Putin espera "estabilização" nas regiões que quer anexar
No dia em que Vladimir Putin promulgou a legislação que torna oficial o seu desejo de anexação de quatro territórios ucranianos, o governador de Lugansk disse que começou a desocupação da região que chegou a estar praticamente na totalidade sob controlo russo. O líder russo também ordenou que a Central Nuclear de Zaporíjia passe a ser administrada por russos. Em resposta à anunciada anexação, a União Europeia acordou uma nova ronda de sanções contra Moscovo.
Em declarações a um programa de televisão, Putin afirmou que, "apesar das tragédias em curso", tem um "enorme respeito pelo povo ucraniano e pela cultura ucraniana", uma mensagem em contradição com os ataques diários a civis e com o texto que publicou no verão passado, no qual defende a "unidade" de ucranianos e russos, isto é, pela ótica imperialista.
O presidente russo, que se dirigia aos professores dos "89 territórios" (incluindo na contagem os cinco da Ucrânia) admitiu por meias palavras que no terreno a anexação não se impõe à força de falsos referendos e os militares russos estão a viver um momento complicado. "Estamos a trabalhar no pressuposto de que a situação nos novos territórios se estabilizará", disse Putin.
Na segunda-feira, o porta-voz do Kremlin reconheceu que não sabe ainda quais são as fronteiras desses territórios. "Vamos continuar a consultar a população sobre as fronteiras das regiões de Kherson e Zaporíjia", disse Dmitri Peskov.
Em Kherson prossegue o avanço dos ucranianos pela margem ocidental do Dniepre, onde milhares de soldados russos ficaram sem apoio e estão a recuar na direção da capital da região. Também aí os ucranianos atacam, no caso com bombardeamentos precisos. Na madrugada anterior, foi atingido um hotel onde estavam alojados agentes do FSB e altas patentes militares. Segundo fontes locais, morreram sete russos.
Também a leste, os ucranianos prosseguem a contraofensiva, com batalhas em curso perto do Rio Oskil e no sentido de Svatove e Kreminna, o que levou o governador de Lugansk, Sergiy Gaiday, anunciar que a "desocupação da região já começou oficialmente".
Indiferente ao que se passa, o porta-voz do Kremlin assegurou que Moscovo retomaria as terras perdidas para Kiev dentro das regiões anexadas, jurando que seriam "russas para sempre e não serão devolvidas". Mas as brechas estão à vista.
Um deputado russo apelou para os militares dizerem a verdade. "Precisamos de parar de mentir", disse o presidente da Comissão de Defesa da Duma, Andrei Kartapolov. "Os relatórios do Ministério da Defesa não mudam. O povo sabe. O nosso povo não é estúpido. Isto pode levar à perda de credibilidade", afirmou.
Vladimir Putin não se limitou a promulgar a legislação referente aos quatro territórios. No mesmo dia promoveu o líder da Chechénia Ramzan Kadyrov a coronel-general. O homem suspeito de atrocidades por várias organizações não-governamentais tinha há dias liderado as críticas ao militar responsável pelas perdas em Kharkiv e agora em Lugansk.
O homem forte da Rússia deu ainda ordens para que a Central Nuclear de Zaporíjia, em Enerhodar, ocupada pelos militares russos desde março, passe a ser administrada por funcionários russos. O diretor da central, Ihor Murashov, esteve dois dias detido pelos russos, tendo sido libertado numa área controlada pelos ucranianos.
Perante estes últimos desenvolvimentos, o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica viajou para Kiev para discutir a criação de uma zona de segurança em redor da central, uma necessidade "mais urgente do que nunca". O decreto de Putin declara as instalações nucleares propriedade federal russa. A agência nuclear ucraniana Energoatom disse que o decreto é "nulo, absurdo e inadequado".
A ideia lançada pelo presidente francês no Dia da Europa, de uma comunidade política europeia que junte Estado-membros da UE a outros que não tenham condições ou não queiram pertencer ao clube de Bruxelas ganhou vida: reúnem-se hoje no castelo de Praga, sob os auspícios da presidência checa do Conselho, os chefes de Estado e governo de 44 países, incluindo Ucrânia, Reino Unido, ou Arménia e Azerbaijão, que têm estado em conflito. De fora ficam os dois países sob sanções, Rússia e Bielorrússia.
Como diz a presidência checa, não é de esperar que nesta primeira reunião sejam tomadas decisões, antes um debate franco sobre o que pode ser esta "plataforma de coordenação política". Apesar de Londres dizer que preferia mudar o nome de "comunidade" para "fórum", o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico mostrou-se recetivo: "Penso que ter países europeus a encontrar formas de trabalhar em conjunto, seja em matéria de segurança mútua, segurança económica, etc. é certamente algo que iremos abordar de olhos abertos", disse James Cleverly.
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