O ataque a Bolsonaro teve lugar em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 6 de setembro de 2018. -- Foto: RAYSA LEITE/AFP
O ataque a Bolsonaro teve lugar em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 6 de setembro de 2018. -- Foto: RAYSA LEITE/AFP

Quando o atentado contra Bolsonaro foi uma facada em Haddad

Na eleições de 2018, o candidato brasileiro de extrema-direita cresceu nas sondagens e evitou debates antes de ser eleito presidente depois de ser esfaqueado. Efeito político pode repetir-se nos EUA. Bolsonaro reagiu assim ao ataque a Trump: “Nos veremos na posse”.
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Antes do atentado que sofreu a 6 de setembro de 2018, a um mês da eleição presidencial, o então candidato Jair Bolsonaro já liderava a corrida mas as sondagens mais recentes atribuíam-lhe 23%. A partir de então, o candidato da extrema-direita passou a ter mais cobertura televisiva, a sofrer menos ataques dos rivais e pôde suspender a participação em debates até ao fim da segunda volta, que ganharia com 55,13% dos votos, cerca de mais dez pontos do que o rival Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores.

Se a facada de Adélio Bispo, um inimputável que agiu sozinho, segundo a justiça brasileira, perfurou o abdómen de Bolsonaro, atingiu em cheio o coração da campanha de Haddad, o candidato apoiado pelo hoje presidente Lula da Silva, então preso. Por isso, as comparações entre Bolsonaro e Donald Trump, entre Haddad e Joe Biden e entre Bispo, um desempregado então com 40 anos, e Thomas Crook correm soltas no Brasil – e não só.    

“O episódio [nos EUA] pode ter o mesmo efeito político que a facada levada por Jair Bolsonaro na campanha presidencial brasileira em 2018 – tornando ainda menores as chances de os democratas vencerem a eleição, com ou sem Joe Biden como seu candidato”, escreveu a jornalista Patrícia Campos Mello, no jornal Folha de S. Paulo.

“Nos Estados Unidos, o suposto atentado contra Trump priva os democratas de uma de suas principais armas – demonizar um candidato que tem muitos pontos fracos e cujo principal problema, para os eleitores independentes que são tão cruciais para esta eleição, era a sua imagem como uma pessoa ‘desagradável’, com quem se é difícil simpatizar”, completa.

O próprio Jair Bolsonaro, ao comentar o atentado contra Trump, pareceu levar em consideração o potencial eleitoral de um atentado falhado: “Nos veremos na posse”, escreveu na rede social X o ex-presidente brasileiro depois de “prestar solidariedade ao maior líder mundial do momento”.

Noutra ocasião reforçou que a sobrevivência do candidato presidencial norte-americano ao atentado, assim como a sua, é obra divina, um discurso muito difundido entre os seus apoiantes. “Os médicos dizem que foi um milagre eu ter sobrevivido em 2018, tendo em vista a gravidade dos ferimentos. Ele foi salvo por questão de poucos centímetros. Isso, no meu entender, é algo que vem de cima”.

E, nos momentos de queda de popularidade de Bolsonaro na presidência, a associação ao sobrenatural voltava sempre ao noticiário. “Jair Bolsonaro só não morreu por um milagre de Deus”, escreveu o deputado Eduardo Bolsonaro. “Foi milagre de Nosso Senhor”, acrescentou a deputada Carla Zambelli, “até hoje ele sofre as consequências do atentado e será submetido ao sexto procedimento cirúrgico em decorrência deste crime”
Lula, entretanto, considerou “inaceitável” o episódio ocorrido nos Estados Unidos e disse que “deve ser repudiado veementemente por todos os defensores da democracia e do diálogo”.

Outros casos

Menos de seis meses antes, a 14 de março, do atentado contra Bolsonaro, o Brasil despertara com a notícia da execução de Marielle Franco no centro do Rio de Janeiro. Eleita pelo PSOL, partido de esquerda, a vereadora carioca foi vítima de uma emboscada contra o carro em que circulava, da qual resultaram a sua morte, com 13 tiros, e a do motorista da viatura, Anderson Gomes. Os autores confessos do crime são Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, dois ex-polícias que agiram, segundo os próprios, a mando dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, políticos de direita e milicianos.       

Mas a lista de crimes recentes contra políticos não se resume ao Brasil – na vizinha Argentina, a ex-presidente Cristina Kirchner foi vítima de um atentado em setembro de 2022 durante uma manifestação, em Buenos Aires, mas o revólver de Fernando Montiel, cidadão brasileiro que se afirma “justiceiro social”, não disparou.

Semanas antes, uma caravana onde supostamente seguia o então recém-eleito presidente da Colômbia foi alvo de uma emboscada numa falsa operação stop por homens armados mas Gustavo Preto não estava na comitiva.

E a 7 de julho de 2021, um grupo de cidadãos, na sua maioria colombianos, invadiu a residência de Jovenel Moïse, presidente do Haiti, e matou-o. A primeira-dama foi atingida mas sobreviveu. Segundo o The New York Times, Moïse tencionava entregar uma lista de políticos e empresários locais envolvidos com o tráfico de drogas.

Os atentados, entretanto, não se resumem ao continente americano: no coração da Europa, o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico foi baleado e ferido por um homem de 71 anos a 15 de maio deste ano durante uma reunião do governo em Handlova, a 160 kms de Bratislava. 

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