“Não tenham medo de amnistiar delitos que não se cometeram. Esta lei tem algumas lacunas que podem fazer com que a justiça espanhola seja letra morta”, disse Míriam Nogueras, a líder da bancada do Junts.  EPA
“Não tenham medo de amnistiar delitos que não se cometeram. Esta lei tem algumas lacunas que podem fazer com que a justiça espanhola seja letra morta”, disse Míriam Nogueras, a líder da bancada do Junts. EPA

Puigdemont rejeita lei de amnistia e demonstra fragilidade do governo

Dependente do Junts para manter a maioria parlamentar, executivo liderado por Pedro Sánchez terá de ceder para mudar a lei, de forma a incluir o líder do Junts, ou fica em xeque.
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O governo de coligação liderado por Pedro Sánchez levou um banho de realidade ao ver a lei da amnistia rejeitada no Congresso graças aos votos contra dos sete deputados do Junts per Catalunya, a formação independentista liderada a partir da Bélgica por Carles Puigdemont.

As centenas de pessoas que iriam beneficiar desta lei -- catalães envolvidos no referendo realizado em 2017 sem base legal e a posterior declaração de independência aprovada no parlamento catalão, entre outras atividades consideradas ilegais -- ficaram num limbo depois de no próprio dia da votação o Junts ter sinalizado que a legislação por si acordada não estar afinada o suficiente para impedir que o seu líder não venha a ser acusado de terrorismo ou de traição.

Na véspera da votação ficou a saber-se que um juiz de Barcelona decidiu prolongar a investigação ao chamado caso Voloh, ou seja, a alegada influência russa junto de pessoas do círculo de Carles Puigdemont. O juiz Joaquín Aguirre suspeita que o atual eurodeputado, em conluio com Moscovo, tenha realizado atos para alterar a unidade territorial de Espanha no processo que culminou com a declaração unilateral de independência. Se a acusação avançasse Puigdemont não estaria abrangido pela lei de amnistia, que exclui o crime de traição, assim como delitos que atentem contra a paz do Estado e os interesses financeiros da União Europeia. 

Os problemas do antigo president da Catalunha com a justiça não se ficam por aqui. O instrutor do chamado caso Tsunami Democràtic, Manuel García-Castellón, também na segunda-feira, prorrogou por mais meio ano a investigação a Puigdemont e ao deputado catalão Ruben Wagensberg. No auto, García-Castellón classifica os protestos organizados em outubro de 2019 contra as sentenças dos líderes independentistas como terrorismo, e que o criador do Tsunami Democràtic era o próprio Puigdemont. 

Perante estes novos dados, os deputados do Junts reuniram-se por videoconferência com a direção do partido, tendo ficado decidido que os sete só aprovariam a lei caso fossem incorporadas emendas à lei. Ao articulado legal acordado pelo PSOE e pelo Sumar com outros partidos na comissão de justiça, o Junts queria incluir a possibilidade de amnistia para qualquer crime ligado ao movimento independentista catalão, incluindo os classificados como terrorismo ou traição - uma pretensão reprovada pelos partidos da coligação. Desta forma o Junts viu-se na posição paradoxal de votar contra uma lei cujos militantes e simpatizantes seriam agraciados, mas não o seu líder.

A posição do Junts não foi seguida pela Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), nem pelo presidente da região, Pere Aragonès, também da ERC. “A lei de amnistia é uma lei robusta, que pode obviamente continuar a ser trabalhada, mas o mais importante é que possa ser aprovada para ultrapassar a repressão que atualmente restringe as liberdades na Catalunha”, afirmou Aragonès de visita a Bruxelas.

À direita, o líder do PP prosseguiu a sua tática de demolir o controverso acordo do líder dos socialistas com os catalães secessionistas. “É um pagamento”, afirmou Alberto Núñez Feijóo durante o seu discurso no Congresso. “O PSOE paga, o independentismo recebe e o único objetivo é que Pedro Sánchez continue como primeiro-ministro.” E prosseguiu: "Ouvimos aqui a deputada que manda [Míriam Nogueras, do Junts] dizer que a amnistia tem de ser global, que há repressão judicial, que a direção judicial é corrupta, que os juízes são prevaricadores. O que é que o governo e a ministra da Justiça fizeram? Calam-se e vão-se embora”, apontou.

Também Pedro Sánchez entrou mudo e saiu calado da sessão parlamentar.

O projeto de lei, que foi aprovado na generalidade, volta agora à comissão de Justiça, que tem 15 dias para apresentar um novo texto que ultrapasse a desconfiança a que Puigdemont aludiu no final do dia: “Há juízes que decidem investigar-me por terrorismo no próprio dia em que tivemos de tornar público o acordo com o PSOE, depois de quatro anos de passividade, e ninguém na justiça se importa”, afirmou.

cesar.avo@dn.pt

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