O republicano Donald Trump e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
O republicano Donald Trump e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

PRIMÁRIAS EUA-2024 A grande corrida vai começar

Joe Biden e Donald Trump são vistos como “indesejados”, mas deverão ser inevitáveis. A menos que Nikki Haley continue a surpreender e provoque uma enorme surpresa. Se for segunda no Iowa e vencer no New Hampshire, o superfavoritismo de Trump fica, pelo menos, abalado.
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Se a escolha dos nomeados presidenciais fosse feita no mesmo  dia, ao mesmo tempo, em todos os estados dos EUA, havia duas coisas fundamentais que se perdiam: a importância dos estados mais pequenos e a margem para candidatos menos óbvios poderem desafiar os favoritos. 

A tradição de colocar o Iowa e o New Hampshire, dois pequenos estados (juntos representam pouco mais de 2% do eleitorado norteamericano), no arranque das primárias ajuda à coesão interestadual, obriga os candidatos a fazer uma campanha de proximidade, quase porta a porta (o que não aconteceria se bastasse dominar os estados mais populosos) e abre espaço a uma dinâmica que pode pôr em perigo as vantagens iniciais, oferecendo  uma oportunidade a quem partiu atrás e surge melhor do que o previsto nos primeiros dois testes. O processo eleitoral nos Estados Unidos tem vários fatores criticáveis. Mas a sua força reside na enorme capacidade que continua a revelar de nos surpreender. 

Biden vai ganhar no Iowa (mas só vamos saber em março)

Esta eleição 2024 arranca com uma aparente condenação: desta vez, o espaço para a surpresa, pelo menos até às convenções do verão, parece muito reduzido. A explicação é simples: o atual e o anterior Presidentes dos EUA (Joe Biden e Donald Trump) lideram com grandes vantagens as respetivas corridas, no lado democrata e republicano. Podem não ser candidatos desejados, podem ter níveis de rejeição elevados: mas tudo indica que ambos serão
inevitáveis para a eleição geral.

O caso democrata tem as limitações normais de um Presidente incumbente: estando na corrida para a reeleição, as primárias são uma formalidade. E, de facto, Biden não terá dificuldades em garantir matematicamente os delegados para ter a maioria na Convenção de Chicago. Para o Iowa, apontam-se pelo menos 70% para Biden (possivelmente mais) e votações residuais para a escritora de livros de autoajuda, Marianne Williamson, e para o congressista do Minnesota, Dean Phillips.

Só saberemos a 5 de março: em mais uma das particularidades das complicadas eleições presidenciais nos EUA, os democratas optaram, no Iowa, por um processo que já começou na passada sexta-feira, dia 12, e só termina a 19 de fevereiro, em que os eleitores do estado podem receber por correio o boletim de voto. Os resultados oficiais no estado só serão divulgados na Super Terça-Feira. 

Trump 'superfavorito' à nomeação

Tem mais de metade das preferências republicanas no global dos estados e deve vencer no Iowa com pelo menos 50%. Donald Trump perdeu a reeleição em 2020, mas reúne hipóteses reais de ser o segundo americano a voltar à Casa Branca depois de ter perdido o lugar, quase 130 anos depois de Grover Cleveland. Abdicou dos debates, viu o seu ex-vice Mike Pence desistir precocemente, secou a ameaça DeSantis e não se assusta com a subida de Nikki Haley. Donald Trump tem como principal trunfo manter o movimento MAGA fortemente mobilizado e com sede de vingança.

Até onde pode chegar Nikky Haley?

