O Brasil, sexto maior mercado do mundo do X, ex-Twitter, com 21,5 milhões de utilizadores, acordou este sábado, 31 de agosto, sem a rede social. Porquê? Por causa de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) que antes de enfrentar Elon Musk, o multimilionário dono da plataforma, combatera Jair Bolsonaro e o bolsonarismo. Moraes – ou Xandão, como é conhecido à esquerda, ou ‘ditador de toga”, como é chamado à direita – tem sido um dos maiores protagonistas da política brasileira dos últimos anos..Comecemos pelo fim: a partir das 00:07, hora de Lisboa, de sexta-feira, 30, expirado o prazo dado por Moraes para o X indicar um representante legal no Brasil, as 20 mil prestadoras de internet de banda larga do país receberam da Agência Nacional de Telecomunicações a ordem judicial para retirarem a rede social do ar. .Em causa, a determinação do juiz do STF para o X bloquear seis contas, entre as quais a de um senador de direita, por desinformação e fake news. Como o X considerou a decisão uma “censura” e respondeu que encerraria as suas operações no país, despediria o staff local e ordenaria a retirada da sua representante legal no país, o juiz fez aquele ultimato..“Em breve, esperamos que o Ministro Alexandre de Moraes ordene o bloqueio do X no Brasil – simplesmente porque não cumprimos as suas ordens ilegais para censurar os seus opositores políticos”, reagiu Musk. “Alexandre de Moraes é um ditador maligno que se passa por juiz”, completou..A batalha já vinha de abril, quando Musk perguntou, via X, “por que o Congresso permite o poder de um ditador brutal a Moraes”. “Ele não foi eleito. Deixe-o cair”, sugeriu o sul-africano. “Como Alexandre de Moraes se tornou o ditador do Brasil? Ele tem Lula preso pela trela (...) tirou Lula da prisão e colocou o seu dedo na balança para eleger o presidente (...) A próxima eleição será fundamental (...) ele é o ditador (obviamente) não eleito do Brasil”..Por esses e outros comentários, Musk tornou-se um ídolo da direita bolsonarista, para quem o “ditador de toga” ou “cabeça de ovo” ou “vampiro”, como apelidam Moraes, já era o maior alvo, acima de Lula e do PT..A 7 de setembro de 2021, nas comemorações dos 199 anos da independência do Brasil, o então presidente Bolsonaro dera o mote ao chamar o juiz de "canalha" e defender que ele fosse "enquadrado". "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida", disse o presidente, diante de apoiantes em delírio..A razão para a animosidade dos bolsonaristas é o conjunto de dossiês incómodos para a extrema-direita que Moraes tem em mãos: além de mandar prender os deputados bolsonaristas Daniel Silveira e Roberto Jefferson, trata do "inquérito das fake news", em que o presidente é um dos investigados pelos ataques sem provas ao sistema de votação por urnas eletrónicas, e do "inquérito das milícias digitais", que apura a existência de uma organização criminosa montada para atentar contra a democracia e suas instituições, abastecida com verba pública, sob liderança de filhos do presidente – e é aqui que entra Musk..Após Musk ameaçar não cumprir o bloqueio das contas, Moraes determinou a inclusão do empresário nesse inquérito e noutro, o “inquérito do 8 de janeiro”, nascido depois, que investiga, além da invasão à praça dos Três Poderes, naquele dia de 2023, a tentativa de golpe de Estado cometida por apoiantes, incluindo militares, de Bolsonaro..Para justificar a inclusão de Musk no inquérito, Moraes argumentou que “as redes sociais não são terra sem lei e nem terra de ninguém” e que “os provedores de redes sociais devem absoluto respeito à Constituição Federal, à lei e à jurisdição brasileira”..Em aparições públicas ao longo dos últimos meses, Bolsonaro chamou Musk de “mito da liberdade” e disse que agora tem "um apoio de fora do Brasil muito forte” e que "grande parte da liberdade" nas redes sociais no país “está nas mãos dele”..Natural de São Paulo, Moraes, 55 anos, teve influente carreira política antes de chegar ao STF. Formado em direito em 1990, foi secretário da Justiça e da Segurança Pública do estado de São Paulo, sob as ordens do governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente de Lula..Em 2016, depois do impeachment de Dilma Rousseff, aceitou o convite de Michel Temer para assumir a pasta da Justiça no governo federal. No início de 2017, entretanto, seria nomeado pelo presidente novo juiz do STF na vaga de Teori Zavascki, falecido após acidente aéreo. Na altura, a escolha foi criticada pela esquerda, que hoje chama Moraes carinhosamente por “Xandão” e o vê como um Sergio Moro, o juiz da Lava-Jato que mandou prender Lula, benigno. E aplaudida pela direita que agora, pelo contrário, grita “fica X, fora Xandão”..Na imprensa, em paralelo com a discussão ampla da “liberdade de expressão”, por um lado, e do “combate às fake news”, por outro, os fazedores de opinião criticam o autoritarismo e o excesso de protagonismo do juiz mas aplaudem a sua ação, considerada fundamental, para evitar um golpe de estado após a derrota eleitoral de Bolsonaro. Ao mesmo tempo que estranham que Musk, cujo empreendedorismo inovador é digno de elogios, cumpra sem pestanejar leis em países autoritários, como China e Arábia Saudita, mas reclame no Brasil.