Putin equipara ucranianos a nazis no dia da memória do Holocausto
Na mesma declaração em que insulta os ucranianos, líder russo realça a importância de não esquecer as lições da história. "Provocação indigna", comentou a MNE francesa.
Vladimir Putin continua a interpretar a história à sua maneira, ao comparar os crimes do regime nazi a alegados crimes praticados por Kiev, enquanto fez prédica sobre as lições a reter do passado, desta vez por ocasião do dia da memória do Holocausto. A data também foi assinalada pelo líder ucraniano, num dia marcado pela intensificação de combates no leste do país.
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O presidente da Ucrânia exortou o mundo a unir-se contra a "indiferença" e o "ódio" por ocasião do dia da memória do Holocausto, que comemora a libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau - construído pela Alemanha nazi na Polónia - pelo Exército Vermelho. "Hoje, como sempre, a Ucrânia honra a memória de milhões de vítimas do Holocausto. Sabemos e recordamos que a indiferença mata juntamente com o ódio", disse Volodymyr Zelensky, que tem ascendência judaica, numa declaração em vídeo.
O líder ucraniano não misturou a data com a guerra no seu país, ao contrário do homólogo russo. Putin repetiu a alegação de que neonazis estão a cometer crimes na Ucrânia, uma das suas justificações para escalar a guerra por procuração iniciada em 2014 para a invasão, em fevereiro do ano passado. "Isto é evidenciado pelos crimes contra civis, limpeza étnica e ações punitivas organizadas por neonazis na Ucrânia. É contra esse mal que os nossos soldados combatem corajosamente", disse Putin numa declaração em que ainda fez um apelo à memória: "Esquecer as lições da história leva à repetição de tragédias terríveis."
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No 78.º aniversário da libertação de Auschwitz pelos militares soviéticos, Putin advertiu ainda que "qualquer tentativa de rever as contribuições" da Rússia para a "Grande Vitória equivalem na realidade a justificar os crimes do nazismo e a abrir o caminho para o renascimento da sua ideologia mortífera".
A política do regime de Putin em exaltar os feitos da União Soviética ganhou novas dimensões com o início da "operação militar especial", com Moscovo a apelar ao orgulho patriótico e a não perder qualquer oportunidade para pintar os órgãos eleitos em Kiev como ilegítimos e criminosos. Nesse contexto, chegou a dizer que a população do Donbass, no leste do país, estava a ser vítima de um genocídio por ser russófona. E ao lançar a invasão em fevereiro disse que um dos objetivos era a "desnazificação" da Ucrânia.
Em Moscovo, a ausência da cerimónia em Auschwitz é vista como uma "humilhação" pelo rabino-chefe.
A data foi comemorada no antigo campo de extermínio com a presença de políticos polacos, o embaixador dos Estados Unidos em Varsóvia e o marido da vice-presidente Kamala Harris, Douglas Emhoff, além de sobreviventes e familiares. No entanto, devido à ofensiva na Ucrânia, o Museu de Auschwitz não convidou representantes russos para a cerimónia. "A Rússia vai precisar de uma autoavaliação extremamente longa e muito profunda após este conflito a fim de poder regressar às reuniões do mundo civilizado", disse à AFP o porta-voz do museu Piotr Sawicki.
Também a essa agência, o rabino-chefe da Rússia, Berel Lazar, que na véspera fora recebido por Putin, mostrou-se indignado. "Isto é claramente uma humilhação porque conhecemos e recordamos perfeitamente o papel do Exército Vermelho na libertação de Auschwitz e na vitória sobre o nazismo. Estes jogos políticos não têm lugar no dia do Holocausto", criticou Lazar.
O Exército Vermelho era composto por uma maioria de soldados russos, mas também das outras nacionalidades. A contribuição dos ucranianos é estimada entre 4,5 milhões e 7 milhões de militares entre um total de 34 milhões durante a Grande Guerra Patriótica, o nome dado por Moscovo à Segunda Guerra Mundial.
De visita à Roménia depois de ter estado na Ucrânia e na Moldávia, a ministra dos Negócios Estrangeiros francesa resumiu a posição europeia às declarações de Putin. "É uma provocação indigna num dia como o de hoje", comentou Catherine Colonna.
Ataque antes dos reforços
No terreno, as forças russas estão a intensificar as operações ofensivas em particular na região de Donetsk, onde continua a tentativa de assalto a Bakhmut, e agora também a Vuhledar, a sul. Na sua mensagem diária, Zelensky reconheceu a situação "extremamente grave" em Donetsk, tendo dito ainda que as forças russas não estavam apenas a atacar as posições ucranianas, mas também a destruir as cidades e aldeias à sua volta.
Segundo o analista militar britânico Sean Bell, em comentários à Sky News, a Rússia procura "ganhar alguma dinâmica"antes de os tanques ocidentais estarem ao serviço de Kiev. A este propósito, o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki disse que o seu país vai enviar 60 tanques adicionais aos 14 Leopard 2 já anunciados. Os parceiros tinham comprometido no envio de pelo menos 105 tanques, número que já foi excedido, mas que está muito aquém dos "300 a 500 que a Ucrânia precisa agora", segundo uma avaliação de Zelensky em entrevista à Sky.
cesar.avo@dn.pt