Muito dificilmente até à nomeação. Mas é, sem dúvida, a figura das pré-primárias: competente e bem preparada, ganhou os debates e mostrou que seria possível apresentar uma alternativa aceitável a Trump do lado republicano. Com uma agenda conservadora clássica, Nikki Haley governou um dos estados mais à direita nos EUA, a Carolina do Sul, mas mantém, no plano da política externa, uma visão sólida sobre o papel dos Estados Unidos na liderança global e na proteção das democracias liberais (algo que a via identitária e populista que tomou o poder no Partido Republicano rejeita).
Os republicanos optaram por se transformar num partido de direita radical, isolacionista, com tiques antidemocráticos. E isso torna o caminho de Nikki Haley quase impossível. Mesmo que ainda possa subir mais um pouco, assumindo-se como a “reserva moral” da direita democrática, perante a maioria trumpista. Se fosse a nomeada, bateria Biden na eleição geral com mais vantagem do que neste momento Trump tem – mas a racionalidade há muito desapareceu do campo republicano.

O "empurrão" de Chris Christie

A desistência de Chris Christie foi a principal novidade da reta final da campanha do Iowa. No momento do adeus prometeu: “O meu grande objetivo é fazer tudo para que Donald Trump não volte a ser Presidente”. O problema é que logo a seguir disse mal de Nikki Haley – aquela que poderá travar a nomeação de Trump. Christie é daqueles exemplos de políticos que há muito atingiram o seu auge mas não conseguiram aceitar a ideia de que não iam conseguir cumprir o seu sonho pessoal. Foi um carismático 
governador da Nova Jérsia, geriu com empatia o desastre do “Sandy” (supertempestade que destruiu parte da zona costeira do seu estado em 2012), mas nunca teve hipóteses reais de chegar à Casa Branca. Nas sondagens nunca chegou a ter mais que 4% no Iowa, embora tivesse chegado a 12% no New Hampshire. A sua desistência pode ajudar Nikki Haley – mas está longe de ser líquido que todas as intenções de voto migrem para a ex-governadora da Carolina do Sul. Pelo menos, os riscos dos votos “anti-Trump” se dispersarem deverão diminuir.

De Santis e Ramaswamy, os "sucedâneos" de Trump

Os estados de arranque podem ditar mais desistências do lado republicano. Na noite das intercalares de 2022, Ron deSantis parecia lançado para disputar a nomeação presidencial republicana de 2024: acabava de ser reeleito governador da Florida com 20 pontos de avanço, enquanto grande parte dos candidatos “trumpistas”desempenhavam pior que o previsto, um pouco por toda a América. Só que o candidato presidencial Ron DeSantis tem-se revelado um flop: pouco carismático, com mensagem errática e sem real 
capacidade de tirar seguidores a Donald Trump. Um terceiro lugar no Iowa pode criar uma crise irresolúvel na campanha do governador da Florida.
Quanto a Vivek Ramaswamy, empreendedor de 38 anos, teve os seus “15 minutos de fama”, ao dar nas vistas no primeiro debate televisivo. Mas o balão rebentou rápido: diz tão bem de Donald Trump que não se percebe exatamente porque é que continua na corrida, estando o seu ídolo a caminho da nomeação.

New Hampshire, Nevada, Carolina do Norte, Michigan… Superterça-feira!

Uma semana e um dia após o Iowa, a 23 de janeiro, surgirá o New Hampshire, onde Haley aparece a escassos pontos de Trump (quatro a sete pontos). Um segundo lugar de Nikki no Iowa pode lançá-la para a discussão de uma possível vitória no “granite state”. E se isso acontecer poderá, nesse dia, ser declarado o primeiro abalo à aparente inevitabilidade da nomeação de Trump.
Depois virá o “caucus” do Nevada (8 de fevereiro) e, duas semanas mais tarde, a Carolina do Sul (24 de fevereiro), o estado que Nikki Haley governou com forte popularidade, entre 2011 e 2017, e que a lançou para o palco nacional, mas onde Trump lidera com 52% (Nikki tem 25%). Até à Super Terça-Feira (5 de março, 16 estados em jogo), os republicanos vão ainda disputar as primárias no Michigan (a dois tempos, 27 de fevereiro um terço dos delegados e os restantes dois terços na convenção estadual a 2 de março), Missouri (2 de março) e Dacota do Norte (4 de março).

