Raros protestos contra o Hamas na Faixa de Gaza: “Recusamos morrer”
O primeiro protesto espontâneo aconteceu ainda na terça-feira, na cidade de Beit Lahiya, no norte da Faixa de Gaza. Há quem diga que eram cem pessoas, outras fontes de informação falam em duas mil. Tinham cartazes em que se lia “Parem a guerra” ou “Recusamos morrer”, mas nos vídeos que correm nas redes sociais ouviam-se também cânticos de “Fora Hamas”. Um raro protesto contra o grupo terrorista, que controla o enclave desde 2007, que se repetiu esta quarta-feira nessa mesma localidade e noutras no norte, mas também já se teria alargado ao sul.
“Estamos fartos dos bombardeamentos, das mortes, de ser deslocados”, disse um dos manifestantes que participou no protesto de terça-feira, Ammar Hassan, citado pela AP. “Os protestos não vão parar a ocupação [de Israel] mas podem afetar o Hamas”, acrescentou, numa conversa telefónica com a agência de notícias norte-americana.
“Foi uma manifestação espontânea contra a guerra, porque as pessoas estão cansadas e não têm sítio para onde ir”, indicou outra testemunha à Reuters, falando sob anonimato por receio das consequências. “Muitas pessoas entoaram cânticos contra o Hamas, não todas, mas muitas, dizendo ‘Fora Hamas’. As pessoas estão cansadas e ninguém as deve culpar”, acrescentou.
O retomar dos ataques israelitas à Faixa de Gaza, na semana passada, surge em pleno Ramadão, o mês sagrado para os muçulmanos, e segue-se ao bloqueio total de entrada de ajuda humanitária no enclave. Israel diz que já matou vários responsáveis do grupo terrorista palestiniano, que voltou a desaparecer nos túneis, mas os ataques causaram também a morte de vários civis. As autoridades de saúde de Gaza, controladas pelo Hamas, dizem que mais de 830 pessoas já morreram desde o reatar dos bombardeamentos, não distinguindo militantes e civis.
Questionado sobre os protestos, um responsável do Hamas, Basem Naim, disse à Reuters que as pessoas têm o direito a manifestar-se contra o sofrimento causado pela guerra, mas denunciou as “agendas políticas suspeitas” e as tentativas de explorar a situação. Questionou, por exemplo, onde estão os protestos na Cisjordânia, que é governada pela Autoridade Palestiniana e a rival Fatah. O partido de Mahmud Abbas apelou ao Hamas para “responder ao apelo do povo palestiniano na Faixa de Gaza”.
Desde que assumiu o controlo do enclave palestiniano - na sequência da guerra civil após a vitória nas eleições de 2006 -, o Hamas tem perseguido os críticos e dissidentes e reprimido qualquer manifestação contra as suas políticas. Um relatório da Human Rights Watch, de 2018, acusava o grupo de deter e torturar opositores. Desde o início da guerra poucos têm expressado publicamente as suas frustrações, tornando quase inéditos estes protestos.
Reação em Israel
“Vimos algo como nunca tínhamos visto antes. Vimos grandes protestos na Faixa de Gaza contra o governo do Hamas”, disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu num debate no Knesset. “Cada vez mais residentes de Gaza compreendem que o Hamas lhes traz destruição e desgraça. Isto é importante. Tudo isto mostra que a nossa política funciona”, acrescentou. O próprio Netanyahu enfrenta protestos pela sua gestão.
O ministro da Defesa israelita, Israel Katz, incentivou todos os habitantes do enclave palestiniano a seguir o exemplo de Beit Lahiya. “Como eles fizeram, vocês devem também exigir a retirada do Hamas de Gaza e a libertação imediata de todos os reféns israelitas. Esta é a única forma de parar a guerra”, afirmou, alertanto também que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla inglesa) vão reforçar as operações no terreno.
Mais cedo, já Netanyahu tinha revelado que as IDF vão aumentar a pressão e que isso vai incluir “tomar território”, sem adiantar mais pormenores. “Quanto mais o Hamas persistir na sua recusa em libertar os nossos reféns, mais forte será a pressão que iremos exercer”, afirmou. Por seu lado, o chefe da diplomacia israelita, Gideon Sa’ar, disse que Israel não excluiu ainda negociar uma extensão do cessar-fogo com o Hamas, avisando contudo que “não vamos esperar para sempre”.
Já o grupo terrorista palestiniano avisou que os reféns podem voltar para Israel “em caixões” se as IDF insistirem nos bombardeamentos e em recuperá-los pela força. O Hamas disse, em comunicado, que está a fazer “todo o possível” para manter os reféns vivos, “mas os bombardeamentos sionistas aleatórios estão a pôr em risco as suas vidas”.