Putin visita Mariupol: "O criminoso volta sempre ao local do crime"

Presidente russo esteve pela primeira vez no Donbass, numa viagem criticada por Kiev e já depois de ser emitido um mandado de captura do TPI. Hoje recebe Xi Jinping em Moscovo.

O presidente russo, Vladimir Putin, visitou a cidade ocupada de Mariupol, num gesto que Kiev equiparou ao de um criminoso a regressar ao local do crime. Um vídeo da visita foi partilhado pelos media oficiais russos, com o Kremlin a alegar que grande parte da passagem pela cidade portuária no Donbass, no sábado à noite, foi "espontânea". Mais cedo, o presidente tinha estado em Sevastopol, na Crimeia, para assinalar o aniversário da anexação - não reconhecida pela comunidade internacional.

"O criminoso regressa sempre ao local do crime. Enquanto o mundo civilizado anuncia a detenção do "diretor da guerra" (Putin) caso cruze as suas fronteiras, o assassino de milhares de famílias de Mariupol veio admirar as ruínas da cidade e as campas. Cinismo e falta de remorsos", escreveu no Twitter Mykhailo Podolyak, conselheiro do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Na sexta-feira, o Tribunal Penal Internacional, que Moscovo não reconhece, emitiu um mandado de captura contra Putin pela "deportação ilegal de crianças" das zonas ocupadas da Ucrânia.

Mariupol, importante cidade industrial no Mar de Azov, foi palco de violentos combates no início da invasão, tendo a última bolsa de resistência na siderurgia de Azovstal caído em meados de maio, após semanas de cerco. A cidade ficou completamente destruída.

Putin chegou de helicóptero já de noite - "como se fosse um ladrão", relatou no Twitter o Ministério da Defesa ucraniano - e percorreu Mariupol ao volante de um carro, tendo sido informado dos trabalhos de reconstrução. "Inicialmente, o plano era apenas visitar este complexo residencial e, claro, nem encontrar os cidadãos nem entrar nas suas casas estava planeado. Foi tudo completamente espontâneo", disse ontem o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

"Estamos a rezar por si", disse um dos alegados habitantes do distrito Nevsky com quem Putin falou, diante das câmaras da televisão, alegando que o bairro reconstruído era "um pedaço de paraíso". O vice-primeiro-ministro russo, Marat Khusnullin, alegou que os habitante estão a regressar "ativamente" à cidade. Antes da invasão, meio milhão de pessoas vivia em Mariupol - restavam cem mil quando a Rússia conquistou a cidade. Kiev alega que pelo menos 20 mil foram mortos nos ataques russos, tendo a União Europeia declarado o cerco como "crime de guerra massivo".

No regresso à Rússia, o presidente esteve já ontem na cidade de Rostov-na-Donu, na região de Rostov, para um encontro com os líderes militares russos e o centro de controlo responsável pela operação militar na Ucrânia. "Nem a administração presidencial nem o Ministério da Defesa planearam a visita com antecedência", referiu Peskov, dizendo que o objetivo era "inspecionar o trabalho do centro no seu modo normal de operação".

A ida de Putin a Mariupol foi a primeira à região do Donbass e é o mais perto que já esteve da frente de combate desde o início da "operação militar especial". A visita aconteceu em vésperas de receber em Moscovo o presidente chinês, Xi Jinping, numa viagem que espera servir para reforçar a parceria "sem limites" entre os dois países.

O líder chinês é esperado hoje na capital russa para um almoço informal, estando prevista para amanhã a reunião formal e a conferência de imprensa conjunta.

No mês passado, Pequim publicou o seu "plano de paz" de 12 pontos - na realidade um "acordo político para a crise ucraniana". Nele apelava a ambos os lados para que retomassem as negociações de paz, defendia o respeito pela soberania de todos os países e reiterava a sua oposição ao uso de armas nucleares. Mostrava-se ainda contra as sanções internacionais. O Ocidente criticou a proposta, por considerar que punha no mesmo plano o agressor e o agredido, e lembrando que não só a China não condenou a invasão, como mantém viva a economia russa.

Mas Kiev não rejeitou totalmente a ideia e Zelensky disse estar aberto a falar com Xi. Segundo o The Wall Street Journal, o presidente chinês poderá falar pela primeira vez com o homólogo ucraniano, por videoconferência, depois de visitar Moscovo. Xi, que neste mês viu oficializado o seu terceiro mandato à frente dos destinos da China, tem procurado um papel mais ativo a nível internacional, tendo Pequim surpreendido ao mediar um acordo para o reatar das relações entre o Irão e a Arábia Saudita.

Em relação à Ucrânia, desde o início que Bruxelas defendia que tinha um papel a desempenhar, devido à influência na Rússia, mas esta não se veio a confirmar. Os EUA chegaram a alegar que a China estava preparada para vender armas a Moscovo, o que Pequim negou. Washington avisou entretanto que não apoiará nenhuma declaração de cessar-fogo que Xi possa conseguir na visita a Moscovo, defendendo que isso só daria mais tempo aos russos para se reforçarem antes de nova ofensiva.

susana.f.salvador@dn.pt

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