O que poderá acontecer a 5 de novembro?

Faltam 296 dias para a eleição geral: ainda muito pode acontecer e, provavelmente, os dados que definirão o vencedor ainda não foram 
lançados. Mas parece claro, nesta fase, que Joe Biden terá, no mínimo, uma 
reeleição complexa. O fator idade gera profundas desconfianças, até no eleitorado democrata – ainda mais noutros setores. A inflação, apesar de ter reduzido muito mais rapidamente do que se esperaria, ainda tem efeitos na bolsa do americano médio. Se a situação internacional piorar nos próximos meses (os ataques dos houthis no Mar Vermelho são apenas um exemplo do que pode correr mal), a margem para que a Administração Biden possa 
minimizar os impactos negativos no dia a dia dos norte-americanos 
será cada vez menor.
Donald Trump surge à frente nas sondagens contra Joe Biden, ainda que com uma diferença mínima (1 ponto percentual em média, ainda que algumas sondagens indiquem empate ou mesmo Biden com vantagem ínfima). Convém, no entanto, assinalar que em período homólogo para a eleição de 2020 (quando faltavam 10 meses), Joe Biden liderava com 4,5% de avanço sobre Trump e… acabaria por ser o mais votado precisamente com essa diferença (51,3%/46,8%). 

Mais relevante ainda é identificarmos que Trump surge à frente em quase todos (ou todos, mesmo…) estados decisivos. Uma vez mais: há que relativizar, não são diferenças muito grandes, mas o padrão é evidente: a tendência beneficia Trump e sinaliza problemas para Biden. Que margem tem Joe para acabar por ser reeleito? Convencer segmentos cruciais para uma vitória democrata numa eleição nacional (jovens, negros, latinos, mulheres com estudos superiores), sobretudo na “blue wall” que foi capaz de construir no Midwest em 2020 (e que os democratas tinham perdido para Trump
em 2016): Michigan, Wisconsin, Pensilvânia.

Por enquanto, os indicadores apontam uma preocupante falta de entusiasmo do eleitorado tradicional democrata em torno de Joe Biden: só 63% dos negros dizem que irão votar Biden em novembro (em 2020 foram 87%); nos latinos, Trump lidera com 39% para 34% de Biden (em 2020, dois em cada três latinos votaram Biden). No segmento 18 a 35 anos, Trump lidera por 37/33 (em 2020, Biden bateu Trump nos jovens 18-30 por 60-36 e no segmento 30-40 por 52-46).
Das duas uma: ou estas tendências mudam radicalmente nos próximos meses, ou Joe Biden terá será o primeiro Presidente democrata a falhar uma reeleição desde Jimmy Carter. Há outros dois fatores que podem não estar ainda a ser devidamente contabilizados nas sondagens para a eleição geral.
Por um lado, se a falta de entusiasmo em torno de Biden o penaliza nos atuais números, o risco real de Trump voltar à Casa Branca ainda não terá sido percecionado por milhões de americanos que o rejeitam e ainda não estarão atentos à eleição presidencial (boa parte do eleitorado só o fará nas duas ou três semanas anteriores a 5 de novembro). 
E há os casos judiciais de Trump: até agora não só não comprometeram, como até parecem beneficiar Donald para a nomeação republicana. Mas atenção: uma eventual condenação por incitamento à insurreição no 6 de janeiro de 2021 ou na tentativa de inversão dos resultados na Geórgia pode causar danos para Trump em eleitores independentes e até numa franja de 
republicanos para a eleição geral. 
Ou seja: se o duelo final fosse hoje, provavelmente Trump bateria Biden, mas em dez meses muito ainda pode mudar. E esta eleição tem mesmo características únicas, que tornam arriscadas quaisquer comparações com o passado.
Apertem os cintos e respirem fundo: a grande eleição EUA-2024 
está quase a começar!

Germano Almeida é autor de cinco livros sobre presidências dos EUA.

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