Donald Trump e Gavin Newsom partilham o facto de os seus antepassados terem feito fortuna na construção civil e de ambas as famílias terem ascendido à elite das respetivas cidades, Nova Iorque e São Francisco. Quase tudo o resto separa o atual presidente e o governador da Califórnia que não esconde a ambição de ser o próximo a sentar-se na Sala Oval: estão em lados opostos da barricada política - também nos protestos contra as detenções em massa de imigrantes em Los Angeles - e a relação pessoal entre ambos azeda a cada hora que passa. Foi o avô do governador da Califórnia, William Alfred Newsom II, quem fez nome na construção civil. O filho, William Alfred Newsom III, foi juiz e mais tarde gestor da fortuna da família Getty. Quando Gavin Newsom foi eleito governador, em 2019, uma das suas primeiras medidas foi aplicar uma moratória à pena de morte, que considera ser uma medida “ineficaz, irreversível e imoral”. A história familiar está intimamente ligada à decisão de poupar as vidas de 737 condenados. Nos anos 40, uma funcionária do seu avô era namorada de Pete Pianezzi, que cumpria pena perpétua e tinha escapado à pena de morte por um voto do júri, condenado por um duplo assassínio que não cometeu. Ao longo de décadas, avô e pai Newsom tentaram - e acabaram por obter - a libertação, primeiro, o perdão parcial depois e, em 1981, depois de se ter dado como provado que a autoria do crime era de dois mafiosos por parte do Supremo Tribunal da Califórnia, recebeu o perdão do governador Jerry Brown. Gavin Newsom, que conheceu Pianezzi quando tinha 10 anos, levou para o seu cargo o peso da família na luta pela justiça e pela reabilitação do nome de um inocente. Levou também os laços de amizade e de negócios de algumas das mais poderosas famílias de São Francisco: Getty, Brown e Pelosi (a ex-presidente da Câmara dos Representantes foi tia por afinidade de Gavin). Antes de se iniciar na política, o atual governador abriu a cadeia de restaurantes e de lojas de vinho PlumpJack com Billy Getty, neto do homem que chegou a ter a maior fortuna dos EUA, J. Paul Getty. Tal como o avô se envolveu nas campanhas locais enquanto democrata, ajudando a eleger Pat Brown, Gavin Newsom também se iniciou na política de São Francisco ao fazer parte da bem-sucedida campanha de Willie Brown (sem relação com a referida família) para a presidência da Câmara, em 1995. Da eleição do primeiro mayor negro naquela cidade resultaria também que no ano seguinte Brown nomeasse Newsom para um cargo na Comissão de Trânsito e Estacionamento e, mais tarde, para o Conselho de Supervisores, o órgão legislativo da cidade. Em 2004, numa medida que contrasta com o currículo de Trump, Gavin Newsom vendeu a sua parte dos negócios que detinha na cidade para concorrer, com sucesso, à sucessão de Brown. Uma das suas primeiras medidas, mais simbólica do que outra coisa, foi permitir a emissão de licenças de casamento de pessoas do mesmo sexo. As licenças acabariam por ser revogadas pelo Supremo da Califórnia. Mas Newsom foi pioneiro num direito que acabou por ser legalizado em 2013 naquele estado. Nesse ano já o democrata era vice-governador da Califórnia, depois de cumprir dois mandatos como presidente de São Francisco. O mesmo aconteceu como número dois do estado e agora cumpre o segundo mandato como governador. A relação com Donald Trump (que o chama nas redes sociais de Newscum, “Nova escória”) foi sempre de tensão. Ao visitar a Califórnia em janeiro, após os incêndios que atingiram a região de Los Angeles, o presidente foi recebido por Newsom, a quem responsabilizou pelo desastre. O californiano manteve a postura e no mês seguinte visitou a Casa Branca para obter apoios federais. Na altura disse estar confiante em construir uma “forte parceria” com o presidente. No início de maio, depois de Trump ter anunciado tarifas aos filmes estrangeiros para defender a indústria cinematográfica americana, o governador pediu para se fazer uma parceria entre o estado e o governo federal para conceder incentivos fiscais a Hollywood. Em paralelo, o governador protagonizou anúncios televisivos contra a política tarifária do presidente. As relações passaram de tensas a quase nulas em poucas horas. Depois do início das rusgas contra os imigrantes por parte do Serviço de Migração e Fronteiras (ICE) e dos protestos que descambaram em violência, Trump avocou a si o direito de enviar a Guarda Nacional (militares na reserva) e fuzileiros depois, num avolumar de tensões que Newsom e os democratas dizem ser uma provocação com contornos meramente políticos. Depois de Newsom comparar Trump a um “ditador” e de iniciar um processo legal contra a decisão do presidente, este disse que seria “ótimo” se o governador fosse preso pelo diretor do ICE, Tom Homan. “Isto é o que se vê nos regimes autoritários”, retrucou Newsom em entrevista ao The Washington Post..Autarca de Los Angeles impõe recolher obrigatório de 10 horas devido aos protestos