Marielle foi assassinada a 14 de março de 2018. Desde então se clama por justiça no Brasil e pela idenficação dos mandantes do crime.  --- Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
Marielle foi assassinada a 14 de março de 2018. Desde então se clama por justiça no Brasil e pela idenficação dos mandantes do crime. --- Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Quem é quem no assassinato da vereadora Marielle Franco

Há, segundo as investigações, dois irmãos mandantes. E um assassino, um motorista, um espião e um punhado de intermediários. Além do polícia que vestia pele de cordeiro mas afinal era um lobo.
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O enigma da execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Torres está perto da conclusão, segundo a Polícia Federal (PF) do Brasil, cuja operação Murder Inc, deflagrada no domingo, 24, prendeu os dois mandantes e o arquiteto do crime. Para essas detenções contribuíram as delações premiadas do assassino e do cúmplice que, após cinco anos presos, resolveram colaborar com os investigadores.

Mas quem são, afinal, as personagens do assassinato, na noite de 14 de março de 2018, no centro do Rio de Janeiro?

As vítimas

Comecemos por Marielle Franco e pelo motorista Anderson Torres, as vítimas mortais do crime. Marielle, mulher, negra, socióloga e ativista, era vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, partido de esquerda, desde 2016, quando foi eleita com mais de 46 mil votos.

No cargo, presidiu à Comissão de Defesa da Mulher, denunciou abusos policiais e foi crítica da intervenção federal decretada, menos de um mês antes da sua morte, pelo então presidente Michel Temer, com o objetivo de diminuir os índices de criminalidade do Rio.

Anderson era amigo e motorista de Marielle. Na noite em que morreram, Anderson esperava Marielle na Casa das Pretas, instituto de apoio a mulheres negras, onde a vereadora havia dado uma palestra. No caminho para casa dela, a viatura em que seguiam, com a assessora Fernanda Chaves, foi atingida por 13 tiros saídos de outro carro.

Marielle, o alvo dos executores, morreu na hora, assim como Anderson, uma vítima colateral, segundo as investigações. Sobreviveu, com ferimentos ligeiros, a assessora Fernanda Chaves. “Foi um crime político, o maior desde a redemocratização [em 1985] do Brasil”, disse ela ao DN, em 2019.

O executor e o motorista

No carro de onde saíram os tiros estava Ronnie Lessa, um ex-polícia condecorado por atos de bravura pela mesma Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ) onde Marielle trabalhava. Investigado pela suposta execução de duas pessoas numa operação policial, perdeu a perna noutra operação, aos 39 anos, quando terá passado a atuar na milícia, a máfia carioca, como “matador de aluguel”. Foi ele quem disparou 13 vezes contra o carro onde estava Marielle naquela noite.

A guiar o veículo estava Élcio Queiroz, também ex-polícia. Os dois, que logo após cometerem o crime assistiram ao jogo Emelec-Flamengo num bar, assinaram delações premiadas que levaram à identificação dos autores morais do crime.

Os mandantes

Os autores morais, delatou Lessa e confirmou a polícia, foram Domingos e Chiquinho Brazão, irmãos com longa trajetória na política do Rio de Janeiro e do Brasil. O primeiro exerce hoje o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio; o segundo é deputado federal pelo União Brasil, partido que entretanto já votou a sua expulsão. Domingos chegou a ser preso por desvio de dinheiro no tribunal e admitiu ter cometido um homicídio aos 22 anos, do qual foi absolvido. “Matei sim uma pessoa, um marginal que foi a minha casa no meu dia de aniversário”, afirmou em sessão na ALERJ.

Milicianos com forte influência eleitoral e imobiliária em Jacarepaguá e no Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, já haviam sido citados como suspeitos ao longo destes seis anos. Embora ainda não estejam esclarecidos os motivos para os irmãos Brazão encomendarem o crime, segundo a PF, Marielle foi ouvida, por Laerte Lima, a pedir às populações da região para não morarem em imóveis controlados pela milícia.  

O espião

Laerte Lima era colega de Marielle no PSOL, partido ao qual se filiou, ao lado da mulher, em 2016. No entanto, era também um dos braços armados da milícia controlada pelos Brazão. Ele foi infiltrado por eles no PSOL para apurar as intenções do partido, visto como inimigo dos milicianos desde a ação de Marcelo Freixo, mentor político de Marielle. Laerte não foi preso na Operação Murder Inc porque está detido desde 2019 no âmbito da Operação Os Intocáveis, cujo alvo era a milícia Escritório do Crime, composta por matadores de aluguer.  

Os intermediários

Além de Laerte, outros nomes são citados na operação como Suel e Hulkinho, que forneceram o carro devidamente clonado para o crime, Peixe, assessor pessoal de Domingos Brazão que providenciou a arma, e Macalé, o contratado original para a execução.

Macalé, porém, entregou o serviço a Lessa, que aceitou imediatamente porque o pagamento era em lotes de terras na região sob controle da família Brazão. A propósito, Macalé foi executado em 2021 enquanto se dirigia para o carro por tiros saídos de outra viatura num caso ainda por resolver.

O traidor

Ainda a caminho da cena do crime, na noite de 14 de março, Freixo, o mentor de Marielle, telefonou para Rivaldo Barbosa, o delegado de polícia de confiança do PSOL e de outras forças progressistas no estado do Rio, além de íntimo da vereadora executada. Horas depois da execução, Barbosa disse às famílias de Marielle e de Anderson que era “questão de honra pessoal” resolver o caso.

Promovido na véspera a chefe da polícia do Rio por decisão do interventor federal Braga Netto, que tempos depois se tornaria ministro de Jair Bolsonaro e até seu candidato a vice em 2022, Barbosa, afinal, foi quem planeou “meticulosamente” o crime, segundo a PF, de forma a ser o mais difícil possível decifrá-lo. Com mais dois delegados subordinados, atrapalhou depois a investigação.  

Érika Araújo, mulher de Barbosa, também foi alvo da Murder Inc por lavar, na sua empresa, o dinheiro da milícia recebido pelo marido.

“O nome da família Brazão não nos surpreende mas foi uma grande surpresa saber que Rivaldo, o homem que nos abraçou, prestou solidariedade e sorriu, tem envolvimento. Isso significa que a Polícia Civil não foi só negligente, foi conivente”, reagiu Monica Benício, vereadora do PSOL e viúva de Marielle.

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