“Quem mandou matar Marielle?” A resposta pode estar por horas
“2147 dias. Quem mandou matar Marielle? E por quê?”. Eliane Brum, jornalista e escritora brasileira, faz a mesma pergunta no X, ex-Twitter, desde o assassinato, a 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A resposta, entretanto, pode estar a chegar: Ronnie Lessa, o matador de aluguer contratado para executar a vereadora, decidiu colaborar com a investigação e, entre outros nomes, terá apontado Domingos Brazão, ex-deputado estadual com ligação à milícia carioca, como mandante. Ele teria agido por vingança e por uma questão de disputa de terras.
Como um acordo de delação só é aceite depois de verificadas as informações, ainda não há confirmação oficial nem desse acordo, nem dos nomes delatados, a não ser em relatos de fontes da Polícia Federal (PF), off the record, na imprensa brasileira. A delação, em julho, do motorista, Élcio Queiroz, do automóvel de onde saíram os disparos, só foi aceita e tornada pública depois de corroborados os detalhes do crime citados por ele.
Os jornais já adiantam, entretanto, que o motivo seria a ação política de Marielle – ela queria classificar “de interesse social” terras nas mãos de milicianos aliados de Brazão. Por outro lado, Brazão é inimigo político do deputado Marcelo Freixo desde uma CPI sobre milícias em que este acusou aquele de chefiar uma. Freixo, que hoje preside ao órgão de turismo nomeado por Lula da Silva, era mentor, amigo e, à época, companheiro de partido – o PSOL, comparável ao Bloco de Esquerda – de Marielle.
O delatado nega
Mesmo sem a confirmação da delação e do nome dos delatados, os protagonistas já comentaram. A começar por Brazão: “Não conhecia e não me lembro da vereadora Marielle Franco, nem como assessora do Freixo. Não me lembro da presença dela no plenário. Infelizmente, ouvi falar muito dela quando aconteceu essa trágica ocorrência com ela e com o Anderson”.
“Em relação a esses personagens que estão aparecendo aí, tanto Queiroz como Lessa, também não os conhecia”, prosseguiu. “Não tenho envolvimento com a morte da Marielle, passaram cinco delegados pelo caso e não posso imaginar que todos estejam arriscando as carreiras para me proteger…”
Brazão, 58 anos, deputado estadual por cinco mandatos seguidos e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, já fora citado ao longo da investigação por supostamente ter estado por trás de uma denúncia, em 2018, que se revelou falsa. Militante do MDB, partido de centro com lulistas e bolsonaristas nos quadros, admitiu, em plenário, ter cometido um homicídio – “contra um marginal que tinha ido à minha casa, no dia do meu aniversário” – do qual foi absolvido. E, em 2017, chegou a ser preso num caso de corrupção envolvendo o Tribunal de Contas.
Freixo, por sua vez, escreveu nas redes sociais que está a acompanhar o caso. “É desejo de todos descobrir de uma vez por todas quem mandou matar Marielle e qual a motivação”.
Anielle Franco, ministra da Igualdade de Lula e irmã de Marielle, disse que “são quase seis anos da maior dor que já sentimos”. “A nossa família aguarda os comunicados e resultados oficiais das investigações”.
Mohana Lessa, a filha de Ronnie que vinha lutando para provar a inocência do pai, afirmou que caso se comprove que foi ele quem matou, rompe relações. “Com os últimos acontecimentos, o que posso falar em nome de toda a família é que se ele realmente cometeu esse crime, com toda a dor no meu coração, nós não poderemos mais ter qualquer tipo de relação com ele”. “Se eu realmente perdi todo esse tempo tentando provar algo inexistente, não me restará escolha a não ser pedir que Deus o abençoe no seu caminho, que será longe do meu”.
Bolsonaro "aliviado"
Desde os primeiros passos da investigação, o nome de Jair Bolsonaro vem sendo ligado ao caso. Em primeiro lugar, Lessa e Bolsonaro moravam no mesmo condomínio e Mohana e Jair Renan, filho mais novo do ex-presidente, chegaram a namorar. Depois, um porteiro desse condomínio disse que foi Bolsonaro a dar ordem para a entrada de Queiroz no local na data do crime – mas o então deputado estava em Brasília nesse dia.
Por outro lado, Lessa pertencia ao Escritório do Crime, milícia liderada pelo criminoso Adriano da Nóbrega, um ex-polícia distinguido com medalhas de mérito tanto por Bolsonaro como pelo filho mais velho, Flávio, no gabinete do qual trabalhavam a ex-mulher e a mãe de Nóbrega.
E na última quinta-feira foi noticiado que durante a presidência de Bolsonaro, a ABIN, serviço de inteligência estatal, investigou ilegalmente uma promotora do Caso Marielle.
Como Brazão foi apoiante de Dilma Rousseff – pertence ao partido de Michel Temer, que concorria a vice dela –, Bolsonaro confessou-se aliviado. “Para mim, é um alívio. Bota um ponto final nessa história”. Porém, Chiquinho Brazão, irmão de Domingos, é aliado de Bolsonaro. “Não é porque o Domingos Brazão apoiou a Dilma ou porque o irmão dele me apoiou que qualquer um de nós tem algo a ver com o caso. Mas se tivesse uma foto do Brazão com o meu adesivo no peito, seria um estardalhaço”.
CRONOLOGIA
14 DE MARÇO DE 2018
Marielle Franco, vereadora do Rio, e o motorista Anderson Gomes são executados no centro da cidade com 13 tiros disparados de outra viatura
MAIO DE 2018
O vereador Marcello Siciliano e o miliciano Orlando Araújo são investigados após denúncia de um ex-polícia com ligações a Brazão, que se revelou falsa
MARÇO DE 2019
Os ex-polícias Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são presos, acusados de serem os autores do atentado – Lessa disparou, Queiroz guiou o veículo
FEVEREIRO DE 2022
Caso chega ao quinto delegado da polícia carioca responsável em quatro anos
FEVEREIRO DE 2023
Um mês após a posse de Lula, o novo ministro da Justiça e da Segurança, Flávio Dino, anuncia maior presença da polícia federal no caso
JULHO DE 2023
Élcio Queiroz aceita colaborar com a investigação e conta detalhes do crime
JANEIRO DE 2024
Depois de resistir por quase cinco anos, Ronnie Lessa inicia processo de delação