Portugal voltou a deixar a porta aberta ao reconhecimento oficial do Estado palestiniano, depois de França ter anunciado que o fará em setembro e o Reino Unido ter decidido seguir-lhe o exemplo (salvo se Israel cumprir uma série de condições prévias, entre as quais comprometer-se com um cessar-fogo). Na prática, este é um gesto simbólico que visa pressionar os israelitas. Mas afinal, o que é que significa reconhecer um Estado? Ao abrigo da Convenção de Montevideu, de 1933, há vários critérios que um Estado deve cumprir antes de poder ser reconhecido internacionalmente. Tem que ter uma população permanente, um território definido, um governo efetivo e relações internacionais, com uma diplomacia ativa com embaixadas e embaixadores e a assinatura de tratados bilaterais. O facto de um Estado cumprir todos estes requisitos não significa que é reconhecido de forma obrigatória (é dado, por vezes, o exemplo da Somalilândia). Da mesma forma, a falta de algum critério também não é um entrave (no caso da Bósnia, o Estado foi reconhecido pela ONU em plena guerra civil, quando as autoridades não tinham o controlo do território). Em pelo menos dois destes pontos, os palestinianos têm problemas - o seu território não está definido (apesar de a aposta ser nas fronteiras pré-1967, a ocupação da Cisjordânia por parte de Israel e o crescimento dos colonatos dificulta esse cenário). E depois há a questão do governo. A Autoridade Palestiniana, que nasceu dos Acordos de Oslo em 1993, tem o controlo limitado sobre a Cisjordânia e, apesar de algumas reformas, é contestada pelos próprios palestinianos (muitos acusam-na de subserviência e de colaborar com a ocupação israelita). Na Faixa de Gaza, para todos os efeitos, ainda manda o Hamas (considerado grupo terrorista nos EUA e União Europeia) - e nem mesmo os países que defendem o reconhecimento do Estado palestiniano querem que continue à frente do território. Na prática, o reconhecimento acaba por ser simbólico, tendo o objetivo de pressionar Israel a acabar a ocupação da Cisjordânia e a construção de colonatos, assim como pressionar para um cessar-fogo na Faixa de Gaza e a melhoria da situação humanitária no enclave palestiniano. Para Israel, contudo, o reconhecimento acaba por ser uma “recompensa” ao terrorismo do Hamas no 7 de outubro de 2023 e uma punição para as suas vítimas (1200 mortos e 250 reféns).Rangel: “Ponto de viragem” “Já reconhecemos, expressámos ou expressamos a vontade ou a consideração positiva dos nossos países em reconhecer o Estado da Palestina, como um passo essencial para a solução de dois Estados”, lê-se no texto que foi assinado pelo chefe da diplomacia portuguesa, Paulo Rangel, junto com os representantes de outros 11 países europeus, aos quais se juntaram também Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A declaração conjunta, assinada à margem da conferência das Nações Unidas sobre a solução dos dois Estados, que terminou na terça-feira à noite em Nova Iorque, convida ainda “todos os países que ainda não o fizeram a aderir a este apelo”. Os signatários expressam ainda a determinação de “trabalhar numa arquitetura para o ‘dia seguinte’ em Gaza que garanta a reconstrução de Gaza, o desarmamento do Hamas e a sua exclusão da governação palestiniana.No discurso na reunião, Rangel falou num “ponto de viragem” para o reconhecimento do Estado palestiniano, reiterando o “compromisso inabalável para a solução de dois Estados” da parte de Portugal. “A paz e a estabilidade no Médio Oriente vão continuar elusivas enquanto os palestinianos virem negado o seu direito fundamental a um Estado soberano viável e Israel estiver ameaçado”, indicou. “Só um Estado palestiniano, a viver lado a lado com Israel, em paz, segurança e prosperidade, pode trazer justiça, verdade e paz à humanidade”, concluiu o ministro, defendendo o fim da guerra, da morte, do cativeiro, da doença e do sofrimento. Até ao momento, 147 em 193 países das Nações Unidas reconheceram o Estado palestiniano, com França e Reino Unido a prometer fazê-lo em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU. Há mais de uma década que a Autoridade Palestiniana tem procurado tornar-se membro pleno da organização, onde desde 2012 é “Estado observador permanente”. Mas para isso precisa da aprovação do Conselho de Segurança e os EUA, os principais aliados de Israel, usaram o direito de veto para o impedir após uma votação na Assembleia Geral nesse sentido no ano passado.Em 1947, com o fim do mandato britânico sobre a Palestina, o plano da ONU previa a criação de dois Estados: um judeu e um árabe. Israel aceitou o plano, mas após a declaração da independência, em 1948, os países árabes declararam guerra. Entretanto, mais de 700 mil palestinianos foram forçados a deixar as suas terras (ficou conhecida como “grande catástrofe”, ou Nakba). Após o armistício, no ano seguinte, o Egito passou a controlar a Faixa de Gaza, enquanto a Jordânia assumiu o controlo da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Israel assumiria o controlo desses territórios na guerra de 1967.O Estado palestiniano foi formalmente declarado pela Organização de Libertação da Palestina em novembro de 1988, em plena Primeira Intifada (ou “revolta”), reclamando a soberania sobre a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza. Em 1993 e 1995, israelitas e palestinianos acabariam por assinar os Acordos de Oslo, que criaram a Autoridade Palestiniana para assumir a gestão desses territórios.Mas a ideia de avançar para dois Estados, nas fronteiras prévias a 1967, caiu por terra após o assassinato do primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin e a entrada em cena de Benjamin Netanyahu (que sempre se opôs a esta solução). Israel acabaria por retirar da Faixa de Gaza em 2005, com o Hamas a assumir o controlo em 2007 após a guerra civil. Na Cisjordânia ocupada, o Governo israelita tem empreendido uma política de criação de colonatos que tornam cada vez mais difícil a solução de dois Estados, tendo ainda na semana passada o Knesset aprovado de forma simbólica a anexação.