As imagens de euforia em Telavive do regresso das três reféns israelitas a casa, após 471 dias nas mãos do Hamas na Faixa de Gaza, foram replicadas em Ramallah após a libertação de 90 palestinianos detidos nas prisões em Israel. Os autocarros da Cruz Vermelha Internacional que os transportaram foram recebidos já de madrugada por uma multidão em festa (e com algumas bandeiras do Hamas) - apesar dos avisos de Israel contra estas celebrações. Mas afinal, quem foram os prisioneiros libertados ao abrigo do acordo de cessar-fogo?Sete horas depois de Romi Gonen, Doron Steinbrecher e Emily Damari terem sido entregues à Cruz Vermelha Internacional na cidade de Gaza, 90 mulheres e jovens saíram da prisão de Ofer (na Cisjordânia ocupada) em autocarros da organização humanitária. Tinham sido transferidos previamente para esta prisão desde outros centros prisionais. No total, e antes desta libertação, estimava-se em 10 400 o número dos presos palestinianos em Israel. Segundo o site de notícias Ynet News, os israelitas culparam a própria Cruz Vermelha - que verificou a identidade dos prisioneiros e o seu estado de saúde - pelo atraso na libertação. Alegaram que o objetivo era que Israel ficasse mal visto por não cumprir com os termos do acordo de cessar-fogo, já que as libertações só ocorreram na madrugada do segundo dia de trégua.Entre os libertados há 69 mulheres e 21 rapazes, com idades entre os 15 e os 18 anos, segundo a lista divulgada pela Autoridade Palestiniana para Assuntos de Prisioneiros e Ex-Prisioneiros. Segundo os dados compilados pela Al Jazeera, só oito dos 90 tinham sido detidos antes dos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023, nos quais cerca de 1200 pessoas morreram e mais de 250 foram levadas como reféns para Gaza - restando agora menos de uma centena, nem todos com vida.Nenhuma das pessoas libertadas esta terça-feira foi condenada por homicídio, mas se o acordo for cumprido há cerca de 200 que vão sair em liberdade apesar de terem matado cidadãos israelitas - com Israel a dizer que serão deportados e impedidos de regressar a casa na Cisjordânia. Segundo a Reuters, isso inclui o preso palestiniano há mais tempo nas prisões israelitas - visto como o “decano” pelos companheiros. Nael Barghouti, de 67 anos, passou 44 anos na prisão pela morte de um motorista de autocarro israelita em 1978. Foi libertado numa troca de presos anterior, em 2011, mas preso novamente três anos depois. Neste primeiro grupo de libertados estavam contudo pessoas condenadas por tentativa de homicídio, incluindo o mais jovem. Mahmoud Aliwat, de 15 anos, feriu duas pessoas a tiro em Jerusalém quando tinha 13 anos. Uma das mais velhas a ser posta em liberdade é uma das presas mais destacadas deste grupo. Khalida Jarrar foi presa pela primeira vez em 1989 e serviu várias penas de prisão em Israel desde 2015. Estava detida agora desde 23 de dezembro de 2023. A ativista e dirigente da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), uma organização considerado terrorista por Israel, EUA e União Europeia que também terá participado nos ataques do 7 de outubro com o Hamas, terá passado seis meses numa cela isolada, ao abrigo da chamada “detenção administrativa”. Esta medida permite a Israel deter pessoas sem julgamento durante um período não especificado de tempo, ao abrigo de provas consideradas “classificadas” e às quais o próprio detido não tem acesso. Algo que é muitas vezes denunciado e criticado por organizações de direitos humanos internacionais como a Human Rigths Watch ou a Amnistia Internacional. No primeiro grupo de libertadas está também Dalas Kashib, irmã do antigo número dois político do Hamas Saleh al-Arouri, morto há um ano num ataque nos arredores de Beirute. Estava detida desde então. E Abla Abdulrasool, mulher do líder da FPLP Ahmad Saadat, que cumpre uma pena de 30 anos de prisão em Israel. Estava presa desde setembro do ano passado. Outra libertada é Rula Hassanein, diretora da Wattan Media Network (de Ramallah) detida em março de 2024. Foi condenada por incitação à violência nas redes sociais. A família diz que precisa de cuidados de saúde urgentes, depois de ter sido libertada. Aos media árabes, alguns dos prisioneiros deste grupo alegaram terem sido detidos em condições de “negligência”, falando em “tortura” e “maus tratos”.No final da primeira fase do cessar-fogo, se tudo correr como o previsto, terão sido libertados 33 reféns israelitas (todas as mulheres, incluindo militares, as crianças e os homens civis com mais de 50 anos, feridos ou doente). Nem todos estarão vivos. Os próximos quatro reféns serão libertados apenas no domingo. Inicialmente o prazo dado foi sábado, mas esta segunda-feira o porta-voz do Hamas, Nahed Fakhoury, citado pelo Ynet News, esclareceu que o processo começa nesse dia, com a divulgação dos nomes dos reféns envolvidos, com Israel a ter que revelar a lista dos presos a libertar. Só no domingo o processo será concluído com a troca propriamente dia. Segundo os cálculos, cerca de 1900 prisioneiros palestinianos que estão nas prisões israelitas serão libertados no final da primeira fase. Ao abrigo do acordo, por cada refém (seja mulher, menor ou idoso) serão libertados 30 palestinianos. Por cada ferido - e segundo o The Times of Israel serão nove - serão libertados 110 presos. E por cada militar do sexo feminino libertada, serão postos em liberdade mais 50 pessoas. O ministro da Defesa israelita, Israel Katz, deu esta segunda-feira ordens às Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) para impedirem celebrações como a que ocorreu na última madrugada. “Todas as medidas devem ser tomadas para evitar a recorrência de celebrações e marchas palestinianas em homenagem à libertação de terroristas palestinianos para a Judeia e Samaria [Cisjordânia ocupada]”, disse Katz numa carta ao chefe do Estado-Maior das IDF, Herzi Halevi. E defende que devem atacar “qualquer terrorista palestiniano armado que participe nestas marchas”.A segunda fase do cessar-fogo começa a ser negociada dentro de duas semanas, devendo incluir um acordo para a libertação dos reféns militares. Mas pode revelar-se complicada, já que implicará também negociar o fim oficial do conflito. susana.f.salvador@dn.pt