer", indicou o veterano à AFP. "Percebo as pessoas a fugir da repressão. Mas se eles estão a vir para cá por uma coisa, que é o dinheiro, então para mim isso é errado", acrescentou.
Tim Naor Hilton, da associação Refugee Action, acusou o governo de "transferir as suas responsabilidades offshore, para as antigas colónias da Europa", em vez de cumprir a sua parte para "ajudar as pessoas mais vulneráveis do planeta". E disse que o plano de troca de "dinheiro por pessoas" é uma forma "cobarde, bárbara e desumana de tratar as pessoas que fogem da perseguição e da guerra".
Nadia Hardman, investigadora em direitos de refugiados e migrantes da Human Rights Watch, disse que o plano irá "complicar" o processo para os sírios que procuram refúgio no Reino Unido. "Os refugiados sírios estão desesperados para alcançar um local seguro", disse à AFP. "O acordo do Reino Unido com o Ruanda só vai complicar esta tarefa. Eles vão chegar e esperar ser tratados de acordo com os valores fundamentais que o Reino Unido diz cumprir, mas em vez disso serão transferidos para outro sítio, a milhares de quilómetros."
A Austrália tem uma política de enviar os requerentes de asilo que chegam de barco para campos de detenção em Nauru, no Pacífico, com Camberra a prometer que nenhum requerente de asilo que chega por barco será autorizado a instalar-se permanentemente no país.
Desde 2015, o Reino Unido "ofereceu um local para mais de 185 mil homens, mulheres e crianças que procuram refúgio [...] mais do que qualquer outro esquema de acolhimento na Europa", disse Johnson. Segundo a agência de refugiados da ONU, a Alemanha recebeu o número mais elevado de pedidos de asilo em 2021 na Europa (127 730), seguida de França (96 510), com o Reino Unido em quarto (44 190).